Segundo o professor Nunes Júnior (2019, p. 251), a Constituição Federal, de 1988, é dividida em três partes, a saber: o preâmbulo, a parte permanente e o chamado Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Neste momento, interessa-nos apenas o preâmbulo da Constituição, que nada mais é que “uma espécie de carta de intenções do constituinte originário. Expressa, em poucas palavras, quais os objetivos mais relevantes e os valores principais que norteiam o novo texto constitucional” (NUNES JÚNIOR, 2019, p. 251).
Em redação literal, o preâmbulo da Constituição brasileira conta com a seguinte redação, in verbis:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL” (BRASIL, 1988, grifo nosso).
Do texto do preâmbulo constitucional, percebe-se a inscrição da palavra “Deus”, a quem se clama por proteção. Dito isso, embora seja um tema já discutido e definitivamente resolvido, questionou-se a respeito da possibilidade dessa expressão macular o texto constitucional, infringindo, assim, o chamado Estado laico, ou seja, aquele Estado que não adota uma religião oficial, nem admite a influência de determinada religião no direcionamento das políticas estatais.
Todavia, em 2003, o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestou a esse respeito, encerrando a então questão controvertida com o seguinte julgado:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. CONSTITUIÇÃO: PREÂMBULO. NORMAS CENTRAIS. Constituição do Acre. I. – Normas centrais da Constituição Federal: essas normas são de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro, mesmo porque, reproduzidas, ou não, incidirão sobre a ordem local. Reclamações 370-MT e 383-SP (RTJ 147/404). II. – Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa. III. – Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI 2076, Relator(a): CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 15/08/2002, DJ 08-08-2003 PP-00086 EMENT VOL-02118-01 PP-00218)
Em outras palavras, o STF decidiu que o preâmbulo da Constituição não é uma norma que deve ser reproduzida, obrigatoriamente, pelas demais entidades federativas que compõem o Estado brasileiro. Em consequência disso, “a palavra “Deus” no preâmbulo não fere a laicidade do Estado brasileiro, máxime porque, além de não definir qual a divindade (que ficará a cargo de cada religião), o STF entendeu que esse preâmbulo é uma manifestação política do poder constituinte originário, não sendo norma jurídica” (NUNES JÚNIOR, 2019, p. 253).
Portanto, em tese, Deus e o Estado brasileiro permanecem formalmente distanciados e sem capacidade de mútua influência, a respeitar a laicidade estatal, de maneira a não se adotar uma determinada religião, conferindo-lhe a marca da oficialidade e a elevando ao patamar de crença superior a ser observada pela sociedade. Por outro lado, isso também significa que se admite a liberdade religiosa, que abrange a pluralidade de credos religiosos e a possibilidade de se professar distintas orientações de fé e espiritualidade, sem interferência indevida do poder público.
Referências:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 7 maio 2023.
NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.