Em minha adolescência e início da idade adulta, como a maioria dos jovens, iludia-me com as “promessas miraculosas” da Esquerda: Justiça social, proteção às minorias, resistência ao capitalismo, e a (pseudo) “luta” contra o “mal”, mesmo sem saber–e ver que todos os outros esquerdistas ao meu redor também não sabiam – o que era exatamente esse “mal”, sui generis, com o qual eu me revoltava com tanta veemência – e estupidez. Empresários ricos, “exploradores de seus empregados” e políticos “de direita” que “favorecem tais empresários, em uma sociedade racista, patriarcal, retrógrada e tradicionalista, que desrespeita os direitos humanos”, estes são os alvos prediletos de toda a trupe progressista, desde o MST à militância feminista. Eu fui um deles. Por pouquíssimo tempo. Bastou conhecer a verdadeira etimologia de cada um dos termos supracitados, desvencilhando-me assim da auto hipnose do dialeto marxista contemporâneo.
“Se tomar como identidade cultural esse jeito blasé de ser dos ocidentais secularizados, você poderá ter algum conflito consigo mesmo, mesmo que não seja um crente em sistemas religiosos de fato, se tiver que dividir o futuro de seus filhos e netos”, escreveu Luiz Felipe Pondé no livro “Guia Politicamente Incorreto da Filosofia”, e eu devo admitir: Senti este conflito na pele, enquanto assistia à Rede Globo, e não pude evitar de fazer a mim mesmo a seguinte pergunta:
“O que aconteceu com a Esquerda?!”
Matar bebês no ventre materno? Oferecer bloqueadores hormonais a crianças? Expor crianças a adultos nus? Soltar traficantes? Não oferecer tratamento aos moradores da Cracolândia? Militar a favor do consumo de entorpecentes? Acusar homens inocentes de estupro apenas para validação ideológica? Ser conivente ao aumento indiscriminado de impostos e à corrupção? Cortar o orçamento da polícia? Obrigar cidadãos de bem a aceitar passivamente o assalto de seus bens? Engolir passivamente, como verdades indisputáveis, as palavras de celebridades que vivem em condomínios fechados, e apenas saem em público cercadas por seguranças armados, de que um cidadão bem não pode ter uma arma de fogo? Cadê a Esquerda que (supostamente)lutava pelos MEUS direitos como cidadão contribuinte?
“Poder-Vos-ia ocultar a mim mesmo, mas não poderia esconder-me de Vós”, nas belas palavras de Santo Agostinho, “vos faço esta confissão […] com palavras da alma e gritos do pensamento”, pois salários justos, Estado desinchado, respeito às mulheres, aos pobres e aos negros, e impostos mais baixos –o oposto do que a Esquerda sempre faz após assumir o poder, como eu estava prestes a descobrir–não significa que eu deva ser conivente com a total desumanização e degradação da sociedade!
Minhas ilusões esvaiam-se cada vez mais, a frustração tomava conta de mim, e a confusão parecia invencível; afinal, o celebrado líder Martin Luther King Jr., herói dos direitos humanos das minorias raciais, não havia dito que “a maior tragédia deste período de transição social não foi o clamor estridente das pessoas más, mas o silêncio das pessoas boas”? Como, indagava eu, poderia a humanista e benevolente Esquerda não apenas permitir, mas endossar tais monstruosidades?
A pior decepção que tive veio quando, ao conversar com meus então “amigos” esquerdistas, sobre o que estava acontecendo com a nossa “amada esquerda”, fui apenas chamado de “fasciste”. O mundo havia virado de cabeça para baixo, e ninguém me avisou?! Seria possível que Christopher Hill estava certo ao dizer que os Conservadores é que deveriam enfrentar “o problema de como continuar a existir num mundo hostil que parecia destinado a se perpetuar”, e que a Esquerda era a causadora de toda a hostilidade? Eu havia sido enganado este tempo todo?! Afinal de contas, Martin Luther King Jr. não bradou que “a nossa geração terá de se arrepender não só dos atos e palavras dos filhos das trevas, mas também dos medos e da apatia dos filhos da luz”? A Esquerda não era a luz contra as trevas da opressão, da exploração e do genocídio?
Sim, eu havia sido enganado!
Desvencilhar-se de velhas crenças nunca é fácil, exige, antes de qualquer outra qualidade, a mais importante para qualquer ser humano: Humildade. Afinal, como disse Frithjof Schuon, “o ego é ao mesmo tempo um sistema de imagens e um ciclo; é algo como um museu, e um passeio único e irreversível por esse museu. O ego é um tecido movente, feito de imagens e tendências; as tendências vêm de nossa própria substância, e as imagens são-nos fornecidas pela ambiência. Colocamo-nos nas coisas, e colocamos as coisas em nós mesmos, ao passo que nosso verdadeiro ser é independente delas”. É necessário ignorar a ambiência citada por Schuon, e pensar em comum-acordo com o mais íntimo do âmago de nossas próprias almas para conseguirmos nos livrar da influência maligna que nos cerca. Após darmo-nos conta de que –quer consciente ou inconscientemente –fomos corresponsáveis pela morte de pessoas inocentes, apenas por apoiar a insanidade de políticos revolucionários, sentimos na pele a epifania do grande Viktor Frankl: “Numa revolta última contra o desespero da morte à tua frente, sentes teu espírito irromper por entre o cinzento que te envolve, e nesta revolta derradeira sentes que teu espírito se alça acima deste mundo desolado e sem sentido, e tuas indagações por um sentido último recebem, por fim, de algum lugar, um vitorioso e regozijante ‘sim’“. Sim, à reflexão; Sim, a uma existência dedicada à Vida Intelectual; Sim, ao que lemos em 2 Timóteo 4:7-8: “Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé.”
