Há determinados fatos delituosos que causam grande comoção na sociedade, com uma exacerbada dramatização midiática, sobretudo quando envolvem pessoas famosas; a crueldade humana; pessoas indefesas (crianças/idosos/deficientes). Uma vez estabelecida a identificação das pessoas (sociedade em geral) com a tragédia e o drama da vítima, nasce um clamor social por uma maior proteção.
Nesse cenário, de maneira muito oportuna, as figuras políticas no poder editam uma lei enrijecendo a pena do modelo típico, ou do regime prisional (ou dos dois) – isso quando não acaba por estabelecer um novo comportamento criminoso. Então, acalmam-se os ânimos da sociedade, tranquilizando-a com o discurso de que os governantes estão lutando pela segurança do povo, dando azo a discursos políticos de luta contra a impunidade no país. (Será mesmo?).
É isso o que a doutrina (encabeçada pelo saudoso Luigi Ferrajoli, na obra “Direito e Razão – teoria do garantismo penal”) passou a chamar de “Direito Penal Simbólico”; “Direito Penal de Emergência”; “Direito Penal Máximo”; “Populismo Penal”, fenômeno este muito notável no Brasil – sobretudo nas duas últimas décadas.
De maneira mais técnica, Antônio Carlos Santoro Filho[1] explica: “(…) direito penal simbólico, uma onda propagandística dirigida especialmente às massas populares, por aqueles que, preocupados em desviar a atenção dos graves problemas sociais e econômicos, tentam encobrir que estes fenômenos desgastantes do tecido social são, evidentemente entre outros, os principais fatores que desencadeiam o aumento, não tão desenfreado e incontrolável quanto alarmeiam, da criminalidade.”
Longe de ser a intenção desse texto debater sobre problemas extremamente complexos, como são os relacionados com a criminalidade e com a insegurança, fato é que a política criminal populista é extremamente perigosa, haja vista que não garante efetiva proteção ao bem jurídico, transmitindo falsa sensação de solução.
Nesse sentido, Cláudio do Prado Amaral[2] aponta: “Usa-se indevidamente o Direito Penal no ledo engano de estar dando retorno adequado a toda criminalidade moderna, mas que em realidade não faz mais que dar revide a uma reação meramente simbólica, cujos instrumentos utilizados não são aptos para a luta efetiva e eficiente contra a criminalidade”.
E por que se diz que o Direito Penal está sendo usado de forma indevida? Simples, o Direito Penal deve ser mínimo (e não máximo). À luz do princípio da intervenção mínima, o Direito Penal só entra em cena quando for a “ultima ratio” para a proteção dos bens jurídicos mais importantes e necessários para a vida em sociedade.
Como dito acima, esse fenômeno está muito presente no Brasil, podendo-se citar (dentre tantas) como exemplos as seguintes leis:
- Lei de Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/90) – esta lei foi decretada devido ao assassinato cruel de uma famosa atriz, a qual foi noticiada em todo o país. É simbólica na medida em que, de maneira direta, ela não combate o crime, aplicando-se apenas posteriormente à ocorrência do crime.
- Lei Carolina Dieckmann (Lei n. 12.737/2012) – aprovada às pressas após vazamentos de fotos íntimas da atriz, mediante pressão midiática. Sem qualquer eficácia prática, buscou combater crimes praticados por meios informáticos.
- Lei Mariana Ferrer (Lei n. 14.245/21) – cujo objetivo é coibir a prática de atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas e estabelecer causa de aumento de pena no crime de coação no curso do processo. Fez previsão de causa de aumento de pena no crime de coação no curso do processo.
- Lei do Crime de Stalking (lei n. 14.132/21) – esta lei introduziu o art. 147-A no Código Penal, na intenção de se prevenir a perseguição reiterada.
Por derradeiro, vale destacar uma reflexão deixada por Luiz Flávio Gomes[3]: “O que o Brasil está fazendo de errado em sua política criminal? Está cuidando dos efeitos e não das causas do problema. Sua política criminal tem sido guiada pelo populismo penal, que pode (e deve) ser enfocado como um discurso ou um movimento ideológico extremista, radical, com fortes componentes emocionais e irracionais, vingativos, que confia no rigor penal como (única ou tendencialmente única) solução para o problema da criminalidade (e da insegurança).”
[1] SANTORO FILHO, Antonio Carlos. Bases críticas do direito criminal. Leme: LED, 2002.
[2] AMARAL, Claudio do Prado. Princípios penais– Da legalidade à culpabilidade, p. 155-156.
[3] https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121927228/para-onde-vamos-com-o-populismo-penal