Um homem, um voto? O mito de uma representatividade democrática.
A regra de ouro que dá respaldo a democracia, na qual cada indivíduo vale um voto. A partir dessa regra todos eram considerados iguais e com o mesmo direito de voto, não importando de onde vieram, qual seu status financeiro ou político.
Com essa regra, a democracia foi possível, tendo por base que todo indivíduo tem o mesmo valor quando se trata de decisões políticas. Contudo, será que isso funciona no Brasil? Podemos dizer com a maior tranquilidade, NÃO! No Brasil, a regra um homem um voto não tem valor para todas as decisões políticas.
Para tanto vamos analisar apenas duas decisões políticas, pois são apenas duas que dizem respeito a toda nação brasileira que não seguem a regra, sendo uma para a câmara dos deputados e a outra para o senado federal. Os outros cargos políticos dizem respeito apenas a questões locais e que, ainda que haja disparidade na quantidade representativa, esta representatividade não terá relevância em âmbito nacional, que são as assembleias estaduais e municipais.
Câmara dos deputados
Deputados por região:
SUL: 77
SUDESTE: 179
CENTRO OESTE: 41
NORDESTE: 151
NORTE: 65
População por região
SUL: 29.933.315
SUDESTE: 84.847.187
CENTRO OESTE: 16.287.809
NORDESTE: 54.644.582
NORTE: 17.349.619
Habitantes por deputado federal
SUL: 388.744
SUDESTE: 474.006
CENTRO OESTE: 397.263
NORDESTE: 361.884
NORTE: 266.917
A representatividade na câmara dos deputados é algo que não segue a regra de um homem, um voto. A representatividade de um deputado federal no sudeste é equivalente a 474.006 habitantes, enquanto a de um deputado no norte é de 266.917 habitantes, ou seja, os indivíduos do sudeste são os menos representados no Brasil, enquanto o do norte são os mais representados. Por outra perspectiva podemos dizer que, cada habitante do sudeste equivale a 0,56 de um habitante do norte, quando se trata da capacidade de eleger um deputado federal.
Desta forma, é fácil perceber que há uma relação estranha de que quanto menor a população, maior será a representatividade que ela terá. Entretanto, antes de aprofundarmo-nos neste argumento, vamos analisar as métricas para o senado federal, onde as coisas ficam muito mais “interessantes”.
Senado Federal
Como o número de senadores é fixo, apontarei diretamente a quantidade de senadores por habitante no respectivo estado.
População do estado / senador por habitante
São Paulo – 44.420.459 habitantes / 14.806.819
Minas Gerais – 20.538.718 habitantes / 6.846.239
Rio de Janeiro – 16.054.524 habitantes / 5.351.508
Bahia – 14.136.417 habitantes / 4.712.139
Paraná – 11.443.208 habitantes / 3.814.402
Rio Grande do Sul – 10.880.506 habitantes / 3.626.835
Pernambuco – 9.058.155 habitantes / 3.019.385
Ceará – 8.791.688 habitantes / 2.930.562
Pará – 8.116.132 habitantes / 2.705.377
Santa Catarina – 7.609.601 habitantes / 2.536.533
Goiás – 7.055.228 habitantes / 2.351.742
Maranhão – 6.775.152 habitantes / 2.258.384
Paraíba – 3.974.495 habitantes / 1.324.831
Amazonas – 3.941.175 habitantes / 1.313.725
Espírito Santo – 3.833.486 habitantes / 1.277.828
Mato Grosso – 3.658.813 habitantes / 1.219.604
Rio Grande do Norte – 3.302.406 habitantes / 1.100.802
Piauí – 3.269.200 habitantes / 1.089.733
Alagoas – 3.127.511 habitantes / 1.042.503
Distrito Federal – 2.817.068 habitantes / 939.022
Mato Grosso do Sul – 2.756.700 habitantes / 918.900
Sergipe – 2.209.558 habitantes / 736.519
Rondônia – 1.581.016 habitantes / 527.005
Tocantins – 1.511.459 habitantes / 503.819
Acre – 830.026 habitantes / 276.675
Amapá – 733.508 habitantes / 244.502
Roraima – 636.303 habitantes / 212.101
Cada estado possui 3 senadores, logo é possível ver o tamanho da desproporcionalidade gerada. Um homem, um voto? Eu acho que não! O que temos é uma forma de controle político pelos estados menos populosos, que recebem mais assistencialismo. A intenção deste artigo não é causar qualquer tipo de animosidade entre estados e regiões, mas apenas demonstrar que o sistema democrático, no Brasil, não é tão democrático quanto aparenta ser.
