A meu modesto ver, entre os escritores brasileiros mais consagrados, Rubem Alves é aquele que discorre com mais sensibilidade sobre o ideal de liberdade que deveria prevalecer por ocasião do ato de aprender, apresentando, inclusive, um norte teórico e pedagógico a ser aplicado na arquitetura da educação brasileira, a despeito de todas as diretivas burocraticamente padronizadas e reproduzidas no contexto do currículo escolar nacional.
Importa lembrar que Rubem Alves (1933-2014) foi pastor, professor, psicanalista e escritor brasileiro. Foi autor de diversos livros voltados para a educação, além de escrever obras infantis e inúmeras crônicas. Para mim, dentre os seus escritos, podemos destacar “A educação dos sentidos”, “Lições do velho professor”, “A alegria de ensinar”, “O aluno, o professor, a escola”, “Aprendiz de mim”, “Cenas da vida”, “Desfiz 75 anos”, e “Ensinar, cantar, aprender”.
Admiravelmente versado nas letras e nas construções poéticas, Rubem Alves defendia com fervor o desenvolvimento do prazer pela leitura. Porém, certo dia, fora surpreendido por dois jovens que lhe ofereceram um panfleto no qual havia uma proposta aparentemente inovadora e intelectualmente questionável. Na propaganda, havia o seguinte convite: “O senhor quer ler um livro em 20 minutos e entender tudo?”. Sim, era a famigerada leitura dinâmica, a “arqui-inimiga” deste baluarte da cultura brasileira (ALVES, 2018, p. 221).
Em uma espécie de impulso defensivo da leitura prazerosa, o escritor assim respondeu:
Ler um livro em 20 minutos? Isso é invenção do Demônio! Os senhores quereriam ouvir a Nona sinfonia em 20 minutos? Quereriam ler Grande sertão: Veredas em 20 minutos? Caminhando assim, em breve teremos cursos de sexo dinâmico em que tudo se consuma em cinco segundos, à semelhança dos galos e das galinhas, economizando assim um tempo precioso para o trabalho! O prazer quer gozar devagar. é preciso ler bovinamente, ruminando. E agora os senhores me oferecem um método que vai me roubar dos meus prazeres? (ALVES, 2018, p. 221).
Bem se vê que Rubem Alves não alocava a leitura dinâmica em sua lista pessoal de predileções intelectuais. Afinal de contas, além do “Grande Sertão: Veredas” e da Nona sinfonia, também acredito que ler dinamicamente um livro como “O senhor dos anéis”, de J. R. R. Tolkien, “As crônicas de Nárnia”, de C. S. Lewis, ou qualquer manual de ordem mais técnica, seria uma atividade desnecessariamente frenética e tristemente fadada a um resultado presumivelmente inócuo.
Ler para sentir prazer ou para aprender um determinado conteúdo, científico ou não, requer o tempo necessário para que a compreensão se consolide em um arranjo ordenado e memorável de ideias, a depender da complexidade o assunto lido e da finalidade do leitor. Por isso, pressa e leitura são palavras que definitivamente não se combinam quando se tem em mira o desempenho de uma atividade essencialmente intelectiva, seja por mero deleite ou para acréscimo de cultura geral ou especializada.
Além disso, particularmente, gosto muito destes assuntos e os pesquiso desde o término do meu ensino médio. Em razão dessa perspectiva histórica, após a leitura de dezenas de livros sobre a temática em questão, tive a triste oportunidade de testemunhar escritores que, atualmente, vendem a dita “invenção do Demônio” como remédio intelectual com efeitos milagrosos, a despeito de, no passado, terem repudiado a ferramenta demoníaca que hoje tanto idolatram e propagam. No mínimo, isso revela uma tremenda incoerência. Porém, nada melhor do que a ingenuidade alheia para se proliferar tanta $aberdoria!
Viva Rubem Alves! Viva a leitura!
Referência:
ALVES, Rubem. Lições do velho professor. Campinas/SP: Papirus, 2018.