Sobrevivemos, mais uma vez e em detrimento aos danos inevitáveis inerentes à data, ao período de carnaval. Um período de excessos, irresponsabilidade e atitudes impensadas, cujas consequências sequer são remotamente levadas em consideração por quem indulgencia-se às práticas cada vez mais típicas de tal período.
Mas, o real problema é que, cada vez mais, o “carnaval” parece estar se tornando a norma vigente da civilização ocidental, principalmente a brasileira, estendendo-se por todo o ano, e não apenas aos três ou quatro dias no qual todo o bom senso é colocado em “stand by.”
À primeira vista, talvez a animalização das relações humanas pode se parecer com algo “menor”, sem importância. Mas, será mesma esta a realidade dos fatos? Afinal de contas, existe uma imensurável diferença entre subverter catártica e momentaneamente a ordem civilizacional natural, e uma vida toda calcada em excessos e comportamentos sexuais extremistas.
Diz-nos Platão que “o mal é uma série de ausências“. Ora, é óbvio que onde não há virtude, há decadência. Onde não há amor, há ódio. Onde não há respeito, há violência. A condição humana não comporta o vazio total. Precisamente por isto o Professor Olavo de Carvalho dizia que “burrice e maldade não são termos antagônicos.” Burrice nada mais é do que a ausência de inteligência.
Desde os primórdios da humanidade, o homem esteve em constante pressão. Deparar-se com a própria mortalidade, e não sucumbir ao que Søren Kierkegaard chamou “desespero“, é tarefa que requer altíssima elevação intelectual e espiritual.
O “mal” não é algo novo, pois obviamente os dramas humanos não são novos. E basta ler lermos alguns romances de William Shakespeare, como Macbeth, para notarmos que o mal – a ausência do bem – conduz o ser humano à amargura, ao vazio, à solidão, à loucura, e muito pior: O mal torna-se um vício, transfigura-se no centro da existência de quem a ele abre flanco.
William Shakespeare foi um dos maiores escritores de toda a história da humanidade. Sua obra desnuda e disseca a condição humana em si mesma, aborda conceitos universais e atemporais da civilização humana.
Macbeth e Marx
Macbeth de Shakespeare traz consigo elementos da filosofia progressista Hegeliana, que considerava o domínio Estatal como a epítome da razão humana. No entanto, uma epítome onde “os fins só podem ser alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social“, como nos explica Theodore Dalrymple. Precisamente o fruto de cobiça do regicida Macbeth: O controle totalitário e sanguinário da Escócia, que resulta na morte do sentimento patriótico, no ódio mútuo entre o povo e seu monarca – Macbeth – e a completa desolação, como se nota neste poderosíssimo excerto:
“Onde suspiros, lamentos e brados de romper o ar
Soam e não são notados; onde a dor violenta parece
Uma aflição trivial. Dobram os sinos pelos mortos.
E mal se pergunta por quem, e os homens bons.
Expiram antes que as flores em seus chapéus
Percam o frescor e feneçam.”
“À medida que se lê o Manifesto (Comunista, de Karl Marx), uma fantasmagórica procissão das catástrofes marxistas parece saltar dos textos, como a sopa das bruxas em Macbeth“, completa Theodore Dalrymple. O marxismo é o culto ao satânico, ao demoníaco, ao decaimento civilizacional, social, intelectual e espiritual.
Tanto para Marx quanto para Macbeth, apenas a “gloriosa revolução” importa. Não importa quantos inocentes morram no processo.
Evidentemente, como hoje sabemos, todas as tentativas de centralização estatal culminaram em verdadeiras carnificinas. No entanto, isto não é o mais intrigante.
O mal é inerente à condição humana. Parte integrante de todos nós.
Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu no ano de 1770. Karl Marx nasceu em 1818. Mas William Shakespeare publicou uma de suas mais contundentes obras ainda em 1623.
O que prova veementemente que a maldade humana não é algo simplesmente oriundo das ideologias e filosofias em disputa no decorrer dos tempos. Estas são, muitíssimo antes, menos diretrizes doutrinárias ou comportamentais do que percepções, diagnósticos de condições tão antigas à humanidade quanto a criação do mundo em si.
Lady Macbeth, Eva e Nossa Senhora Aparecida
Nossa Senhora Aparecida é um dos mais belos arquétipos de virtuosismo feminino. Fiel, Nossa Senhora Aparecida resiste às tentações da serpente, esmagando-lhe a cabeça. Eva, ao contrário, decai. Entrega-se à malícia de “comer o fruto da árvore do conhecimento e “ser como Deus.” Esta é a exegese do “pecado original“: A desobediência.
Muito mais grave é a natureza pecaminosa de Lady Macbeth – esposa do protagonista do romance homônimo – e sua cegueira ensandecida por dinheiro e poder. Assim como Eva, Lady Macbeth decai, tornando-se o oposto do virtuosismo feminino de Nossa Senhora Aparecida. É graças à malignidade de Lady Macbeth que Macbeth transfigura-se no regicida sanguinário.
Ao final, ao deparar-se com a trágica e demoníaca série de mortes ocasionadas por suas ações impremeditadas, Lady Macbeth suicida-se, louca de remorso, impossibilitada de conviver consigo mesma e o “sangue em suas mãos“. Laura e Eleonor, filhas de Marx, também se suicidam, cerca de 300 anos após a publicação de Macbeth. A condição humana não pode ser modificada por ideologias, e o mal não pode ser transformado em bem apenas por mero capricho humano.
É o que diz Arthur Schopenhauer: “Para alguns, a solidão é uma bênção. Para outros, uma maldição.” A solidão da contemplação não é a mesma que a solidão do desespero, do ódio e do rancor.
No entanto, o Marxismo traz consigo a validação do ódio, do ressentimento, da inveja e do vazio como normas sociais. O Estado, aí embuído da condição de “autoridade máxima“, diz que as ausências são a verdadeira substância para uma “vida feliz.” Shakespeare demonstra que não. Não são.
Ao final do carnaval, todos os foliões voltarão à condição prévia, e mais uma vez deverão se deparar com suas ausências, agora ainda mais acumuladas. O dinheiro gasto para financiar o crime que é responsável pela maioria das mortes violentas no Brasil não voltará às mãos honestas, os abortos cometidos em decorrência da irresponsabilidade sexual não poderão ser impedidos ou desfeitos, a degeneração endêmica não poderá ser combatida. Tanto Macbeth de Shakespeare quanto o Manifesto de Karl Marx são livros que nos trazem valiosas lições sobre como NÃO PENSAR e NÃO AGIR.
São o oposto do exíguo e belíssimo romance escrito pelo escritor russo Ivan Turgenev, “Mumu“. Sobre o qual falaremos no próximo artigo.