Durante muitos anos de labuta nas salas de aula, meus alunos me perguntavam por que o 21 de abril é feriado e 22 de abril, não? Qual é o critério para se escolher um fato histórico ou comemorativo ou religioso para se tornar feriado? Essas questões sempre me levaram a pensar sobre tais datas, por exemplo, o feriado estadual de 23 de abril, no Rio de Janeiro. Mesmo sabendo do grande fervor católico-umbandista sobre São Jorge/Ogum, minha dúvida se pauta na forma como o feriado foi determinado, através da Lei nº 5198, de 05 de março de 2008, de autoria do então Deputado Jorge Babu. E por quê? Por ser umbandista e devoto de São Jorge, motivo a nosso ver, pequeno para tornar o dia, um feriado estadual, assim como outros que critico, mas, que ficarão fora desta matéria para não aumentar a polêmica.
O Dia 22 de abril marca o nascimento do Brasil, desde a assinatura do Tratado de Tordesilhas entre Portugal e Espanha, mesmo com a antecipada visita de Vicente Yañez Pinzón, meses antes (em janeiro de 1500, ele navegou até a marca do tratado de Tordesilhas, na foz do Amazonas), o dia 22 de abril marca do nascimento de nossa terra. Só esse fato já seria o necessário para garantir a celebração. Porém, com a “Execução de Tiradentes” em 21 de abril de 1792, essa data acabou sendo consagrada como feriado pelo governo recém-efetivado da república, no Brasil, através do decreto nº 155-B, de 14 de janeiro de 1890, reafirmado como feriado por meio de leis emitidas em 1933 e 1949, sendo soterrado o Descobrimento do Brasil em 1930, quando Getúlio Vargas eliminou o feriado de 22 de abril, mantendo vivo o de Tiradentes.
Mas, por que esta data passou a ser mais importante que o nascimento de nossa terra? Independentemente da questão referente a descoberta, tomada de posse, usurpação da terra ou outra denominação dada ao fato, o importante, efetivamente, era que ali se descortinava o início do Brasil como terra conhecida e que evoluiria até nossos tempos atuais. Vamos tentar entender um pouco o que ocorreu de verdade nas terras da Vila Rica/Ouro Preto e sobre o questionamento do 21 de abril.
A Inconfidência ou Conjuração Mineira, foi um movimento de caráter separatista, republicano e nativista, sim, pois, não se falava da separação do Brasil de Portugal, mas, das Minas Gerais e sua região aurífera das garras da metrópole lusitana. Na verdade era um movimento oligárquico de devedores da coroa com base nos valores que a região deveria fornecer a Portugal em ouro. Com a exaustão da terra, seria lógico que a produção de ouro decaísse. Decorre dessa situação Portugal decretar a Derrama, que seria a cobrança forçada dos impostos do Quinto da população da região aurífera.
Observe-se que não se cobravam taxas como essa nas províncias de São Vicente, Pernambuco, Rio de Janeiro, nas regiões canavieiras de Olinda e Recife, nem em Salvador, que será palco mais tarde da Conjuração Baiana, no dia 12 de agosto de 1798, data que os baianos foram surpreendidos com manifestos manuscritos afixados nas paredes e muros das casas, igrejas e lugares públicos de Salvador, onde era anunciada a chegada da liberdade e da revolução.
“Animai-vos, Povo Bahiense, que está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade: o tempo em que todos seremos iguais”, apregoava um dos manifestos. Noutro boletim lia-se: “Aviso ao Clero e ao Povo Bahiense”, que trazia o programa da revolução: “igualdade de todos perante a lei, independência da capitania, Proclamação da República Bahiense, abolição da escravidão, liberdade de comércio, aumento do soldo da tropa e protestos contra os altos tributos.”
A Conjuração Mineira tinha como objetivo questões quase semelhantes: Romper com Portugal e adotar um regime republicano (a capital seria São João del Rei); criar indústrias; fundar uma universidade em Vila Rica; acabar com o monopólio comercial português; adotar o serviço militar obrigatório; instituir parlamentos locais que seriam subordinados a um parlamento regional. Porém, libertar os escravos não era um dos pontos defendidos pelos inconfidentes, visto que a escravidão era a força motriz como mão de obra para a mineração. Ou seja, a Inconfidência Mineira queria apenas livrar as costas dos ricos mineradores e donos de escravos das pesadas dívidas que o Quinto impunha à região e a eles.
