Em um passado não tão distante, antes do advento da internet e das redes sociais digitais, a comunicação entre as pessoas era realizada de duas maneiras, quais sejam, presencialmente ou por meio de ligações telefônicas. Com a recente virada do século, não demorou para que esses métodos tradicionais de comunicação fossem rapidamente aprimorados, ou mesmo substituídos, pelos novos instrumentos que a ciência e a tecnologia foram capazes de produzir e fornecer ao vasto público consumidor.
Todavia, apesar da difusão assombrosa de informações e da viabilidade de comunicação instantânea, uma das características da comunicação interpessoal que a tecnologia digital não pode ser capaz de extinguir é a possibilidade de se impor segredo sobre determinados diálogos, reservando-se algumas conversas ao âmbito de privacidade e intimidade pertencentes a emissores e receptores, por vontade expressa ou tácita desses agentes comunicantes, a depender das circunstâncias em que o diálogo é estabelecido.
Por essas razões, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, assegura, respectivamente, a inviolabilidade tanto da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, quanto das comunicações, conforme se percebe a partir da leitura dos seguintes dispositivos constitucionais:
Art. 5º […]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; […]
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
Com base nesses e em outros fundamentos infraconstitucionais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Resp. n. 1.903.273/PR1, entende que “O sigilo das comunicações é corolário da liberdade de expressão e, em última análise, visa a resguardar o direito à intimidade e à privacidade”, de maneira que “não só as conversas realizadas via ligação telefônica, como também aquelas travadas através do WhatsApp são resguardadas pelo sigilo das comunicações”.
Atualmente, tendo em vista que o WhatsApp é um dos instrumentos tecnológicos digitais que oportunizam a comunicação instantânea entre pessoas em distintos locais do mundo, o STJ se manifestou no sentido de que os referidos direitos constitucionais à intimidade e à privacidade também devem prevalecer no âmbito das conversas travadas nessa rede social digital contemporânea.
Nessa linha de raciocínio, o Tribunal da Cidadania assentou que “terceiros somente podem ter acesso às conversas de WhatsApp mediante consentimento dos participantes ou autorização judicial”, uma vez que “as mensagens eletrônicas estão protegidas pelo sigilo em razão de o seu conteúdo ser privado; isto é, restrito aos interlocutores”.
Aliás, quando se trata de ambiente social em que conversas são estabelecidas, em especial as plataformas digitais, em que os diálogos são registrados, os participantes de tal comunicação possuem a expectativa legítima de que as informações fornecidas para o diálogo não serão compartilhadas e lidas por terceiros.
Por isso, o Superior Tribunal esclareceu que, “ao levar a conhecimento público conversa privada, além da quebra da confidencialidade, estará configurada a violação à legítima expectativa, bem como à privacidade e à intimidade do emissor, sendo possível a responsabilização daquele que procedeu à divulgação se configurado o dano”.
Assim sendo, de acordo com o STJ, a divulgação de conversas provenientes da rede social digital denominada WhatsApp pode gerar a responsabilização daquele que tornou público o diálogo, porque infringiu o compromisso implícito de se manter o sigilo das informações e a privacidade e intimidade dos respectivos participantes da comunicação.
Em reforço, no bojo do HC n. 609.221/RJ2, o STJ fixou o entendimento de que “Os dados armazenados nos aparelhos celulares – envio e recebimento de mensagens via SMS, programas ou aplicativos de troca de mensagens, fotografias etc. -, por dizerem respeito à intimidade e à vida privada do indivíduo, são invioláveis, nos termos em que previsto no inciso X do art. 5º da Constituição Federal, só podendo, portanto, ser acessados e utilizados mediante prévia autorização judicial, com base em decisão devidamente motivada que evidencie a imprescindibilidade da medida, capaz de justificar a mitigação do direito à intimidade e à privacidade do agente”.
A Corte Superior ainda anotou que, excepcionalmente, “A ilicitude da exposição pública de mensagens privadas poderá ser descaracterizada, todavia, quando a exposição das mensagens tiver o propósito de resguardar um direito próprio do receptor”. Desse modo, percebe-se, via de consequência, que, em tese, será lícita a divulgação de mensagens privadas, desde que seja realizada com o objetivo de proteger direitos do receptor da informação compartilhada.
Portanto, os usuários das redes sociais digitais, especialmente do WhatsApp, aqui discutido, devem estar cientes de que existe o dever de confidencialidade das conversas, bem assim da proteção destinada à intimidade e à privacidade daqueles utilizam o aplicativo para se comunicar; motivo pelo qual o compartilhamento dessas conversas, quando ausente o consentimento dos participantes, pode ensejar a responsabilização por quebra de legítima expectativa de sigilo e violação aos referidos direitos constitucionais.
Referências:
1BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). HC n. 609.221/RJ. Sexta Turma, Relator: Min Rogerio Schietti Cruz, Julgamento: 15/06/2021, Publicação: 22/06/2021. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202002204700&dt_publicacao=22/06/2021. Acesso em: 14 de outubro de 2022.
2BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso especial n. 1.903.273/PR. Terceira Turma, Relatora: Min. Nancy Andrighi, Julgamento: 24/08/2021, Publicação: 30/08/2021. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202002848797&dt_publicacao=30/08/2021. Acesso em: 13 de outubro de 2022.
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