Apesar das quedas do muro de Berlim e da União Soviética e, recentemente, o rompimento da hegemonia política peronista na Argentina com a eleição de Javier Milei para a presidência da República – para citar apenas três exemplos cronologicamente coerentes entre si – o Brasil ainda vive uma realidade socioeconômica, cultural e intelectual degenerada pela influência de uma intelligentsia que, por meio da censura e da mais vil e simples ocultação oportunista, tem privado várias gerações de estudantes brasileiros de sequer tomarem conhecimento da existência de uma bibliografia liberal-conservadora que, inequivocamente, faria o totem ideológico-revolucionário do PT desmoronar, caso fosse acessível às massas. A má notícia é que é na universidade (unilateral) que se “educa” a classe política, configurando-se aí como a raiz do problema.
O embate frontal de ideias é o pior pesadelo da esquerda, pois “o marxismo se revela antes um idealismo subjetivista, no sentido estrito e quase fichteano, com a única diferença de que tem como sujeito não o indivíduo, mas a humanidade histórica, diante de cuja práxis o universo natural — a “matéria” — perde toda substancialidade para se reduzir a mera matéria-prima da ação humana, rebaixando-se a natureza ao estatuto de ancilla indústriae. É este seu caráter de idealismo subjetivista coletivo que dá ao marxismo o seu tremendo poder ilusionista que embriaga e perverte, e da qual mesmo homens de elevada inteligência às vezes se deixam contaminar”, como brilhantemente escreveu Olavo de Carvalho. Artigos como este, propõem-se a agir como um antídoto à embriaguez imbecilizante do esquerdismo como ideia e ideal.
“O que exatamente queremos dizer com o termo “comunismo”? Devemos fazer uma distinção entre a doutrina do comunismo e sua prática. Como filosofia política, o comunismo existe há séculos, até milênios. Não foi Platão que na sua “República” introduziu o conceito de cidade ideal, na qual as pessoas não seriam corrompidas pelo dinheiro e pelo poder e em que a sabedoria, razão, e a justiça prevaleceria? E considere o estudioso e estadista, senhor Thomas More, chanceler da Inglaterra em 1530, autor de “Utopia”, […]A Filosofia Utópica pode ter o seu lugar como técnica de avaliação da sociedade. [A Filosofia Utópica] retira o seu sustento das ideias, a força vital das democracias do mundo. Contudo, O comunismo é totalmente real; existiu em momentos-chave de história e, em particular, de países, trazidos à vida por seus líderes infames – Vladimir Ilich Lenin, Josef Stalin, Mao Zedong, Ho Chi Minh, Fidel Castro, e, na França, por Maurice Thorez, Jacques Duclos e Georges Marchais. Independentemente do papel que as doutrinas comunistas teóricas possam ter desempenhado na prática do comunismo real antes de 1917, foi o comunismo de carne e osso que impôs repressão, culminando num reinado de terror patrocinado pelo Estado.”
Este excerto do “Black Book of Communism” é certeiro: O modus pensanti comunista, desde suas primeiras incepções intelectuais até a vasta produção acumula danos dias atuais, passou por incontáveis modificações e “revisionismos” –como se dizia nos círculos do Comintern durante os anos da Cortina de Ferro –ao longo dos anos, muitas vezes transmutando-se em seu extremo o posto teorético, porém ,revelando-se continuamente falho, ineficaz, truculento –desde a violência física propriamente dita, à fome, até a degeneração psicológica de suas vítimas, como notamos na obra de psicanalistas como Erich Fromm –e totalitário ao longo de toda a história. Válido aqui repetir o questionamento do saudoso Professor Olavo de Carvalho: “Estas ideias vêm sendo revistas por séculos, e nunca funcionaram! Você ainda espera que eu acredite em tais ideias, que nunca, na história inteira, deram certo, uma vez sequer?” No entanto, há quem ainda acredite.
Como brilhantemente notou Roger Scruton, nem mesmo os próprios renomados teóricos marxistas jamais acreditaram em suas engenhosas, porém irrealizáveis, maquinarias mentais: “Não é a verdade do marxismo que explica a vontade dos intelectuais de acreditar nele, mas o poder que ele confere aos intelectuais, nas suas tentativas de controlar o mundo. E uma vez que, como diz Swift, é inútil argumentar com alguém contra algo no qual ele não acredita realmente, podemos concluir que o marxismo deve o seu notável poder de sobreviver a todas as críticas ao faco de não ser um movimento orientado para a verdade, mas um sistema de pensamento dirigido pelo poder”.
O comunismo é a ideologia que mais se modificou ao longo dos séculos. Karl Marx jurou que a revolução seria o ápice da civilização humana, e que os proletários seriam os “ungidos” responsáveis pela “redenção da humanidade.
Antônio Gramsci disse que a agressão armada não era o caminho, e que a revolução deveria acontecer por meio do domínio sobre a mídia e canais culturais.
A Escola de Frankfurt discordou de Marx, e disse que o proletariado jamais deixaria de ser conservador, portanto, caberia ao lumpemproletariado (banditismo) se incumbir da revolução.