Seus maiores interesses eram apenas o de desamarrar a coleira colonialista de seus pescoços, visto que uma das outras prerrogativas levantadas pelos insurgentes era o perdão de todas as dívidas existentes aos devedores da região, não do Brasil, mas apenas da região, que se lograsse êxito e tivesse se efetivado, em 1822 o Brasil seria um país independente, com um outro país encravado em meio a seu território.
Com relação a Tiradentes, o Historiador brasileiro José Capistrano Honório de Abreu em seu livro – Capítulos da História Colonial- não escreve uma linha sequer sobre a Inconfidência Mineira, por não a achar importante. Hélio Vianna em seu livro – História do Brasil, tomo I – a partir da página 355, discorre sobre o movimento, apontando como o iniciante da ideia do levante o jovem José Álvares Maciel que acaba por influenciar Francisco Paula Freire de Andrade, Tenente-Coronel do Regimento dos Dragões em Ouro preto, o segundo em comando na região e não Tiradentes.
Já no livro – 1789 – A Inconfidência Mineira e a Vida Cotidiana de Minas do Século XVIII – de José Martinho, conta que Tiradentes, ao se decepcionar com a mineração e sua carreira militar, visto que nunca era promovido, ficando preso ao posto de Alferes (algo do tipo subtenente), parte para o Rio de Janeiro, onde buscava levar às autoridades, um estudo sobre a canalização de rios (no caso o Maracanã e Andaraí) para captação me abastecimento de água para a cidade, fato que foi descartado, e somente efetivado o projeto por ordem de D. João VI, anos depois. Lá acabou encontrando-se com o jovem estudante José Álvares Maciel, que apaixonado pela luta de liberdade norte-americana e os ideais da Revolução Francesa, pregava que algo parecido poderia ocorrer no Brasil.
Não estamos aqui minimizando o fato histórico – Inconfidência Mineira, mas questionando o motivo de ter sido dado a este fato mais relevância que a chegada dos europeus ao nosso país, fundando o Brasil.
Há um outro agravante: a necessidade da nascente República brasileira de obter seus próprios heróis, visto que todos existentes até então eram ligados a lutas e revoltas do período Colonial ou eram nomes ligados à Monarquia, como Caxias, Tamandaré, D. Pedro I, D. Leopoldina, José Bonifácio. Havia a necessidade de se impor um nome “republicano” para que pudesse ser exaltado pelo novo regime e tentar abafar a Monarquia. Por todas essas razões, o decreto nº 155-B, de 14 de janeiro de 1890, foi baixado, instituindo o 21 de abril como feriado para enaltecer a República.
Outras controvérsias são levantadas sobre o fato, por vários livros de história da época como já citado, que beiram do descaso à informação sobre o referido movimento, porém, levantamos a hipótese sobre a liderança de Tiradentes no movimento. É inegável que ele foi o maior divulgador do movimento, fora de Vila Rica/Ouro Preto, levando a ideia do levante à província do Rio de Janeiro, capital da colônia na época.
Seria importante se tal movimento tomasse força também no Rio, visto ser a saída para o mar de Minas Gerais. Lembremos que todo ouro oriundo da região aurífera antes de 1763 saía pelo porto de Salvador, e depois passou a ser enviado a Portugal via região de Parati e Rio de Janeiro. Ter a sede do governo como parte do movimento seria importantíssimo, mas, Joaquim José da Silva Xavier não logrou êxito em suas andanças no Rio, o que o deixou muito decepcionado.
Conta a lenda ainda que, antes de partir para o Rio de janeiro, em 1787, Tiradentes havia se casado com Antônia Maria do Espírito Santo, visto que a havia engravidado. Filha de uma viúva de Ouro Preto, encantou-se pelo mulherengo, nascendo daí sua filha Joaquina da Silva Xavier, com quem Tiradentes não teve quase nenhum contato, visto que em sua ida para o Rio de Janeiro, permaneceu nesta cidade por um ano e meio. Ao retornar a Vila Rica/Ouro Preto, soube que, decepcionada com o abandono do marido, Antônia Maria, havia se entregue a outros homens, surgindo daí a situação de “cornitude” de Tiradentes, o que levou a aumentar ainda mais a sua raiva contra o governo português.
Tiradentes foi na verdade um porta-voz, um divulgador do movimento, não um líder, e até hoje se questiona quem seria a real liderança do movimento. Como já citado, conhecemos apenas seu idealizador, o jovem Maciel.
