Escrevo tardiamente e consternada sobre a morte de Abílio Diniz, ocorrida no último dia 18. Nossa relação era distante. De respeito. Eu era repórter da revista SuperVarejo, da APAS (Associação Paulista de Supermercados) e biógrafa de seu pai, Valentim dos Santos Diniz, por ocasião de seu falecimento, em 2008. Nunca me esqueço de que ele gostou tanto da reportagem que mandou imprimi-la em caderno separado e a distribuiu a todos os gerentes do Pão de Açúcar ordenando que lessem, pois ele ia tomar o ponto! Ele era assim, rigoroso e passional, como pode dizer melhor que eu, seu assessor Paulo Pompilio.
E não há maior elogio ao caráter de qualquer homem como afirmar com certeza de que este foi um bom filho. Doutor Abílio, era assim que seu pai se referia a ele, era seu grande orgulho. Mais da metade da entrevista que fiz com seu Santos foram citações ao dr. Abílio, como ele era estudioso, trabalhador, que sem ele o Pão de Açúcar ainda seria um mercado de bairro, de seus estudos superiores e visão administrativa.
Alguns anos depois, meu chefe de reportagem, Joaquim Ferreira, convidou-me a editar com ele o primeiro livro da História dos supermercados em São Paulo “O Supermercado Nosso de Cada dia”, de autoria de João Fernandes d’Almeida e William Eid, patrocinado pela APAS – Associação Paulista de Supermercados. Abílio escreveu o prefácio e destaco um trecho que surpreende os mais céticos sobre sua personalidade:
“O título ‘O supermercado nosso de cada dia”, paráfrase do trecho da oração que Jesus nos ensinou, é quase uma metáfora da missão de quem trabalha no varejo. O supermercado é nosso, de todos: dos supermercadistas, dos clientes, dos cidadãos, dos fornecedores e funcionários, porque a relação diária que se estabelece entre o consumidor e toda a cadeia produtiva é vital, é o “pão” que alimenta a economia, e cabe a todos nós prestar esse serviço ao país”.
Para os que falam hoje de join venture , economia global e programas de incorporação de empresas, foi o Pão de Açúcar, na década de 60, que comprou a rede Sirva-se, criando um grupo econômico que alçou status de multinacional. Só é possível entender a visão dos Diniz em conjunto, como família portuguesa de imigrantes de Póvoa de Varzim. Abílio foi fundador do Pão de Açúcar em 1959, aos 23 anos, junto com seu pai, e sempre esteve à frente dos negócios. Estudou na FGV e foi mandado a Harvard para ser o primeiro da família a ter ensino superior com mestrado. Em 1967, a família já tinha 13 supermercados e ao final daquele ano foram abertos mais dez. Dois anos depois já era a maior cadeia de supermercados da América Latina, com 63 lojas. .
A história dos supermercados avança e a participação internacional e as experiências do grupo Pão de Açúcar na Europa e na África são pioneiras e marcantes para a economia de todos os países em que suas lojas foram implantadas. Sofreram e perderam tudo com o socialismo em Portugal e em Angola, por isso, quem o acusar de esquerdista deve primeiro ler sua trajetória de vida.
Sem dúvida, Abílio era o herdeiro do clã Diniz. Em 1988, na distribuição de 38% das ações por seu pai, foi beneficiado na divisão com 18%, seus irmãos Alcides e Arnaldo com 8% cada um e suas três irmãs, 2%. Tal divisão motivou desavenças e os irmãos se desligaram do grupo para Abilio assumir a presidência em 1991.
A partir dessa data, o futuro do grupo Pão de Açúcar tem um nome apenas: Abílio Diniz, que começou um plano de aquisição de pequenas e grandes redes para se tornar o sinônimo de Varejo no Brasil: redes Barateiro, Sé, Assaí, Ponto Frio, drogarias e postos de combustíveis, tudo passava por sua mão, e mesmo com a decisão de transferir 50% das ações do Pão de Açúcar para o grupo francês Casino, ele continuou à frente da Administração. Quando se desligou, as lojas quebraram. Só ele entendia como funcionava o varejo brasileiro, diferente do francês Casino e mesmo do norte-americano Wal-Mart, também com sua atividade encerrada no Brasil.
Abílio escreveu um livro autobiográfico, “Novos Caminhos, novas escolhas”. Recomendo sua leitura para quem quer saber sobre administração a partir da prática, da realidade fora do mundo acadêmico, dentro da selva do mercado. Era para ser um livro de motivação também, mas a trajetória de Abílio com altos e baixos no sistema brasileiro, burocracias, planos econômicos, inflação, perda e ganho de capitais, não é para qualquer um. Abílio Diniz talvez seja o último grande líder do antigo varejo.
Ele representou, com dignidade, fé e força de trabalho a sucessão familiar na administração de empresas que hoje nem têm mais lojas. O comércio virtual, a invasão de produtos chineses, o sucateamento da indústria nacional e a sobrecarga do setor de comércio e serviços estrangularam de tal forma os empresários que podem ver em Abílio o exemplo do guerreiro incansável. Renunciou a um império para poder viver, segundo ele, os melhores 12 anos de sua vida, escrevendo livros, apresentando programas de TV e ministrando aulas para passar às novas gerações o legado da verdadeira gestão de empresas. Para ele, o caminho a seguir era a transmissão e multiplicação de conhecimento, missão que todos os que têm experiência de vida devem cumprir.
Abílio é fruto da geração que criou um varejo ostensivo, poderoso, com lojas físicas e amplo desenvolvimento. Em contraste, o varejo hoje é tímido, dependente de produtos, sem expoentes de liderança, escravo de um sistema burocrático e sem criatividade para se desprender das amarras tributárias. Um varejo que vai a reboque, sem poder de decisão e sem formar opinião de mercado. Sem dúvidas, uma era de ouro nasceu com Abílio Diniz, e esta morreu com ele.