Segundo a Constituição brasileira1, “Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal” (art. 53, § 1º). E mais: “Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável […]” (§ 2º).
Dito de outro modo, um congressista (deputado ou senador) apenas será preso caso seja flagrado na prática de um crime para o qual não se admita o arbitramento de fiança. Porém, no Brasil, de acordo com o art. 5º da Constituição, são crimes inafiançáveis somente o racismo (XLII), bem como a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes, o terrorismo e os crimes hediondos (XLIII).
Todavia, ainda que eventual – e improvável – prisão ocorra em situação de flagrância na prática de tais crimes, deputado e senador serão processados e julgados no Supremo Tribunal Federal, em virtude do foro especial por prerrogativa de função, ou foro privilegiado, tal como é popularmente conhecido.
Esclareça-se que o foro privilegiado não se trata de uma prerrogativa concedida a determinadas pessoas em razão de supostos atributos pessoais, tais como, caráter nobilíssimo, moralidade excepcional, ou, menos ainda, por causa do pensamento político-ideológico de que compartilham. Nada disso! Na verdade, o famigerado foro privilegiado, enquanto competência especial, “não visa a garantir a pessoa, mas é concedido em virtude do cargo ou da função que ela exerce. É proteção ao exercício do cargo ou mandato e não de quem o exerce”2.
Neste artigo, ao menos em relação aos integrantes do Poder Legislativo Federal, é importante registrar que, conforme o disposto na Proposta de Emenda Constitucional nº 134/20193, em tramitação, deputados e senadores, caso sejam criminalmente processados, poderão, “[…] até o encerramento da instrução criminal, renunciar ao foro por prerrogativa de função, mediante manifestação formal e irretratável apresentada à Mesa da Casa Respectiva e ao Supremo Tribunal Federal”, produzindo efeitos “apenas em relação ao mandato em que realizada”.
A princípio, frise-se que, uma vez processado, o congressista poderá renunciar ao foro privilegiado, ou seja, tal renúncia será apenas uma faculdade, uma alternativa a ser voluntaria e conscientemente adotada, não se tratando de uma obrigação ou dever imposto ao deputado ou senador, inexistindo, por conseguinte, a possibilidade de exigir que o titular do mandato eletivo assim proceda, tampouco se poderá atribuir algum ônus àquele caso escolha permanecer no exercício da função pública.
Vale ressaltar que a PEC nº 134/2019 não se restringe aos membros do Congresso Nacional, de maneira que pretende alcançar outros detentores de cargos públicos, como, por exemplo, Presidente da República, Vice-Presidente, Ministros de Estado, juízes e membros do Ministério Público, Procurador-Geral da República, ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União, etc.
Por ora, resta-nos apenas aguardar a tramitação da referida PEC.
Por José Bruno Martins Leão.
Referências:
1BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB): promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 27 de maio de 2022.
2BALTHAZAR, Ezequiel Antonio R. Seção V: dos deputados e senadores. In: MACHADO, Costa (org.). Constituição Federal interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 9. ed. Barueri/SP: Manole, 2018, p. 382.
3BRASIL. Senado Federal. PEC 134/2019. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8006935&disposition=inline. Acesso em: 27 de maio de 2022.