Com relação à prisão e condenação dos conjurados, existe realmente toda a documentação, duas Devassas, uma feita pelo vice-rei Dom Luís de Vasconcelos e Souza e outra por Luís Antônio Furtado de Castro do Rio de Mendonça, o Visconde de Barbacena, esta última mais branda, buscando aliviar as penas dos conjurados com quem tinha amizade. Nos dois casos, Tiradentes passa a ser considerado o líder da revolta, por ter sido o maior divulgador, aquele que buscou na Capital pessoas, armas, meios de aumentar os membros da conjuração.
Seria a Derrama – cobrança de impostos atrasados, o ponto alto do levante, porém, alertado por três membros do movimento, sendo Joaquim Silvério dos Reis o primeiro, Barbacena suspende a cobrança e lança sobre os envolvidos o peso da lei. Mesmo assim, alguns conjurados não foram presos de imediato. Tiradentes foi perseguido no Rio de Janeiro, Silvério dos Reis conseguiu descobrir seu paradeiro sem que Tiradentes soubesse da denúncia feita por ele e assim é preso em 1789. Claudio Manoel da Costa, encontrado morto, logo após ser preso, tem indícios escritos de que não se suicidou, mas foi executado, conforme descreve José Martinho em seu livro.
Chegamos ao ponto crucial do episódio, a condenação e execução. De 20 de maio de 1789 até 19 de abril de 1782, vamos observar os presos sendo mantidos em condições terríveis nos cárceres do Rio de Janeiro, para onde todos os inconfidentes foram levados.
Começamos então com as questões polêmicas dos fatos. Cabelos – Nenhum preso era mantido em cárcere, cabeludo e barbudo, para evitar a propagação de piolhos ou outros inconvenientes. Logo, a figura “Crística” de Tiradentes é algo questionável, e que Aleijadinho aproveitou muito bem em sua obra, “Os Passos da Paixão” retratando em Congonhas do Campo, por 66 figuras distribuídas em seis capelas, onde Cristo é retratado com uma corda no pescoço e os soldados romanos usando vestes das cores da bandeira portuguesa e calçando botas, o que não condiz com a realidade da veste dos soldados romanos da época de Cristo.
Segundo Guilherme de Andréa Frota em seu livro – Uma visão panorâmica da História do Brasil -em sua página 138, retrata Tiradentes como alguém com “corpo forte, estatura elevada e cabelos alourados.”, o que contrasta com a imagem a óleo feita por Watsh Rodrigues – Tiradentes – do acervo do Museu Histórico Nacional, onde mostra uma figura de cabelos negros, bem como, na pintura de Pedro Américo que o mostra com cabelos arruivados. Demonstrando que a própria figura de Tiradentes não possuía uma identidade que pudesse ser retratada com fidelidade, mas, apenas com traços ditos normais para um homem daquele tempo.
Outro fato marcante, descrito, é a condenação de Tiradentes, sendo o único a ser sentenciado à forca e ao esquartejamento, sendo que, segundo o Historiador Kenneth Maxwell em seu livro – A Devassa da Devassa – apresenta uma carta-régia datada de 15 de outubro de 1790, onde todos os envolvidos tiveram trocadas suas penas de execução para degredo, exceto Tiradentes, por se encaixar na tratativa da manutenção da pena para aqueles que tivessem “participado de reuniões secretas, proferido discursos, práticas e declamações sediciosas, em público ou em particular”, porém, não era só Tiradentes que havia participado das reuniões secretas, feito práticas e declamações sediciosas. O que gera uma certa controvérsia a esta única condenação, iniciando aí uma “narrativa” dentro de nossa história para, talvez, dar ares de ser o único mártir do movimento, mesmo não sendo. Havendo também o fato de que em 22 de abril chegaria uma carta comutando a pena de Tiradentes também para degredo.
É neste ponto que surgem as teorias de que ele havia sido trocado por outro preso, visto que ao ser apresentada a comutação da pena em 20 de abril para todos os inconfidentes, todos os demais haviam saído do local dando glórias e vivas a Rainha D. Marias I, apenas Tiradentes teria ficado no local da divulgação da Carta-Régia. Conta José Martinho em seu livro, que o Vice-rei Conde de Resende, mandou que as sacadas, janelas e fachadas das casas fossem decoradas, por conta da festividade da benevolência da Rainha Maria I para com os condenados à morte e que haviam sido perdoados, fazendo com que a festividade acobertasse a referida execução de Tiradentes.
