Por: Caique Nobre
O termo função empresarial, ou empresarialidade, vem do latim in prehendo, que significa “descobrir, dar-se conta de algo, perceber”. Neste sentido, segundo o professor Jesus Huerta de Soto (2004), podemos compreender a função empresarial como “a capacidade tipicamente humana para perceber as oportunidades de ganhos que surgem ao redor, atuando de modo a se tirar proveito das mesmas”. Sendo assim, os empresários são aqueles que percebem certos desajustes no mercado e, visando o lucro, atuam de modo a satisfazer as demandas ainda não atendidas.
A função empresarial, no entanto, não pode ser facilmente compreendida através de uma definição de poucas linhas e nem mesmo ser sintetizada em um único artigo. Sendo assim, a seguir serão abordadas algumas de suas principais características:
1) Gera informação – Todo ato empresarial gera novas informações de mercado que antes não haviam sido percebidas pelos demais players. Essas informações são:
a) Subjetivas, pois podem ser interpretadas de diversas maneiras pelos agentes;
b) Práticas, uma vez que só são criadas através da ação empresarial;
c) Dispersas, visto que podem ser criadas e absorvidas por diversos indivíduos;
d) Tácitas, isto é, não são formalizadas de início.
2) É essencialmente criativa – todo desajuste social é uma oportunidade de ganhos para os empresários. Quando um empresário “E” descobre que uma pessoa “P” dá pouco valor a determinado recurso que possui, mas que um potencial comprador “C” o valorizaria em determinadas condições, E agiria de tal forma a adquirir esse recurso por um preço mais barato do que venderá a “C”. Quando isso ocorre, existe um benefício empresarial puro, isto é, todos saem ganhando.
Para deixar esta característica um pouco menos teórica, utilizaremos o exemplo adotado pelo professor Iorio (2011)
Suponhamos que João tenha o objetivo de abrir uma oficina mecânica de automóveis, mas para isso, precisaria de um terreno. Maria, por sua vez, herdou recentemente um terreno que só está lhe dando gastos com impostos exorbitantes do município e gostaria de vendê-lo. Maria e João não se conhecem, mas eis que surge José, que ao descobrir os desejos de ambos, percebe uma boa oportunidade de comprar o terreno de Maria por, digamos, R$ 80.000 (valor que possui em poupança), e revendê-lo por um preço maior a João como, por exemplo, R$ 100.000. Feito isso, todas as partes ganharam com a operação, sem mencionar os serviços e empregos que a oficina de João irá realizar.
(IORIO, U. J. Ação, tempo e conhecimento: A Escola Austríaca de Economia. Instituto Ludiwg von Mises Brasil. São Paulo. 2011)
3) Transmite informação – É através do Sistema de Preços que as informações referentes à oferta e demanda de determinado recurso são transmitidas aos empresários, de modo que eles ajustem sua atividade. No exemplo citado acima, o empresário “E” percebeu que havia uma oportunidade porque soube que “P” estaria disposto a vender seu recurso por um preço inferior ao que “C” estaria disposto a pagar. Ao final dessa operação, é bem provável que os agentes locais também percebam novas oportunidades.
4) É coordenadora – Recursos que antes estariam subalocados passam a atender necessidades mais urgentes de outros indivíduos, conforme o empreendedor perceba esse desajuste. Esses recursos podem ser tanto materiais, quanto humanos. Plataformas de anúncios de vagas de trabalho são um excelente exemplo de coordenação de recursos, pois permite que pessoas dispostas a trabalhar encontrem ofertas de emprego, independentemente da região em que estiverem.
5) É competitiva – Uma dada oportunidade específica, em determinada condição de tempo e local, não pode ser aproveitada por mais de um empresário ou consumidor ao mesmo tempo. Cabe ressaltar que a competição aqui mencionada nada tem a ver com o modelo de “competição perfeita” apresentado pela maioria dos economistas, no qual supostamente todos os ofertantes venderiam um mesmo bem a vários consumidores por um único preço. A definição de competição que melhor se encaixaria seria a de “rivalidade entre dois ou mais que aspiram obter a mesma coisa ao mesmo tempo”.
6) Jamais se esgota – Não existe o “estado de equilíbrio de mercado”. Conforme as necessidades dos consumidores são atendidas, novas necessidades surgem, criando novos desajustes que os empreendedores irão tentar identificar e corrigir, através de novos produtos e serviços. Exemplos:
a) A partir do momento que necessidades básicas são atendidas, as pessoas começam a buscar produtos menos essenciais, como smartphones melhores. Quando os smartphones se tornam itens “básicos”, novos serviços passam a existir, como redes sociais, apps específicos e câmeras com melhor resolução.
MAS POR QUE A EMPRESARIALIDADE SERIA UMA VIRTUDE?
O sábio Aristóteles, no século IV a.C, definiu o conceito de Virtude como “um estado, ou disposição de caráter, que torna bom um homem e o leva a desempenhar bem a sua função”. (2021). Sendo assim, a Virtude seria uma característica boa em si mesmo e que é desejável por nos conduzir ao Bem.
A empresarialidade não consiste apenas na percepção de oportunidades de lucros, mas também necessita dos atos empresariais, isto é, o comportamento deliberado para atingir fins que gerem valor aos consumidores. Quando bem praticada, ela resulta em benefícios para diversas pessoas, conforme visto no tópico 2. Em contrapartida, quando a empresarialidade não é executada de maneira correta, temos os erros empresariais, que podem destruir negócios e dificultar a vida de indivíduos que dependiam daquela atividade.
Ao contrário do que marxistas e intervencionistas acreditam, o empresário está longe de ser um vilão. A atividade na qual eles se inserem é marcada por incerteza genuína, o que implica que eles deverão correr inúmeros riscos para serem bem-sucedidos e lucrarem. Atuando em um cenário incerto e alocando recursos escassos, falhas podem significar falência e endividamento. Diferentemente de funcionários estatais, que contam com estabilidade relativa, os empreendedores aceitam correr riscos de modo a gerar valor para seus semelhantes, sendo que essa geração de valor está intrinsecamente relacionada à criação e coordenação de recursos. Essas atribuições empreendedoras demandam coragem, disciplina, responsabilidade e inúmeras outras virtudes essenciais. Empreendedorismo sem virtudes e distante do bem é sinônimo de fracasso.
Ao final deste artigo, parabenizo todos os empreendedores que, a exemplo do titã Atlas, são os responsáveis por “carregar o mundo nas costas”. Ainda que sejam frequentemente castigados de diversas formas por instituições estatais e burocratas corruptos, sigam firme em seu propósito enquanto a virtude da resiliência ilumina seu caminho.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Principis. Jandira-SP. 2021.
IORIO, U. J. Ação, tempo e conhecimento: A Escola Austríaca de Economia. Instituto Ludiwg von Mises Brasil. São Paulo. 2011.
SOTO, J. H. DE. La teoría de la eficiencia dinámica. Revista Europea de Economía Política, v. 1, p. 11–71, 2004.