República Federativa do Brasil, essa designação tem a capacidade de afirmar que o Brasil é realmente uma Federação?
Como está expresso no artigo 1° da carta Magna, tanto quanto no parágrafo § 4° do artigo 60 quando diz que a forma federativa do Estado jamais poderá ser abolida, será que é o suficiente?
Ainda, a Constituição Federal aduz como se dará a forma de descentralização, por auto-organização dos Estados membros, artigo 25 CF/88, capacidade tributária, artigo 151 CF/88, autogoverno, artigos 27, 28 e 125 CF/88, autoadministração e auto legislação, artigos 18 e 25 a 28 CF/88, essa separação é competente para dar aparência de federação?
Se formos levar em consideração a necessidade de um poder descentralizado e da aplicação do princípio da subsidiariedade, descrito por Alexis Tocqueville, podemos afirmar, sem a menor hesitação, que o Brasil não é uma federação de verdade.
- Pelo princípio da Subsidiariedade, tudo o que possa ser feito, e bem pela organização inferior, ou seja, o indivíduo, não pode ser subtraído pela organização superior, sendo a princípio a família, depois a comunidade, a cidade, o estado e por último o país. Trata-se de uma hierarquia que funciona de baixo para cima, e não de cima para baixo.
A única coisa que poderíamos dizer que se aproxima de um pacto federativo nos moldes originais, os quais visavam garantir a liberdade e a autonomia do povo, é a divisão interna, que em tese, mas não de fato, dá autonomia para os estados-membros.
A forma federativa de constituição do estado, funda-se na necessidade de limitar o poder do estado, visando fragmentá-lo tanto quanto possível, tendo como ponto de partida o indivíduo. Para as regras pertinentes a esta federação denominamos de federalismo, sendo essas regras que tornam uma federação naquilo que realmente deve ser. A inobservância de alguns pontos cruciais, como a autonomia dos estados-membros e o princípio da subsidiariedade são o suficiente para que o país não seja um estado federado, mas qualquer outra coisa.
Importante salientar que federalismo e federação não se confundem. Federalismo trata das regras que regem a federação, enquanto a federação é a forma da divisão física do estado, sendo o resultado de todos os requisitos.
Por outro lado, é válido esclarecer que ambos são requisitos essenciais, sem que haja uma norma eficiente para a descentralização dos poderes não falaremos de uma federação, da mesma forma que a divisão interna de um estado não cria uma federação. Para a existência real de uma federação é imprescindível que exista a divisão interna dos estados-membros ou unidades federativas, normas, regras, leis e princípios que impeçam o governo do estado federal intervir em questões locais de cada estado-membro, objetivando ao máximo dar liberdade e autonomia aos indivíduos.
A origem do sistema federativo remonta 1787, nos EUA, e de acordo com André Elali, em seu livro, “O federalismo fiscal brasileiro e o sistema tributário nacional”, podemos definir 5 características para uma federação, sendo:
1) dualidade de ordens governamentais;
2) repartição constitucional de competências;
3)autonomia constitucional do Estado Membro;
4) organização peculiar do Poder Legislativo Federal de forma a haver participação dos Estados-Membros;
5) a existência de técnica específica para a manutenção da “integridade territorial, política e constitucional do Estado Federal”
Com uma análise superficial dos requisitos podemos até supor que o Brasil é uma federação, entretanto apenas a observação dessas regras de modo vulgar não é passível de tornar um Brasil uma federação.
Já outro autor, Carlos Eduardo Dieder Reverbel, classifica o Brasil como um estado de bem-estar-social, em seu livro, “O federalismo atual numa visão tridimensional de direito”. Veja, o estado de bem-estar-social necessita de uma grande parte do poder concentrado nas mãos do governo federal, logo são duas premissas incompatíveis. É possível a utilização do modelo federativo e do estado de bem-estar-social? Em teoria, e ao início de existência, é claro que é possível sua existência, mas apenas no papel, tão logo for colocada em prática notar-se-á a impossibilidade da existência de fato. O estado de bem-estar-social, requer um acúmulo de poder nas mãos do governo central para que suas proposições sejam aplicadas, já o estado federativo, requer que o indivíduo tenha a plena capacidade de utilizar-se dos meios a sua disposição para gerenciar a sua vida.
Para deixar tudo ainda mais lúcido, as palavras de Paulo Bonavides, em seu livro, “A constituição aberta”, traz a importante informação de que a federação brasileira é falsa:
“A Federação construída no Brasil é falsa, e já se deve buscar outro modelo federativo, pois o que ai se concretizou configura uma contradição profunda com as velhas aspirações descentralizadoras, propagadas pelo sentimento nacional, e que estão na alma de nosso povo, na memória de nossas origens, na remissão ao nosso passado e, sobretudo na lembrança dos acontecimentos que marcaram o século da Monarquia, sem cessarem com a Primeira República, vítima das intervenções federais nos Estados-Membros da União.”
Voltemos então ao grande mestre, Alexis Tocqueville, o qual de maneira brilhante aponta em seu livro, “Democracia na América”, o seguinte:
“Nas grandes nações, o legislador é obrigado a dar às leis caráter uniforme, que não comporta a diversidade de lugares e dos costumes; não estando a par dos casos particulares, não pode proceder se não através de regras gerais; os homens são então obrigados a inclinar-se diante das exigências da legislação, pois esta não pode acomodar-se as necessidades e costumes dos homens, o que se torna causa importante de distúrbios e misérias.”
E para finalizar, ainda nas palavras do grande mestre Alexis Tocqueville, as características de uma federação são as seguintes:
“Os deveres e direitos do governo federal eram simples e fáceis de definir, pois a União havia sido formada com o fim de responder a algumas grandes necessidades gerais. Os deveres e direitos dos Estados eram, ao contrário, múltiplos e complicados, já que esse governo penetrava em todos os detalhes da vida social.
Definiram-se, portanto, com cuidado as atribuições do governo federal, e declarou-se que tudo que não estava contido na definição caía nas atribuições do governo dos Estados. Assim o governo dos Estados tornou-se o direito comum; o governo federal tornou-se a exceção.”
Como no Brasil o que se tem é uma inversão total daquilo que deveria ser um sistema federalista, não é possível chamá-lo de federação. Tanto os municípios quanto os estados-membros não possuem uma autonomia plena, muito menos constitucional, de tal feita que, a própria doutrina classifica as competências dos estados-membros como competências residuais, pois que se tratam de competências infimas comparadas com aquelas que o estado federal possui.
Portanto, não é possível afirmar que de fato o Brasil seja uma federação, o que temos é um tipo sui generis de estado, o qual mescla dois modelos que são incompatíveis.
Fontes:
Democracia na América – Alexis Tocqueville
O federalismo fiscal brasileiro e o sistema tributário nacional – André Elali
A constituição aberta – Paulo Bonavides
O federalismo atual numa visão tridimensional de direito – Carlos Eduardo Dieder Reverbel
Do espirito das leis – Montesquieu
A constituição da Liberdade – F. A. Hayek