Para se ter uma noção minimamente abrangente acerca da existência do fenômeno criminal, não é preciso ler os manuais de Criminologia de capa a contracapa, muito menos se aprofundar no estudo das escolas criminológicas. Para tanto, em verdade, basta prestar atenção nos noticiários televisivos e sensacionalistas para se chegar à conclusão de que a transgressão de leis criminais é uma ocorrência constante na sociedade brasileira, e que, inclusive, transita em diferentes classes sociais com capacidade econômica variada.
Nesse sentido, embora se possa ter uma prévia e errônea concepção de que a realidade criminal esteja presente tão somente em locais em que residem pessoas em condição de pobreza e reduzido status social, o crime é um fenômeno que também se revela em ambientes de elevado prestígio e estima pública, sendo capaz de prejudicar uma quantidade indeterminada de pessoas, a depender da natureza do delito praticado e da condição financeira e política do criminoso.
Assim, a desigualdade econômico-financeira da população não é um motivo socialmente justificador para que a análise da prática criminal se restrinja a determinada categoria de pessoas, com características comuns (idade, nível de escolaridade, local de moradia, renda mensal etc.), considerando-se que “o crime é um ente social e deve ser estudado em todas as suas formas, pois ele pode nascer em qualquer local, bastando para tanto que exista uma interação social” (GONZAGA, 2018, p. 78, grifos do autor).
Daí nascem diferentes tipologias acerca do crime, com nomenclaturas bastante peculiares, a exemplo dos chamados crimes de colarinho branco. Aliás, sobre a temática, Gonzaga (2018, p. 77, grifos do autor) explica que tal classificação decorre “da dicotomia entre infrações penais cometidas por pessoas de alta renda versus pessoas de baixa renda”, a partir do que se elaborou “a importante denominação da Criminologia de blue-collar e white-collar”.
Especificamente em relação aos crimes de colarinho branco (white-collar), Viana (2018, p. 277) recorda que essa terminologia foi cunhada pelo criminologista Edwin Sutherland, em 05 de dezembro de 1939, por ocasião de sua conferência na Sociedade Americana de Sociologia.
À época, concebeu-se a expressão “crime de colarinho branco” como “um crime cometido por pessoa respeitável e com elevado status social, no curso de seu trabalho”, sendo o criminoso “uma pessoa com elevado status socioeconômico que viola leis destinadas a regular suas atividades profissionais” (SUTHERLAND apud VIANA, 2018, p. 277).
A esse respeito, Gonzaga (2018, p. 78) afirma que a crítica de Sutherland era a de que, na prática, os tais criminosos, os de colarinho branco, gozam de impunidade e dificilmente são responsabilizados pelo Estado, porque estão situados em um estrato social a que o sistema de justiça não consegue ter acesso, em razão, também, do poderio econômico ostentado por esses infratores da lei criminal.
Portanto, apesar da classificação ter origem na leitura da realidade criminal norte-americana, percebe-se que essas lições podem ser facilmente aplicadas no contexto da sociedade e do sistema de justiça brasileiro, haja vista que, a depender da situação econômica e do arranjo de influências políticas do criminoso, a referida abordagem sociológica dos crimes de colarinho branco e seu respectivo prognóstico jurídico se mostram bastante pertinentes.
Referências:
GONZAGA, Christiano. Manual de criminologia. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
VIANA, Eduardo. Criminologia. 6. ed. Salvador: JusPODIVM, 2018.