Só após descobrir que Martin Luther King Jr. fora um Pastor da Igreja Batista em Montgomery, Alabama, e que jamais apoiara o Partido Democrata, e que, no esquema totalitário “o líder […] não pode tolerar críticas, [e] se deseja corrigir os próprios erros, tem que liquidar aqueles que o cometerem por ele”, é que tudo passou a fazer sentido. Não é possível traçar nenhuma espécie de linha moral no pensamento da Esquerda, pois sua única moral é o domínio político, restando irrelevantes os meios pelos quais o alcançará!
Foi após a leitura de “Pensadores da Nova Esquerda”, que percebi que “o Estado que não permite argumentação – o Estado totalitário –sofre da mesma insanidade de um indivíduo que não permite argumentação”, e se meus simples amigos – pessoas que, quando as conheci, pareciam normais – já não mais permitiam a argumentação, o que dizer do Estado?
A percepção de que “o mundo estava louco” não durou muito, também. Nada inerente à degradação civilizacional jamais fora acidental; tudo sempre foi meticulosamente planejado por intelectuais que acreditam piamente que “serão capazes de persuadir as massas a aceitarem seu domínio, que então será inteiramente desprovido de uma base coercitiva”, apenas por meio da educação, das modificações subversivas no código penal e na Constituição Federal, e na propaganda midiática ostensiva. Realmente acreditam ser capazes de derrubar todas as bases civilizacionais tradicionais, e instaurar o “novo normal”, seja lá o que isso for. Provavelmente as “proposições religiosas (na expressão cunhada por Raymond Aron, ‘religiões políticas’ ou ‘religiões seculares’) que […] trazem consigo, inerentemente, o altíssimo risco do desenvolvimento de projetos messiânicos que, na realidade, não passam de experiências totalitárias de poder”, como citou Tiago Pavinatto no excelente e elucidativo “Da Silva: A Grande Fake News da Esquerda”, uma realidade na qual a palavra de alguma casta política é mais valiosa do que a palavra de Deus.
Diante desta percepção, passa a fazer sentido: Nosso Senhor Jesus Cristo teve respeito pela vida alheia… Pode-se dizer o mesmo de políticos sedentos por poder?
Foi então que, com Olavo de Carvalho aprendi que o verdadeiro intelectual deve “alcançar, na máxima medida possível num dado momento histórico, a unidade do conhecimento na unidade da consciência e vice-versa”, e não se conformar com as asneiras de uma elite política revolucionária qualquer, cujo propósito, como disse René Guénon, “não é o desejo de alcançar conhecimento da verdade, mas provar que está certa apesar da oposição”, e que busca “manter um povo de mentalidade estreita confirmado na sua ilusão materialista por uma filosofia mesquinha”, com também escreveu Olavo.
Finalmente, dei-me conta, graças a Michael Oakeshott, de que nosso tempo, pautado pelo egoísmo e pela sede de dominação política, tem como “características dominantes do nosso meio o desperdício, a frustração, a dispersão de energia humana, a falta não apenas de um objetivo premeditado, mas, também, de uma direção discernível”, onde reina a confusão que por tanto tempo me assolou. Deixei de ser de Esquerda ao perceber que a confusão é o estado natural de seus simpatizantes, e eu cansei de me sentir sempre confuso.
Referências:
PONDÉ, Luiz Felipe. Guia Politicamente Incorreto da Filosofia. São Paulo: Leya, 2012. (Pg. 63)
AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Editora Nova Cultura Ltda, 1999. (Pg. 259)
KING JR., Martin Luther. Stride Toward Freedom: The Montgomery Story. New York: Harper and Row, 1958. (Pg. 202)
HILL, Christopher. O Mundo de Ponta-Cabeça. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. (Pg. 248)
SCHUON, Frithjof. O Homem no Universo. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001. (Pgs. 155, 156)
ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo. São Paulo : Companhia das Letras, 1990. (Pg. 424)
FRANKL, Viktor E.. Em Busca de Sentido. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1987. (Pg. 27)
PAVINATTO, Tiago. Da Silva: A Grande Fake News da Esquerda. São Paulo: Editora Almedina Brasil, 2023. (Pgs. 27, 28)
CARVALHO, Olavo de. A Filosofia e Seu Inverso. Campinas: Vide Editorial, 2012. (Pg. 63)
GUÉNON, René. The Crisis of the Modern World. New York: Sophia Perennis, 2001. (Pg. 66)
CARVALHO, Olavo de. O Mínimo que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota. Rio de Janeiro: Editora Record, 2013. (Pg. 65)
OAKESHOTT, Michael. Ser Conservador y Otros Ensayos Scépticos. Madrid: Alianza Editorial, 2017. (Pg. 20)