Qual o efeito de ações estatais coletivistas na instituição familiar, preferência temporal dos indivíduos e na prosperidade? Haveria uma ligação causal entre esses conceitos? Sim, segundo os pensadores da Escola Austríaca de Economia Ludwig von Mises, Friederich August von Hayek e Hans-Hermann Hoppe. Demonstrar essa ligação é o que pretendemos neste texto.
O significado da palavra “prosperidade” é, segundo o dicionário on line Michaelis, (1) estado ou qualidade do que é próspero e (2) situação que revela sucesso financeiro; acúmulo de bens e capital; fortuna, riqueza. Conforme os autores citados, a prosperidade estaria diretamente ligada aos conceitos de preferência temporal e família e pode ser fortemente obstaculizada pelo estado como efeito da restrição à liberdade da ação humana. Vejamos, a começar pela preferência temporal.
Mises e a preferência temporal
Mises advoga que, de modo resumido:
A preferência temporal é um requisito categorial da ação humana. É impossível imaginar uma ação na qual a satisfação mais próxima não seja preferida – desde que sejam iguais as demais circunstâncias – à satisfação mais distante. (Mises, 2010, p. 560)
Em outras palavras, o homem age no sentido de substituir um estado de coisas menos satisfatório por um estado mais satisfatório, prefere mais bens do que menos bens e os bens presentes são preferíveis aos bens futuros e, deste modo, só deixamos de consumir no presente em favor do consumo no futuro quando percebemos obter uma vantagem, um prêmio, no longo prazo.
Em um primeiro momento, a abstenção de consumo representa economia de fatores de produção. Imaginemos um personagem chamado Crusoé que vive em uma ilha deserta, sobrevivendo da coleta de frutas e consumindo alguns peixes por dia; emprega basicamente, como meios de produção, seu corpo e tempo. Certo dia, resolve não coletar as frutas e empregar o tempo economizado naquela tarefa para confeccionar uma vara de pescar. A partir do dia seguinte, munido de seu novo instrumento (a vara de pescar), Crusoé passa a viver melhor nutrido pois seu novo bem de capital lhe proporciona retirar do rio mais peixes do que conseguia antes da existência da vara de pescar. Agora, Crusoé tem disponível mais víveres que antes, para um mesmo tempo de esforço (coleta de frutas e pescaria). Crusoé prosperou.
Ora, Crusoé trocou a necessidade presente por uma satisfação maior futura. Absteve-se de consumir o que vinha consumindo para consumir melhor depois e isto deu-se pelo fato de economizar os fatores de produção tempo e corpo e os empregado em uma tarefa (confeccionar a vara de pescar) que lhe possibilitou um conforto maior no futuro. O seu prêmio por economizar foi fartura maior para sobreviver.
Desse exemplo, podemos inferir que a preferência temporal baixa (quando o agente homem prefere consumir depois que antes) pode incitar à prosperidade dada à economia de recursos presentes que poderão ser utilizados para incrementar o consumo futuro, gerando riqueza, por meio do aumento de produção.
O livre-arbítrio e a moral em Hayek
Por seu turno, Friedrich August von Hayek, em “O Caminho da Servidão” (2010), obra onde externa argumento moral de que tentativas dos governos de controlar a economia acabam por escravizar o próprio povo, expõe o seguinte:
A liberdade de ordenar nossa conduta numa esfera em que as circunstâncias materiais nos obrigam a escolher, e a responsabilidade pela organização da nossa existência de acordo com a nossa consciência, são a única atmosfera em que o senso moral se pode desenvolver e os valores morais serem a cada dia recriados no livre-arbítrio do indivíduo. A responsabilidade, não perante um superior mas perante a própria consciência, a compreensão de um dever não imposto pela compulsão, a necessidade de resolver qual das coisas a que damos valor devemos sacrificar a outras e de aceitar as consequências da nossa decisão – eis a essência de toda regra moral que mereça tal nome.
O fato de que na esfera da conduta individual os efeitos do coletivismo têm sido quase inteiramente destrutivos é ao mesmo tempo inevitável e inegável. Um movimento cuja maior promessa é isentar o indivíduo da responsabilidade não pode deixar de ser antimoral nos seus efeitos, por mais elevadas que sejam os ideais que o geraram. (Hayek, 2010, p. 198 e 199)
Dos argumentos de Hayek, podemos concluir que sem a total liberdade para escolher, livre de qualquer constrangimento, não pode haver responsabilidade pelos atos. Então, não pode haver louvor pelo bem feito à custa de terceiros ou como resultado de imposição. Ainda que objetivos bem-intencionados possam ser o escopo de ações coletivistas, seus efeitos são a isenção, na conduta individual, da possibilidade moral da escolha e da consequente responsabilidade pela ação.
Hoppe: o conservadorismo e a família
Hans-Hermann Hoppe escreveu “Democracia, o Deus que Falhou” (2014). Em suas páginas, encontramos no primeiro capítulo, sob o título “Sobre a Preferência Temporal – o Governo e o Processo de Descivilização”, interessantes argumentos indicando a estreita relação entre a preferência temporal e a prosperidade, a qual seria resultado de um processo civilizatório no qual a instituição familiar tem papel fundamental.
