No Brasil, há mais de três décadas, está em vigor a Lei nº 8.078/1990, que estatuiu o chamado Código de Defesa do Consumidor (CDC), com o objetivo, em tese, de proteger a pessoa que esteja em situação de vulnerabilidade ante o poderio econômico dos fornecedores, desde que aquela se enquadre na definição legal prevista no art. 2º, caput e parágrafo único, da lei consumerista.
Verifica-se que raciocínio análogo foi o utilizado para a confecção do Projeto de Lei nº 4.783/2020, da Câmara dos Deputados, que, uma vez aprovado e em vigor, estabelecerá o Código de Defesa do Empreendedor (CDE), em virtude da condição de vulnerabilidade em que o empreendedor se encontra diante do poderio soberano e potencialmente intervencionista do Estado brasileiro, a despeito da proteção dos valores da livre iniciativa (CF, art. 1º, IV).
Fez-se tal comparação entre o CDC e o possível CDE em razão dos fundamentos apontados em justificativa pelos autores do referido projeto de lei. Registraram os deputados/autores dessa proposta legislativa, in verbis: “Queremos mudar a exacerbada interferência do Poder Público na economia. Buscamos trazer, simultaneamente, desburocratização e segurança jurídica aos empreendedores brasileiros” (BRASIL, 2020, p. 6).
Também argumentaram no sentido de que, no Brasil, “há um alto grau de interferência do Estado na economia e no desenvolvimento da atividade produtiva, o que por vezes prejudica o empreendedor brasileiro” (BRASIL, 2020, p. 6).
Dessa forma, o projeto de lei em questão tem por objetivo estabelecer “normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício da atividade econômica, assim como disposições sobre a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas, atuando como agente normativo e regulador” (BRASIL, 2020, p. 1).
No texto do projeto (art. 3º), em tramitação, há a previsão de deveres atribuídos ao Poder Público a fim de que o Estado respeite a livre iniciativa. São eles:
I – facilitar a abertura e a extinção de empresas;
II – garantir, tanto quanto possível, a economicidade dos custos de transação referentes à obtenção de atos públicos de liberação, funcionamento e extinção de empresas;
III – disponibilizar informações claras e amplamente acessíveis, principalmente em sítios eletrônicos, quanto aos procedimentos necessários ao início, ao regular exercício e ao encerramento de um empreendimento;
IV – desenvolver e operacionalizar, nos devidos âmbito do Poder Público, sistemas integrados, em plataforma digital, que permitam a obtenção simplificada dos documentos necessários aos processos de registro, abertura, funcionamento, modificação e extinção de empresas;
V – analisar e responder, em prazo máximo não superior a 30 (trinta) dias, ao pedido de licenciamento para atividades econômicas consideradas de médio risco;
VI – analisar e responder, em prazo máximo não superior a 60 (sessenta) dias, ao pedido de licenciamento para atividades econômicas consideradas de alto risco;
VII – exercer primeiramente fiscalização orientadora, e somente após o descumprimento desta, a fiscalização punitiva, salvo no caso de situações de iminente dano público;
VIII – garantir o direito ao contraditório e à ampla defesa ao empreendedor, ainda que se trate de matéria para a qual seja facultada ao Poder Público agir de ofício, salvo no caso de situações de iminente dano público;
IX – observar regime de transição mínimo de 60 (sessenta) dias para interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, em qualquer grau de instância administrativa, que imponha novo dever ou novo condicionamento de direito, em especial nos casos em que o regime de transição seja necessário para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente; e
X – observar e cumprir a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica e as Garantias de Livre Iniciativa, dispostas, respectivamente, no arts. 3º e 4º da Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019 (Lei de Liberdade Econômica).
Adiante, no art. 4º, há a contestação de documentação desnecessária (CDD), que poderá ser requerida pelo empreendedor “diante da requisição de especificação técnica ou documentação que julgar desnecessária para sua atividade econômica […]” (BRASIL, 2020, p. 3). Para conhecer o procedimento da CDD, importa consultar o teor do projeto de lei, devidamente referenciado neste artigo.
No art. 5º, consignar-se-á que “A Administração Pública tem o dever de velar pelo respeito à liberdade econômica e à segurança jurídica” (BRASIL, 2020, p. 4). Assim, conforme dispõe o parágrafo único correspondente, para que tais valores sejam observados, caberá ao Poder Público proceder destas formas:
I – adotar processos decisórios orientados por evidências científicas e técnicas, pela conformidade legal, pela desburocratização e, quando da edição e revisão de regulamentos, pela realização de consultas públicas;
II – uniformizar critérios e manter a compilação por temas do estoque acumulado de regulamentos, atos e práticas de nível infralegal, com a indicação expressa dos vigentes para cada tema;
III – articular e integrar seus regulamentos, processos e atos com os de outros órgãos, entidades e autoridades com competências sobre as mesmas atividades ou outras a elas relacionadas;
IV – impedir a instituição ou manutenção de restrições, exigências ou práticas burocráticas ineficazes, ineficientes, onerosas, excessivas, que impeçam a inovação ou induzam à clandestinidade ou à corrupção, bem como que possam prejudicar a livre concorrência, criar privilégio ou reserva de mercado, favorecer grupo econômico em detrimento dos concorrentes ou impedir a entrada de competidores no mercado;
V – fazer a revisão constante das normas de ordenação pública para reduzir sua quantidade e os custos para os empreendedores, sem prejuízo às finalidades públicas;
VI – fazer avaliações periódicas da eficácia e do impacto de todas as medidas de ordenação pública, pelo menos a cada 3 anos, e, quando for o caso, fazer modificações e revisões;
VII – estabelecer, manter, monitorar e aprimorar sistema de gestão de riscos e controles internos com vistas à identificação, à avaliação, ao tratamento, ao monitoramento e à análise crítica de riscos que possam impactar o cumprimento de sua missão institucional e a observância desta Lei; VIII – definir metas para a redução dos custos dos aparatos públicos;
IX – orientar os processos de consulta pública, de definição da agenda de revisão e de avaliação da eficácia e do impacto; e
X – assegurar o funcionamento do sistema de gestão de riscos e controles internos.
Expostas essas diretivas que compõem parcialmente a proposta legislativa em tela (Projeto de Lei nº 4.783/2020, da Câmara dos Deputados), frise-se que este artigo não substitui a leitura da integralidade do projeto, tendo em vista a impossibilidade de expô-lo, aqui, de forma pormenorizada.
Anote-se, uma vez mais, que o projeto de lei acima retratado ainda precisa ser aprovado, sancionado, promulgado e publicado para que tais diretivas entrem em vigor e se tornem enunciações de observância obrigatória por parte do Estado brasileiro, com vistas a fortalecer a liberdade econômica e a segurança jurídica no âmbito da atividade empreendedora.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 6 jan. 2023.
BRASIL. Projeto de Lei nº 4.783/2020. Institui, em todo o território nacional, o Código de Defesa do Empreendedor. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1933646&filename=PL%204783/2020. Acesso em: 6 jan. 2023.