Se formos dividir por regiões, é possível chegar a um número onde um indivíduo no sudeste, quando representado no nordeste, equivale a quase 4 vezes menos. No nordeste, cada senador representa 2.023.873 de habitantes, enquanto no sudeste 7.070.598 são representadas por um senador. Quanto mais pessoas um senador representa, menor é a representatividade da região, pois que são necessárias mais vozes para ter a mesma capacidade de representatividade que uma região com menor população.
A regra um homem, um voto, é uma mentira. Quando se trata de eleições a nível nacional, referentes ao congresso nacional, os estados com menor população são aqueles que possuem a maior representatividade. Na câmara dos deputados, a maioria da representatividade é relativa à proporção menores de habitantes, enquanto no senado, é tanto relativa quanto absoluta, em questão das menores populações.
Unidades federativas não são indivíduos
Muitos vão argumentar que os senadores são para representar os estados e que, portanto, é desta forma que deveria ocorrer. Acontece que os estados são personalidades jurídicas de direito público, e nada mais. Sem um povo não existe qualquer estado, será apenas uma mera demarcação de terra. É imprescindível que haja um povo para que este possa escolher seus representantes e, sendo assim, é por óbvio necessário de uma forma proporcional de igualdade na representação.
Tal crítica se faz necessária porque há uma grande disparidade na visão econômica que se tem no sul, sudeste e centro oeste, em contrapartida com aquela que vige no norte e nordeste. E não apenas isso, mas questões éticas, morais e culturais. Aceitar um senado que seja constituído majoritariamente por uma minoria de pessoas, apenas por possuir maior número de estados, é impor a vontade de poucos sobre muitos, o que é diametralmente avesso a aquilo que diz a democracia.
Que fique claro, tenho severas críticas ao poder que a democracia tem para esmagar os indivíduos, mas não é dando mais poder a determinada entidade federativa que isso irá mudar. Caso haja a intenção de preservar o indivíduo, é necessário reconhecê-lo e dá-lo liberdade de existir, por meio dos três direitos naturais: liberdade, vida e propriedade.
Podemos afirmar, sem medo, que 71.994.201 de habitantes, referentes a região norte e nordeste tem a capacidade de controlar o congresso, enquanto os demais 131.068.311 de habitantes das demais regiões, ficam reféns das escolhas feitas por aquelas regiões.
O apontamento aqui não é tanto pela questão de qual região tem mais ou menos poder eleitoral, isso seria errado se o inverso fosse oque ocorresse. Ou todos tem o mesmo direito de tentar influenciar as eleições, ou não podemos falar em democracia. Falar-se-á de um sistema qualquer, mas não da democracia.
O fato de uma lei dizer que é assim que o sistema “democrático” funciona não muda a realidade de que não é uma democracia. O nome dado a algo não altera sua substância, água será água ainda que chamada de fogo.
Um sistema justo e realmente democrático aproximaria tanto quanto possível da regra “um homem, um voto”, ainda que não seja possível chegar a perfeição, mas que existe, sim, a possibilidade de igualar o pode de voto de todos os cidadãos do Brasil. Tal medida poderia ser feita por uma regra de proporcionalidade máxima de representatividade. Por exemplo, seria possível fixar um senador para cada 500 mil habitantes, dessa forma, nenhum estado seria mais representado do que outro em proporção populacional. Da mesma forma que poderia ocorrer com a câmara dos deputados, onde a cada, 300 mil habitantes desse lugar a mais um deputado federal.
A regra de fixação de senadores por estado e deputados federais estipulados com padrões mínimos e máximos de habitantes, apenas beneficia os estados com pouca população, que acabam sendo muito representados, enquanto os estados mais populosos tem menos representatividade.
Portanto, para que possamos dizer que a regra “um homem, um voto” é existente, seria necessário alterar a forma proporcional de representação por parlamentar eleito para o congresso nacional, nivelando com quantidades populacionais de forma que todos os estados tenham tantos parlamentares quanto sua população lhes der direito.
- é notório que isso poderia gerar um aumento no número de parlamentares do congresso nacional caso os números fossem fixados para a representatividade fossem baixos, contudo, haveria uma melhor distribuição nacional da representatividade de cada estado e suas respectivas regiões, igualando o poderio político dentro do congresso nacional.
Fonte para os dados demográficos:
Censo 2022: Brasil tem 203 milhões de habitantes, 4,7 milhões a menos que estimativa do IBGE | Censo | G1 (globo.com)