Segunda-feira, 8 da noite, Jornal Nacional. Vejo uma figura triste, quase um pierrô fora de época. Um rapaz vestido de mulher, com seu nome, profissão e endereço divulgados. Ele não é trans, não é gay, não está indo à parada LGBT, não está nem mesmo fantasiado para o carnaval. Trata-se de um filho que tomou o lugar da mãe no exame prático da prova de direção, pois ela, uma senhora idosa, não conseguia fazer baliza e já tinha sido reprovada várias vezes. Ele cometeu esse “crime” para que sua mãe pudesse tirar a carteira de motorista, comprar um carro usado e vender roupas na rua.
A mãe também deu seu depoimento, dizendo que o filho era bom e carinhoso, e só tinha feito aquilo para ajudá-la, e a culpa era dela. A cena provavelmente deu ensejo a muitas risadas de espectadores que acham engraçado um homem se vestir de mulher para fraudar um exame objetivo, isento e incorruptível como o aplicado pelos Detrans. Realmente, nenhum dos que estavam rindo compraram a carta de motorista, ninguém pagou propina para a autoescola, nem procurou alguma desculpa para livrar-se da reprovação por ter deixado o carro morrer. São todos modelos de virtudes.
A figura patética do filho que fingiu ser sua mãe transformou-se em notícia em rede nacional rapidamente, expondo sua imagem como estelionatário. Mesmo a irmã, advogada, não conseguiu segurar essa matéria, bem produzida, com vídeo em vários ângulos e riqueza de informações, e que possivelmente vai virar meme e dar vazão a bullying, difamações, quando não agressões físicas. Será que os retratados assinaram aquele necessário documento de cessão de imagem? Sob qual argumento? Somos da Globo e você vai ser famoso?
Esse tipo de reportagem é fruto da chamada Imprensa Marrom, um jornalismo barato e sem ética, que passa despercebido, enquanto a mesma emissora e seus asseclas promovem o artificial conceito de fake news, que deveria ser traduzido como notícia falsa, mas é simplesmente informação verdadeira que desagrada a esquerda viciada em hegemonia, paga com nosso dinheiro aos veículos simpatizantes. Isso, sim, é a imprensa marrom, que nunca foi extirpada. Uma praga.
Quem pode responder como essa pauta chegou à reunião com os editores, o pauteiro e o chefe de reportagem ou de redação? Quem a aprovou e em que condições? Foram discutidas as consequências e o problema ético de uma matéria dessas? Por fim, em que biboca se formaram esses pseudo jornalistas ou quanto receberam para divulgar nome e imagem de um cidadão que cometeu um crime análogo ao furto famélico? Quem não sabe do que se trata, como os tais jornalistas da Globo, deve se inteirar com urgência.
Meu sentimento ao ver a tal reportagem, devo confessar, foi de profunda tristeza ao ver a situação daquele moço e de sua mãe, pessoas humildes e sem noção do que pode ocorrer com a exposição de sua imagem em rede nacional. Pouco sabem da exploração covarde que sofreram sob a capa dos interesses escusos de uma imprensa sem criatividade na elaboração de pautas e refém de quem a financia nos bastidores.
Quem fez faculdade de Jornalismo – agora nem precisa mais, porque desde o governo Dilma a profissão foi desregulamentada e milagrosamente os analfabetos foram autorizados a escrever – pode ter aprendido a apurar os fatos, na matéria Jornalismo Investigativo; na disciplina de Legislação e Ética teve que refletir sobre as suas escolhas e aceitar as consequências com responsabilidade. O recente exemplo de Jessica Vitória, que se matou depois de exposta por meio de notícia falsa, veio demonstrar como evoluiu a imprensa marrom.
Esse tipo de mau jornalismo se notabilizou desde o início da editoria policial no Brasil. O jogo era o seguinte: a pessoa chegava à delegacia dentro de uma viatura, podia ter cometido crime ou não, e logo o escrivão ia falar com ele e a família. A conversa era mais ou menos assim: “seu filho, irmão, marido, boa gente, todo mundo gosta dele aqui, mas tem um bocado de repórter lá fora que ia querer botar a foto dele no jornal…” E lá vinha o achaque…
A maioria dos repórteres se deixou manipular e nem viu a cor do dinheiro, mas boa parte agia em conluio com policiais corruptos. Muitos jornalistas idiotas se venderam apenas por informação privilegiada, por um furo, por tapinha nas costas ou para garantir uma fonte. Mas isso ficou no passado. Hoje não existe nem mais reportagem. Vem tudo pela assessoria de imprensa com release pronto e foto em alta, via internet, basta publicar. Considere esta uma contribuição para desmistificar ou redefinir o conceito de fake news. Uma palavra que colocaram em sua boca, para fazer você acreditar que existe uma imprensa decente no Brasil e curiosos mal-intencionados nas redes sociais, mas principalmente para encobrir o jornalismo marrom das redações que age a todo momento na TV, nas rádios, nos jornais e na internet, representado por apedeutas que não conseguem criar e avaliar pauta, escrever um texto informativo, jornalistas covardes o suficiente para se esconderem quando confrontados pela sociedade de quem deveriam ser a voz.