Nos dias atuais pode parecer contra intuitivo afirmar que o lucro pode ser considerado justiça social. Isso se deve à definição de justiça social, hoje amplamente difundida: a distribuição equitativa de oportunidades, recursos e benefícios na sociedade. Nesse sentido, a justiça social buscaria mitigar as desigualdades e garantir que todos tenham acesso a condições de vida dignas. Tal definição, parece contrapor a busca pelo lucro e o bem-estar geral, especialmente dos mais pobres, e seria inerentemente injusto e exacerbador das desigualdades, pois resultaria da exploração de uns sobre outros. Não abordaremos por esse prisma a questão.
Então, qual a relação entre lucro e justiça social? Não defenderemos que o lucro é um elemento essencial para a promoção da justiça social; argumentaremos que o lucro “é justiça social”.
O dinheiro
O surgimento do dinheiro foi um grande evento para a humanidade visto que, sem ele, a opção seria o escambo (a troca de bens e serviços entre si diretamente) e isso “dificilmente seria capaz de manter uma economia acima de seu nível mais primitivo” (ROTHBARD, 2013, p. 14). Não é difícil imaginar o caos se as trocas fossem até hoje efetuadas por meio do escambo.
As dificuldades fundamentais do escambo são duas. Primeiro, a “indivisibilidade”. Imagine se você produz cadeiras e necessita de pão e manteiga para o café da manhã. Como dividir uma cadeira e dar uma parte para o padeiro e outra para o dono da manteiga? Segundo, a “coincidência de desejos”. Mesmo para o caso de bens e serviços divisíveis, é muito difícil encontrar duas pessoas que desejem trocar em um dado momento exatamente as mesmas coisas que possuem por algo que outra pessoa está disposta a trocar.
O dinheiro então tornou-se uma tecnologia capaz de resolver esses problemas, um eficiente meio de troca. Com dinheiro no bolso (ou na conta, cartão ou no celular), não preciso ir ao mercado para descobrir alguém que possua o que desejo para suprir minhas necessidades e que, ao mesmo tempo, necessite daquilo que produzo. Também não preciso me preocupar com a divisibilidade dos meus produtos; basta oferecer o dinheiro pelo bem ou serviço que desejo.
Além de meio de troca, o dinheiro, deve cumprir a outras duas funções: constituir-se em unidade de conta e reserva de valor. Como unidade de conta (ou de medida) o dinheiro possibilita exprimir, por meio de números, o preço dos bens e serviços na economia. Simples assim.
Com relação à função de reserva de valor, o dinheiro deve ter a capacidade de armazenar trabalho (o seu trabalho). Essa última função é intrigante por que embute todos os problemas de transferências no tempo: inflação, juros, risco, produtividade da economia, taxa de câmbio , etc.
Quando exercemos atividade no mercado de trabalho, vendemos nosso tempo ao empregador, o qual nos pagará em dinheiro. Esse dinheiro recebido representa o nosso esforço, habilidades, etc, trocados com o patrão. Então, um dinheiro bom deve ter a característica de “armazenar” essa “produção” para que possamos gastá-lo em bens e serviços que desejarmos no futuro. Outro exemplo, na safra do ano passado o produtor rural não tinha nada em mente para comprar. Vendeu a safra para não perder os grãos e guardou o dinheiro. Nesse ano, ele resolveu comprar o carro. O dinheiro foi a reserva de valor daquela produção do ano passado.
Primeiro a produção, depois o dinheiro
Do que vimos acima, já é possível perceber que primeiro é preciso produzir para depois gastar.
Imagine se você naufragasse e, de posse de uma maleta com um milhão de dólares, fosse dar em uma ilha inabitada. Não haveria pessoas com quem negociar e trocar dinheiro por produtos e serviços. Para você estaria disponível apenas o que a natureza lhe oferecesse e poderia lançar ao mar todos os dólares porque não haveria utilidade para eles. Isso quer dizer que o dinheiro que possuo deve ser o equivalente daquilo que produzi (ou alguém produziu). O dinheiro só tem utilidade se houver produção (produtos e serviços disponíveis).
Então, a lógica é: primeiro é preciso haver produção e, somente depois, trocar a sua produção no mercado por dinheiro. Logo, o dinheiro que está no seu bolso deve representar “produção” (“trabalho”).
