No que respeita ao filósofo e teólogo francês Antonin-Dalmace Sertillanges, convém lembrar que já abordamos, em outro artigo, as quatro espécies de leitura. Neste momento, pretende-se trazer à tona a regra primeira do ato de ler, que é fundamental para o redirecionamento da chamada vida intelectual.
A propósito, em sua obra “A vida intelectual”, tão logo inicia o Capítulo VII, intitulado “A preparação do trabalho”, Sertillanges registra a leitura como “o meio universal de aprender”, tendo em vista que “saber ler e utilizar suas leituras é, pois, para o homem de estudo, uma necessidade primordial, e quisera Deus que a inconsistência rotineira pudesse não esquecê-lo nunca!” (SERTILLANGES, 2010, p. 119).
De pronto, deparamo-nos com a seguinte lição: “A primeira regra é esta: leiam pouco” (SERTILLANGES, 2010, p. 119, grifo nosso). Convenhamos que, para quem adota a leitura como instrumento de trabalho e fonte de lazer, essa afirmação soa um tanto quanto estranha, em um primeiro momento. Mas, logo adiante, há o esclarecimento da ideia inicialmente proposta.
Em tom próximo ao apaziguamento, o autor esclarece: “Não estou aconselhando a reduzir a leitura bobamente: tudo o que foi apresentado até aqui contradiria frontalmente tal interpretação. Queremos formar-nos uma mente abrangente, praticar a ciência comparada, manter à nossa frente o horizonte aberto: isso não se dá sem muita leitura. Porém muito e pouco se opõem apenas se considerados dentre de um mesmo campo. Aqui é necessário muito no absoluto, pois a obra é vasta; mas pouco, com relação ao dilúvio de escritos cuja mais ínfima das especialidades basta para abarrotar as bibliotecas e as almas” (SERTILLANGES, 2010, p. 120).
O que Sertillanges (2010, p. 120) realmente nos ensina a evitar “[…] é a paixão de ler, a compulsão, a intoxicação por excesso de nutrição espiritual, a preguiça disfarçada que prefere o contato fácil a qualquer esforço”. Isso porque, segundo o autor francês, “a ‘paixão’ da leitura, da qual muitos se orgulham como de valiosa qualidade intelectual, é na verdade uma tara; ela não difere em nada das demais paixões que dominam a alma, entretêm nela a perturbação, nela lançam e entrecruzam correntes confusas e esgotam-lhe as forças”.
Desses escritos, é possível compreender que o autor não lança as suas advertências no sentido de reduzir quantitativamente as leituras sem a utilização de critérios ponderadamente predefinidos. Como visito, para Sertillanges, a leitura simplesmente apaixonada, por vezes, é responsável por experiências intelectuais pouco significativas para o espírito do homem. Assim, redirecionar a atenção para leituras edificantes é a forma de “ler pouco”, embora a quantidade de obras a serem lidas ainda será imensa e praticamente inesgotável.
Sertillanges (2010, p. 122) arremata: “Deve-se ler inteligentemente, não apaixonadamente”. Este é um dos critérios: “Não ter relacionamentos senão com a elite dos pensadores”. Por isso, é necessário escolher, ou seja, “ler apenas em primeira mão, á onde brilham as ideias mestras. Estas são pouco numerosas”.
Portanto, precisa-se continuamente recordar que “o principal benefício da leitura, pelo menos a das grandes obras, não é, diga-se de passagem, a obtenção de verdades esparsas, é a recrudescência da sabedoria” (SERTILLANGES, 2010, p. 136).
Ler pouco significa voltar a atenção somente para as grandes obras, os livros clássicos, virtuosos e eternos. Essa é uma lição de Sertillanges.
Por: José Bruno Martins Leão.
Referência:
SERTILLANGES, A.-D. A vida intelectual: seu espírito, suas condições, seus métodos. Tradução Lília Ledon da Silva. São Paulo: É Realizações, 2010.