O livro de Machado de Assis “Esaú e Jacó” tem uma passagem que sintetiza muitos fenômenos ainda cotidianos por aqui, principalmente quando se trata da relação de nossa elite com o povo. O ex-diplomata Aires recebe em sua casa o dono da padaria império — o dono da padaria está angustiado com a mudança de regime, pois mandou pintar uma nova placa para seu estabelecimento — suas preocupações o levam até Aires.
Ao que tudo indica o golpe republicano foi bem-sucedido e o padeiro agora não sabe se deixa o nome império na placa ou se vale a pena mandar pintar outra placa e mudar o nome do estabelecimento — a discussão dura alguns minutos, e a mudança de regime sucinta apenas esse tipo de discussão entre os dois.
A queda da monarquia mudaria para sempre a vida política do Brasil, mesmo assim Aires se preocupa apenas em acalmar o padeiro o suficiente para dispensá-lo de sua presença, sem qualquer pergunta mais profunda ou qualquer explicação sobre a revolução em andamento.
Nossa elite tem justamente esse comportamento desde que enviamos para o exílio Dom Pedro II, que era um dos poucos na história da nação que pensou e agiu visando o melhor para o Brasil.
Poderíamos falar sobre como nossa elite é patrimonialista, impediu o desenvolvimento do Brasil — foi omissa diante da ascensão do PT ou outras questões históricas, mas a regulamentação das BETs é um caso mais recente e que salta mais os olhos.
Em um país em que a perspectiva de enriquecimento é cada vez mais remota, há um ambiente de negócios inóspito e a oferta de empregos é precária — principalmente quando se trata de qualidade das vagas.
Simplesmente acharam uma ótima ideia regulamentar jogos de azar quase onipresentes, operados através de aplicativos conectados à internet. O poder executivo regulamentou, mandou para a câmara onde foi aprovada e em tempo recorde teve sua atividade “regulada”. Os setores sociais, financeiros e produtivos sentiram os sintomas do câncer recém manifesto na nação — que começou a reduzir o consumo no varejo, drenar poupanças e reservar economias de famílias em bancos. É difícil definir o absurdo e irresponsabilidade de nossos legisladores, que aceitaram regulamentar um jogo de azar virtual quase onipresente em um país em que o jogo do bicho é ilegal.
Simplesmente regulamentaram, passaram o problema para frente e aguardaram a arrecadação esperada pelo ministério da fazenda — para assim quem sabe conseguir algumas emendas, consequentemente uma reeleição tranquila. Esse é o final feliz na mente do nosso parlamentar — “uma reeleição fácil”, nada que exija muito trabalho, estudo ou mesmo paciência. É o fenômeno do diplomata Aires em grande escala, acalmar os ânimos do populacho para manter sua posição e dispensá-lo assim que possível. Um povo tratado dessa forma está sozinho, a nação que conta com esses políticos está fragmentada — em ruínas, apodrecendo.
Meu caro leitor que me perdoe, foi impossível escapar das palavras de ordem, que na boca desses mesmos políticos não dizem nada, apenas provocam — mas foram essas que poderiam descrever de forma aproximada o estado de nossa nação. Sem uma mudança profunda na mentalidade da população que tem possibilidade de escolher seus líderes, não teremos qualquer mudança substancial no Brasil — sem eleger quadros que se responsabilizem pela nação, que a amem e conheçam de forma paternal, não veremos o Brasil que sonhamos.