Como bem se sabe, especialmente com base em outros artigos aqui publicados, no Brasil, em tese, não se admite a prática de censura, prévia ou posterior, pública ou privada, uma vez que o país assentou suas bases institucionais nos princípios e fundamentos conformativos do Estado Democrático de Direito a partir da vigência da Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, convém repetir a redação do art. 5º, incisos IV e IX, da Lei Maior:
Art. 5º […]
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; […]
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Na mesma toada, o art. 220, caput e § 2º, da Constituição em vigor assim preceituam:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. […]
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Dito isso, é importante se atentar para uma compreensão interdisciplinar que abrange o fenômeno da censura. Por isso, além de inscrito na Lei Maior e terminantemente vedado no Estado brasileiro, sob o ponto de vista técnico-jurídico, o ato de censura também pode ser objeto de reflexões efetuadas sob perspectivas distintas, como a sociológica, a política e – por que não? – a psicológica.
Sobre a última (perspectiva psicológica), interessa registrar uma contribuição científica relativamente recente, que versa sobre o impacto que a prática da censura provoca no imaginário social em relação à credibilidade atribuída à informação cuja circulação sofrera indevida restrição.
No livro As armas da persuasão, Cialdini (2012, p. 238) explica a teoria da reatância psicológica, desenvolvida pelo psicólogo Jack Brehm, cujo objetivo consiste em explicar como se dá a reação do ser humano ante a possibilidade de diminuição do controle pessoal.
Segundo o psicólogo e professor estadunidense, “sempre que a livre escolha é limitada ou ameaçada, a necessidade de conservar nossas liberdades faz com que as queiramos (à semelhança dos produtos e serviços associados com elas) bem mais do que antes. Portanto, quando a escassez crescente – ou qualquer outra coisa – interferir com nosso acesso anterior a algum item, reagiremos contra a interferência, desejando o item e tentando possuí-lo mais do que antes” (CIALDINI, 2012, p. 238).
Ao aplicar o princípio da escassez no contexto político-social direcionado à análise da censura, Cialdini (2012, p. 245) revela que “a tendência a querer o que foi proibido […] estende-se também às restrições às informações”. Sendo assim, “a descoberta intrigante sobre os efeitos das informações censuradas num público não é o fato de os indivíduos quererem obter as informações mais do que antes. Isso parece natural. O surpreendente é que eles passam a acreditar mais nelas, mesmo sem tê-las recebido”.
Então, vê-se que a censura provoca dois efeitos igualmente intrigantes, a saber: a) desperta e/ou intensifica a vontade de se conhecer as informações então censuradas; e, b) uma vez praticado o ato censurador, os destinatários das informações restringidas conferem maior credibilidade ao conteúdo sobre o qual recaiu o ato censor.
Diante disso, Cialdini (2012, p. 245) adverte os seus leitores para o paradoxo segundo o qual “para essas pessoas – membros de grupos políticos marginais, por exemplo – talvez a estratégia mais eficaz não seja divulgar seus pontos de vista impopulares, mas conseguir que sejam oficialmente censurados e depois divulgar a censura”.
Como exposto acima, verifica-se, pois, que, para determinados agentes, políticos ou não, a censura, embora legal e constitucionalmente nefasta, manifesta uma consequência psicológica positiva em prol daqueles que são censurados, qual seja, as pessoas tendem a acreditar mais nas informações cuja divulgação fora proibida, dada a aplicação – mesmo que involuntária – do efeito da escassez no contexto das estratégias de influência e persuasão social.
É oportuno anotar que este artigo possui uma finalidade bem definida em relação ao esclarecimento e à divulgação do conhecimento jurídico e científico. De qualquer forma, registre-se, aqui, o integral repúdio do autor a toda e qualquer prática que afronte indevidamente a liberdade de expressão e, por consequência, configure atos de censura.
Referências:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB): promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 30 nov. 2022.
CIALDINI, Robert. B. As armas da persuasão. Tradução de Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Sextante, 2012.