Em 21 de abril, é descrito que Tiradentes se confessou com o frei Penaforte, depois, é barbeado e tem seus pêlos totalmente raspados na barba e cabeça, é vestido com a Alva (camisolão branco), o carrasco Capitânia, lhe amarra os pulsos, cobre sua cabeça com um capuz, e ninguém vê seu rosto no caminho até o cadafalso. Lá chegando, é retirado o capuz e a parte superior de seu rosto é coberto com um lenço, o que dificulta, mais uma vez, o seu reconhecimento, então, é enforcado e para terminar logo a execução, após o condenado cair no cadafalso, Capitânia sobe-lhe sobre os ombros, encerrando assim de vez sua execução.
O corpo do enforcado ainda fica por duas horas pendurado, enquanto a população que havia ido presenciar a execução se dispersava. O Corpo do morto é levado para a Casa do Trem (atual Museu Histórico Nacional) onde é esquartejado, salgado e enrolado para o transporte das partes a serem expostas nos locais determinados, assim com sua cabeça, que iria para Ouro Preto.
Ficam aí as perguntas: Por que a cabeça some? Evitando seu reconhecimento pelos que o conheciam em Vila Rica/Ouro Preto? De onde surge então o nome de Isidro de Gouveia, um criminoso condenado à forca, que teria substituído Tiradentes na execução, em troca de favores financeiros que garantiria o sustento de sua família? Fato apresentado por historiadores não convencidos da morte do mineiro Tiradentes, além desse fato também foi levantado pelo Historiador Carioca Marcos Antônio Correia, através de exame grafoscópico em assinatura encontrada no livro da Assembleia Nacional Francesa, em 1793, que a assinatura por ele encontrada mesmo estando grafado com o nome Antônio Xavier da Silva, a grafia era precisamente igual a de Joaquim José da Silva Xavier. Lembrando que, apenas em oposição de lugares, Xavier e Silva, grafados por uma mesma mão através de exame de grafoscopia, é quase certo de poder ser comparado e atestado ser da mesma pessoa, fato que abunda nos autos jurídicos, quando se faz necessário o auxílio de um Perito Grafotécnico para avaliação de algum tipo de escrita.
O que relatamos aqui neste texto são fatos apresentados em livros e pesquisas, que demonstram ser a figura de Tiradentes um participante da Conjuração Mineira, mas, tendo sua posição de “Líder” colocada em dúvida. Sua morte, supostamente questionável, assim como a importância do movimento a nível nacional, deixa muito a questionar se ela na verdade não possui muito mais um caráter regional, mineiro, que este caráter nacional, vemos nisto, ser clara a intenção de focar a figura de Tiradentes como um mártir nacional, republicano.
O “mito” acabou respingando até em Tancredo Neves, que teve sua morte oficial decretada em 21 de abril de 1985, uma coincidência estranha, visto ser ele alguém que representava a um nome a representar a liberdade do brasil de um sistema tratado como opressor, o Regime Militar, comparando-o à metrópole portuguesa. Observamos a clara intenção que foi dar a ele o ar de mártir da Nova República, o mesmo ocorrido com seu conterrâneo inconfidente.
Sabemos apenas que no Brasil, a história sofre de NARRATIVAS que interessem aos que estiverem e deterem o poder. Formalizando não uma história real, mas uma narrativa tendenciosa.
E assim caminham os feriados.
Luiz Gustavo dos Santos Chrispino
Historiador, Jornalista, Professor.
Fontes Bibliográficas
– ABREU, João Capistrano de. Capítulos da História Colonial (1500 – 1800). Ed. Civilização Brasileira, 6ª Edição, 1976, Rio de Janeiro.
– FROTA, Guilherme de Andréa. Uma visão Panorâmica da História do Brasil – Ed. Rio de Janeiro, 5ª Edição, 1983, Rio de Janeiro.
– MARTINO, José Antônio. 1789 – A Inconfidência Mineira e a Vida Cotidiana nas Minas do Século XVIII. Excalibur Editora, 1ª Edição, Ceará.
– MAXWELL, Kenneth. A Devassa da Devassa – Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal 1750-1808. Ed. Paz e Terra, 5ª Edição, 2001, São Paulo.
– VIANNA, Hélio. História do Brasil – Tomo I. Edições Melhoramento, 1961, São Paulo.
Sinceramente, vai chegar um tempo em que todos os dias serão feriado. Por mim, deveríamos mudar o modo de pensar um “feriado”. Na antiguidade havia uma grande festa quando da época da colheita. Não consigo imaginar uma época mais festiva e feliz. Agora ficar fazendo feriado atrás de feriado por coisas que não são importantes cheira a politicagem e controle social.