Richard Rorty discordou de Gramsci, e disse que o ativismo judicial é que deveria impor um conjunto de leis revolucionárias, e que a sociedade civil eventualmente se renderia ao novo estamento político-jurídico.
John Maynard Keynes discordou de Lênin e disse que a completa abolição do Estado seria inviável, e que o correto seria cooptar o grande capital como auxiliar na centralização do poder da elite política.
“O pensamento traz consigo a escolha dos meios que são posteriormente, um após o outro, realizados pela ação, [sendo esta] conduzida pela inteligência que julga o objetivo bom em si mesmo, o contempla e deseja. Nenhum filósofo antes de Anaxágoras percebeu que a beleza e a ordem do Cosmos indicam uma inteligência organizacional, do mesmo tipo que uma obra de arte da inteligência humana”, escreveu o estudioso da filosofia Aristotélica Franz Brentano, e é precisamente esta inteligência de ordem superior “a fundação de nossa compreensão humana, compartilhada e disponível publicamente, dentro da qual a linguagem é a mais importante”, como pontuou Roger Scruton. Existe algo na história do comunismo –além da pura teoria utópica –que se possa considerar oriundo de uma “ordem superior” que respeita a condição humana e o Cosmos cognoscível? Nem precisam responder.
É precisamente a subversão da linguagem –tema recorrente em meus textos –por meio do domínio sobre a mídia, a política e a educação, que grupos revolucionários buscam corromper esta “inteligência de ordem superior” –inerente a todos os seres humanos –e substituí-la por uma miríade de cacoetes mentais, entorpecentes intelectuais, que chamam de ideologia. Afinal, como notou Eugen Rosenstock-Huessy, “Guerra, crise, revolução e degeneração são doenças assimétricas do mesmo corpo: a linguagem. A linguagem que não se fala em todo e qualquer lugar resulta em guerra. A linguagem que não se fala em todos os caminhos obrigatórios da vida resulta em crise. A linguagem que não se falou ontem termina em revolução. A linguagem que não se pode falar no dia de amanhã traz a decadência”, e” tão longe estava o mundo da perfeição[utópica]a que aspiravam, que não viram outro meio de alcançar o seu ideal num prazo aceitável senão pela violência e por uma anarquia ainda mais completa do que aquela contra a qual reagiam”, como escreveu Olavo de Carvalho no livro “A Fórmula Para Enlouquecer o Mundo”.
O mundo pode ter evoluído em diversas áreas de atuação humana, como a tecnologia e a medicina. Mas saibam, caros(as) leitores(as), os métodos de dissuasão e imobilização intelectual das esquerdas revolucionárias ao redor do mundo continuam exatamente os mesmos de séculos atrás.
Possivelmente, a definição mais primorosa do intelecto elevado face à inteligência corrompida seja a de Santo Agostinho:
“O mau é atormentado de temores, consumido de desgostos, arde em cobiça, nunca seguro, sempre inquieto, ofegante em perpétuos conflitos de inimizade, aumentando sem dúvida o seu patrimônio sem limite à custa destas misérias, mas àqueles aumentos juntando também amaríssimos cuidados. O sábio, porém, está satisfeito com o seu patrimônio familiar, é dos seus muito querido, goza da mais doce paz com os parentes, vizinhos e amigos, é piedosamente religioso e dotado de grande afabilidade, tradicionalista nos costumes, sereno de consciência”.
Basta analisar a história, para notarmos que a diferença entre os comunistas e conservadores foi percebida por Santo Agostinho, séculos antes de tais termos obterem a conotação política que possuem hoje. Afinal de contas, nenhum político conservador, em toda a história, jamais matou seus inimigos. Stalin matou seu próprio aliado, Trotsky, a golpes de machadinha. Prefiro acreditar nas palavras de Agostinho, e não nas de Lênin, portanto.
Sim, pode-se argumentar que “o mundo mudou muito” desde os escritos Agostinianos. Mas, alguns aspectos da existência terrestre jamais poderão ser modificados, não importa quantos milênios se passem: As Leis Divinas, e a natureza humana.
Referências:
HUXLEY, Aldous. Ape and Essence. London: Chatto & Windus, 1960. (Pg. 93)
CARVALHO, Olavo. O Jardim das Aflições. Campinas: Vide Editorial, 2015. (Pg.108)
COURTOIS, Stéphane. WERTH, Nicolas. PANNE, Jean-Louis. PACZKOWSKl, Andrzej. BARTOSEK, Karel.
MARGOLIN, Jean-Louis. The Black Book of Communism. London: Harvard University Press, 1999. (Pg. 23)
SCRUTON, Roger. A Political Philosophy; Arguments for Conservatism. London: Bloomsbury Continuum, 2019. (Pg. 149)
BRENTANO, Franz. Aristotle And His World View. Los Angeles: University of California Press, 1978.(Pg. 58)
SCRUTON, Roger. Sexual Desire. London: Weidenfeld & Nicolson,1986. (Pg.83)
ROSENSTOCK-HUESSY, Eugen. As Origens da Linguagem. Rio de Janeiro: Record, 2002. (Pg. 147)
AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. (Pgs. 381–382)