A ação, o empreendedor e o bem-estar social
Todo indivíduo age com o fim de melhorar sua condição de bem-estar. Então, do ponto de vista do mercado, demanda produtos e serviços que julga melhor satisfazer suas necessidades. A demanda geral por esses produtos e serviços, considerada a oferta disponível, resultará no preço de cada item requerido.
Quando alguém troca o seu dinheiro por algum produto ou serviço, significa que valorizou mais o produto ou serviço que o seu dinheiro. E, ao mesmo tempo, significa que o empreendedor, ao vender seu produto ou serviço, valorizou mais o dinheiro recebido que o produto ou serviço que vendeu. Ou seja, concluída a troca, ambos (consumidor e empreendedor) concluíram o negócio em uma situação melhor que a anterior.
“A função empresarial, definida mais precisamente, nada mais é do que aquele atributo individual de perceber as possibilidades de lucros ou ganhos eventualmente existentes … que põe em destaque as capacidades perceptiva, criativa e de coordenação” (IORIO, 2011, p. 88) do empreendedor. A ação do empreendedor ocorre em ambiente de incerteza, em um processo de descoberta criativo e de escolhas. Portanto, ser dono de uma empresa (um empresário) não basta para ser considerado um empreendedor se não tiver a capacidade de sondar o mercado e descobrir as oportunidades presentes e futuras, guiado pela possibilidade de lucro e pelos preços.
O lucro
Para o empreendedor, “o lucro aparece como um excedente do montante recebido sobre o despendido, enquanto que a perda, como um excedente do montante despendido sobre o recebido. Lucro e perda podem ser expressos em quantidades definidas de moeda” (Mises 2010 p. 349) e, caso ocorra, significa que o empreendedor melhorou o bem-estar social. Se obtiver prejuízo (ou perda) significa que piorou o bem-estar social.
Dito de outra forma, quando o empreendedor obtém lucro isso se dá porque utilizou meios (ou recursos) menos demandados pelas pessoas e os transformou em produtos ou serviços mais demandados. Se obteve prejuízo, significa que o empreendedor utilizou na produção recursos mais demandados e produziu produtos ou serviços menos demandados.
O lucro representará a melhoria do bem-estar geral da sociedade, sendo que aqueles que compraram obtiveram mais satisfação (também o empreendedor), e os recursos usados na produção foram alocados corretamente conforme as preferências dos consumidores. Tanto melhor o empreendedor arranje os fatores de produção, melhor será sua produtividade e melhor se aproximará do lucro.
Lucro é justiça social
Como dito, todos nós agimos para melhorar nossa condição de satisfação, de bem-estar. Diariamente, acordamos bem cedo e nos dirigimos para o local de trabalho a fim de oferecer nossas capacidades, aptidões, conhecimento e tempo por dinheiro, meio pelo qual armazenamos trabalho para trocar no futuro por bens e serviços que valorizamos.
O empreendedor é o agente do mercado que, em ambiente de incerteza, sonda as necessidades dos consumidores, organiza os recursos (próprios ou de terceiros) e, motivado pelo lucro e guiado pelos preços, produz os bens e serviços colocando-os à disposição da sociedade.
Quando alguém compra algo (entrega seu dinheiro) significa que está dando parcela de seu trabalho em troca de um produto que valoriza, indicando ao empreendedor que este está produzindo corretamente conforme o mercado aponta. Quando obtém lucro, o empreendedor atendeu a demanda do mercado, organizou eficientemente recursos escassos menos demandados e, deduzidos os custos da produção, o saldo que restou em sua conta corrente representa a parcela do trabalho dos consumidores que voluntariamente optaram por adquirir seus produtos. É o prêmio por incorrer em riscos.
Dessa forma, o empreendedor ao “abrir uma empresa e mantê-la sempre voltada para atender aos interesses dos consumidores é o que garante e justifica moralmente o lucro” (IORIO, 2011, p. 100). O lucro será tanto maior quanto o empreendedor oferecer os bens e serviços mais valorizados na sociedade. Lucro, portanto, é justiça social porque se constitui do resultado de trocas voluntárias, as partes envolvidas (consumidor e empreendedor) se beneficiaram mutuamente e recursos escassos foram alocados de forma mais eficiente, o que eleva o nível de bem-estar geral da sociedade, mesmo para aqueles não envolvidos nas trocas.
Fontes:
IORIO, Ubiratan Jorge. Ação, Tempo e Conhecimento: a Escola Austríaca de Economia. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2011.
MISES, Ludvig von. Ação Humana. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010
ROTHBARD, Murray N.. O que o governo fez com nosso dinheiro?. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2013