Hoppe acredita que o processo de civilização é consequência de preferências temporais em queda e recursos cada vez mais amplos e disponíveis:
…, se as violações governamentais dos direitos de propriedade seguem seu rumo, aumentando e tornando-se cada vez maiores, a tendência natural da humanidade a edificar um crescente estoque de capital de bens de consumo duráveis e a trabalhar com uma visão cada vez mais de longo prazo, com objetivos mais distantes no tempo (orientada para o futuro), pode não só ser suspensa, como também ser revertida por uma tendência à descivilização: indivíduos previdentes e responsáveis se tornarão bêbados ou alucinados; os adultos se tornarão crianças, o homem civilizado se tornará bárbaro; e os produtores serão criminosos. (Hoppe, 2014, p. 45 e 46)
Por outro lado, define conservador da seguinte forma:
…“conservador” se refere a alguém que acredita na existência de uma ordem natural, de um estado de coisas natural, que corresponde à natureza das coisas; que se harmoniza com a natureza do homem. (Hoppe, 2014, p. 223)
E, a fim de ligar o “conservadorismo” hoppeano e a família, acrescentemos a seguinte passagem:
No âmbito das ciências humanas – incluindo as ciências sociais -, o conservador reconhece as famílias (pais, mães, filhos, netos) e os lares familiares com base na propriedade privada e em cooperação com uma comunidade de outros lares familiares como as unidades sociais mais fundamentais, mais naturais, mais essenciais, mais antigas e mais indispensáveis. (Hoppe, 2014, p. 224)
Disso, inferimos que para Hoppe, a instituição familiar é fruto da ordem natural do desenvolvimento social e, portanto, deve ser preservada como elemento fundamental para manutenção da própria natureza do homem. Portanto, os ataques à preservação familiar são vistos como anomalias:
Obviamente, esse insight fundamental se aplica a todo o sistema (assim denominado) de previdência social que foi implementado na Europa Ocidental (a partir da década de 1880) e nos Estados Unidos (a partir da década de 1930): ao sistema de “seguro” governamental compulsório contra a velhice, a doença, os acidentes de trabalho, o desemprego, a indigência (entre tantos outros problemas). Em conjunto com o (até mesmo mais antigo) sistema compulsório de educação pública, essas instituições e essas práticas equivalem a um ataque maciço contra a instituição da família e a responsabilidade pessoal (individual). Com a prática de aliviar os indivíduos da obrigação de prover os seus próprios rendimentos, a sua própria saúde, a sua própria segurança, a sua própria velhice e a educação das suas próprias crianças, são reduzidos o alcance e o horizonte temporal da ação provedora privada, e o valor do casamento, da família, dos filhos e das relações de parentesco é diminuído. A irresponsabilidade, a visão de curto prazo, a negligência, a doença e até mesmo o destrucionismo (males) são promovidos; e a responsabilidade, a visão de longo prazo, a diligência, a saúde e a conservação (bens) são desencorajadas e punidas. (Hoppe, 2014, p. 231 e 232)
Hoppe considera que a ação estatal no seio da propriedade privada e dos laços familiares produz a ruptura desses laços e um avanço na direção da irresponsabilidade individual, o que, no processo, aumenta a taxa de preferência temporal: as pessoas passam a preferir o consumo imediato e deixam, pouco a pouco, de pensar no longo prazo.
A família, então, deixa de ser um elemento aglutinador das vontades individuais e de sua resultante, a cooperação parental. Fragilizadas as conexões de responsabilidade que unem os indivíduos familiares, a preferência temporal tende a aumentar dada a supressão paulatina dos empenhos a que se deve impor o agente homem pela manutenção daqueles a quem tem (ou deveria ter) dedicação, presente e futura. Logo, O intento do “bem-estar social” promovido pelos estados e governos seria causa da involução moral.
Conclusão
As ações coletivistas empreendidas como fim do “estado de bem-estar social” paulatinamente vêm solapando a responsabilidade individual, em especial as relativas aos cuidados privados com a família. O indivíduo, aliviado de suas obrigações parentais cujas necessidades estão passando às mãos do estado, reduz seu horizonte temporal. Bastaria então pagar os impostos e exigir dos governantes toda a ação para mitigar os males cotidianos: saúde, educação, segurança, cuidados com as crianças e velhos, etc. A preocupação com o futuro e com as ações individuais de fato para a solução de problemas prementes são vilipendiadas.
Finalizando, é possível extrair dos textos dos autores citados argumentos robustos da relação deletéria de ações estatais coletivistas na prosperidade da sociedade, o que se daria pela imiscuição governamental nos assuntos privados familiares, diminuindo ou eliminando a responsabilidade individual por suas ações, resultando no aumento da taxa de preferência temporal. Este comportamento, além do efeito moral destruidor, apresenta também consequências econômicas: a taxa de preferência temporal elevada (preferir consumir antes que depois e não poupar), acaba por dificultar ou inviabilizar a geração de riqueza.
Fontes:
HAYEK, Friedrich August von. O Caminho da Servidão. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.
HOPPE, Hans-Hermann. Democracia: o Deus que Falhou. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2014.
MISES, Ludwig von. Ação Humana, um tratado de economia. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.
https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/prosperidade/. Acessado em 4 de dezembro de 2013)