Conforme destacado em outro artigo, no dia 8 de janeiro de 2023, foi publicado o Decreto nº 11.377/2023, por meio do qual o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, decretou “intervenção federal no Distrito Federal com o objetivo de pôr termo ao grave comprometimento da ordem pública” (BRASIL, 2023).
Ante tal acontecimento, convém analisar em que consiste a denominada intervenção federal, de maneira a compreender a relação desse instituto jurídico-constitucional com a forma federativa de estado, uma vez que todos nós vivemos na República Federativa do Brasil, “formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal […]” (BRASIL, 1988).
Isso significa que cada pessoa política (União, Estados-membros, Municípios e Distrito Federal) possui a sua respectiva esfera de competência, que há de ser respeitada pelas demais pessoas políticas. Por exemplo, a União não pode, sem justificativa jurídica relevante, intervir na administração de algum Estado-membro, tendo vista a autonomia que cada ente federativo possui com fundamento da Constituição Federal de 1988.
Aqui, basicamente, autonomia do ente federativo significa a capacidade de auto-organização e autolegislação. Todavia, essa autonomia “jamais pode desgarrar-se dos contornos traçados pela Constituição Federal. Autonomia não implica soberania, de forma que a obediência aos termos constitucionais é inafastável” (TAVARES, 2020, p. 1087).
Assim, o respeito ao modelo federativo é a expressão da normalidade institucional, sendo a intervenção federal a exceção flagrante à regra prevista na Constituição brasileira, razão por que, ainda que em breves termos, a compreensão daquela (a intervenção em si) é imprescindível neste momento histórico.
Segundo Tavares (2020, p. 1163), a intervenção federal é uma forma de controle básico do pacto federativo, cujo “objetivo é a mantença do pacto federativo ou o respeito a elementos considerados, pela Constituição, como essenciais à manutenção de certa ‘ordem’ e permanência das instituições”.
Ainda, com base em Tavares (2020, p. 1163-1164) a intervenção federal é um ato de natureza política e administrativa, essencialmente caracterizado por ser o oposto da autonomia acima referida, motivo pelo qual a decretação desse ato é uma medida de caráter extremamente excepcional.
Registre-se que a intervenção aqui tratada somente ocorrerá, grosso modo, “de cima para baixo”. Essa sistemática é bem explicada da seguinte forma: “A intervenção será sempre da pessoa política ‘maior’ na ‘menor’, mas de pessoas subsequentes. Não pode, por isso, a União intervir nos Municípios, em regra. Há uma exceção: a cb prevê a possibilidade de existência de territórios, que não são entes federativos, mas descentralizações administrativas do ente federativo União. E, ao se criarem Municípios no território, aí há possibilidade de intervenção federal nos Municípios. Na verdade, tais Municípios foram criados na União” (TAVARES, 2020, p. 1163).
Neste contexto, anote-se que compete à União decretar a intervenção federal (CF, 21, V), que poderá ser aprovada, ou não, pelo Congresso Nacional, no exercício de competência exclusiva (CF, art. 49, IV). Diante disso, haverá convocação extraordinária do Congresso Nacional pelo Presidente do Senado Federal (CF, art. 57, § 6º, I).
Além disso, as hipóteses em que cabe a decretação de intervenção federal são bastante restritas, nos termos do art. 34, da Constituição brasileira, a seguir transcrito:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
I – manter a integridade nacional;
II – repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III – pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV – garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
V – reorganizar as finanças da unidade da Federação que:
a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;
b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;
VI – prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII – assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
Frise-se que, por meio do Decreto nº 11.377/2023, publicado no dia 8 de janeiro de 2023, decretou-se a “intervenção federal no Distrito Federal com o objetivo de pôr termo ao grave comprometimento da ordem pública” (BRASIL, 2023). Assim, em tese, embora o referido decreto possua expresso fundamento constitucional (CF, art. 34, III), caberá, ainda, ao Congresso Nacional aprovar a medida excepcional praticada pelo Presidente da República.
Referências:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 jan. 2023.
BRASIL. Decreto nº 11.377, de 8 de janeiro de 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/d11377.htm. Acesso em: 10 jan. 2023.
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
Excelente explicação.
Obrigado, Tainá.