No Brasil, recentemente, a liberdade de expressão e a proibição da censura se tornaram temas prioritários no debate nacional, seja em discursos de agentes políticos, reflexões eminentemente jurídicas ou em conversas que compõem o cotidiano de inúmeros cidadãos atentos aos últimos desdobramentos da atuação dos Poderes da República.
De todo modo, a Constituição Federal de 1988 é bastante clara em relação à livre manifestação do pensamento e ao rechaço a qualquer tentativa de limitação indevida à expressão alheia.
No art. 5º, incisos IV e IX, a Constituição1 expõe os seguintes termos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; […]
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Veja que a Lei Maior brasileira assegurar a liberdade de manifestação do pensamento, desde que aquele que pretenda publicamente se expressar não se mantenha “escondido” mediante a utilização do artifício do anonimato. Em outras palavras, expresse-se à vontade, contanto que se identifique.
Além disso, também é livre de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Isso significa basicamente que, superadas as restrições a direitos fundamentais durante a vigência de regime de exceção, não se admite mais qualquer forma de censura no atual – ou pretenso – Estado Democrático de Direito.
Nessa linha, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.815/DF2, o Supremo Tribunal Federal (STF) também se manifestou a esse respeito. Na ocasião, a Suprema Corte decidiu que não é necessário “o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas)”.
Demais disso, a Corte frisou o que se segue:
“Autorização prévia para biografia constitui censura prévia particular. O recolhimento de obras é censura judicial, a substituir a administrativa. O risco é próprio do viver. Erros corrigem-se segundo o direito, não se coartando liberdades conquistadas. A reparação de danos e o direito de resposta devem ser exercidos nos termos da lei”.
Foi nessa oportunidade que a ministra relatora, Cármen Lúcia, disse estas palavras que tanto reverberaram nos meios de comunicação, especialmente a parte final:
“Este é um julgamento sobre o direito à palavra e a liberdade de expressá-la. Sem verbo, há o silêncio humano. Às vezes desumano. Por isso, a Constituição da República e todos os textos declaratórios de direitos fundamentais, ou de direitos humanos, garantem como núcleo duro e essencial da vivência humana a comunicação, que se faz essencialmente pela palavra.
No princípio era o Verbo. No Direito, o princípio e os fins definam-se em Verbo.
O sentido, o sabor e o saber da comunicação humana, condutores da história da humanidade – de cada um e de todos –, põem-se na palavra. Palavra é liberdade e convivência para a libertação de pessoas e de povos.
Na ciranda de roda da minha infância, alguém ficava no centro gritando: ‘cala a boca já morreu, quem manda em minha boca sou eu’. O tempo ensinou-me que era uma musiquinha, não uma realidade. Tentar calar o outro é uma constante. Mas na vida aprendi que quem, por direito, não é senhor do seu dizer, não se pode dizer senhor de qualquer direito”.
Pois bem. Enquanto a plena autoridade sobre o próprio dizer, em verdade, era apenas um versinho lúdico de cantiga juvenil, conforme reconhece a ministra, a realidade se impõe na presença constante da tentativa de calar o outro, privando-o, em pequenas doses, de um direito que lhe é juridicamente fundamental e inviolável, mas falivelmente restringível, tal como o é a natureza humana de quem decide pela imposição do silêncio alheio.
“Cala a boca já morreu…”. Bons tempos…
Foto: Dorivan Marinho/Midas Press
Referências:
1BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 18 nov. 2022.
2BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Ação direta de inconstitucionalidade n. 4.815, do Estado do Distrito Federal. Tribunal Pleno, Min. Cármen Lúcia, Julgamento: 10/06/2015, Publicação: 01/02/2016. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10162709. Acesso em: 18 nov. 2022.