Por: Caique Nobre
“O Bitcoin é um sistema de pagamentos eletrônico, descentralizado e ponto-a-ponto”, no qual os pagamentos podem ser realizados diretamente entre as partes envolvidas sem a necessidade de uma instituição financeira como intermediário. Diferentemente das transações realizadas com dinheiro fiduciário, na rede Bitcoin não é necessário um agente central de confiança.
O presente artigo tem como objetivo proporcionar aos leitores uma compreensão adequada sobre o Bitcoin, um sistema de pagamentos descentralizado e ponto-a-ponto. Inicialmente será necessário explicar conceitos como “dinheiro fiduciário, hard-money e intermediários de confiança”, pois sem entender tais conceitos, a compreensão do Bitcoin seria por certo vaga, razão pela qual muitas pessoas acreditem que seja um ativo meramente especulativo. Em seguida, serão abordadas de maneira sucinta as tecnologias que alicerçam a estrutura do Bitcoin e, por fim, suas possibilidades de uso.
Para que o material não se torne demasiado extenso, tratarei os assuntos principais com certa brevidade, deixando para aprofundá-los em artigos posteriores.
O dinheiro fiduciário
No início do século XX, o surgimento dos bancos centrais fez com que o governo possuísse o tentador poder de emitir papel-moeda, criando dúvidas sobre se o padrão-ouro estava, de fato, sendo respeitado. No entanto, partir de 1971, quando o padrão-ouro foi oficialmente abandonado pelos EUA, a moeda global oficial, o dólar, deixou de ter um lastro em uma commodity escassa e com alta relação estoque-fluxo. Isso também ocorreu com todas as demais moedas estatais e criou uma série de problemas que, de acordo com Rothbard (2013 p. 49 e 51), seriam os seguintes:
- Depreciação da moeda – O poder de compra vem diminuindo gradativamente, ocorrendo transferência de riqueza dos últimos a receberem o dinheiro para aqueles que o receberam primeiro (efeito cantillon);
- Distorção do sistema de preços e do cálculo empresarial – Este, por sua vez é o pior de todos os males, uma vez que transmite aos empreendedores informações equivocadas sobre a viabilidade dos negócios, resultando em malinvestments, ciclos econômicos, desemprego e crises agudas.
Hayek (2011 p. 62) afirma que “uma moeda cujo poder aquisitivo se espera que seja preservado em nível aproximadamente o mais constante possível, estaria em contínua demanda enquanto as pessoas tivessem liberdade de usá-la”. Se o cálculo econômico é uma ferramenta fundamental para que o empreendedor possa planejar e executar sua operação a fim de obter lucros financeiros, a unidade de conta deve ser apropriada de tal modo que seu valor se mantenha relativamente estável. Para que isso seja possível, a moeda deve possuir certas propriedades que tornem a criação de novas unidades monetárias algo difícil de ser realizado.
Hard Money
Um dinheiro cujo processo de produção de novas unidades monetárias seja relativamente difícil é chamado de “Hard Money” (AMMOUS, 2018). Ao longo da história, os seres humanos utilizaram como moeda diversos tipos de materiais que, até certo momento, eram difíceis de serem produzidos. Dentre eles, os principais foram as conchas, vidro, miçangas e metais preciosos (como a prata). Porém, quando novas tecnologias foram descobertas, esses tipos de dinheiro se tornaram obsoletos, justamente por não possuírem as propriedades intrínsecas a um hard money.
Segundo Ammous (2018), o que caracteriza um Hard Money é sua alta relação estoque-fluxo:
Podemos compreender a “dureza” de um dinheiro ao compreendermos duas unidades de medida distintas relacionadas à quantidade ofertada de determinado insumo: a primeira é seu estoque, correspondente à oferta existente e que engloba tudo o que foi produzido no passado, menos o que já foi consumido ou destruído; e o fluxo, que corresponde à produção extra que será realizada em um período subsequente. A relação entre estoque e fluxo é um indicador confiável sobre a “dureza” de um determinado insumo usado como dinheiro, bem como quão adequado ele será em sua participação monetária.
(AMMOUS, S. The Bitcoin Standard – The Decentralized Alternative to Central Banking. New Jersey: Wiley, 2018. p. 20)
O autor ainda menciona que somente um hard money pode ser eficazmente utilizado como unidade de conta e tornar possível o complexo processo de cálculo econômico empresarial (2018. p. 23).
Pagamentos intermediados
Após a revolução das telecomunicações em 1950, quando o primeiro computador programável foi inventado, diversas soluções para problemas contemporâneos começaram a surgir (AMMOUS, 2018). Conforme o mundo se tornava mais interconectado e globalizado, o comércio também estendeu suas fronteiras através dos continentes, possibilitando uma maior divisão do trabalho. Todavia, realizar pagamentos apenas com dinheiro físico limitava essas operações, uma vez que requeria a presença física de ambas as partes.
A partir dos avanços ocorridos no período supracitado, os sistemas de pagamentos digitais começaram a surgir, possibilitando que as pessoas pagassem suas contas utilizando cartões de débito e crédito. Esses eram os “pagamentos intermediados” que, por definição, envolvem uma terceira parte de confiança para intermediar as transações financeiras entre as partes (AMMOUS, 2018). Apesar de esse novo sistema de pagamentos ter estendido as possibilidades de comércio para além das fronteiras geográficas, ele possui certas vulnerabilidades, como o risco de o intermediário deixar de ser confiável.
Ao decorrer das décadas, foi possível observar diversos problemas envolvendo empresas que atuavam como intermediários de confiança nos sistemas de pagamentos digitais, principalmente no que tange a fraudes e vulnerabilidades em sua estrutura.
Empresas como Visa, Dun e Bradstreet e Underwriter’s Laboratories, dentre outras, conectam desconhecidos a uma rede de confiança comum. Nossa economia depende deles. Muitas nações em desenvolvimento não possuem esses “hubs de confiança” e seriam muito beneficiadas se pudessem estar conectadas aos mesmos. Enquanto essas organizações frequentemente apresentam vulnerabilidades – companhias de cartões de crédito, por exemplo, possuem diversos problemas envolvendo fraudes, roubo de identidades e relatórios imprecisos, e a empresa Barings recentemente esteve arruinada devido aos seus sistemas de controle não terem se adaptado adequadamente ao comércio de capitais – por serem grandes elas provavelmente estarão conosco por muito tempo.
(SZABO, N. Trusted Third Parties are Security Holes. Satoshi Nakamoto Institute, 2001)
Nick Szabo também aborda o problema envolvendo os mecanismos de incentivos implícitos nesse mercado. Além de ser muito mais lucrativo se tornar um novo intermediário de confiança, como a nova “Visa ou Verisign”, arquitetar sistemas alicerçados sob a confiança de terceiras partes é muito mais cômodo do que tentar apresentar soluções para o problema da confiança (SZABO, 2001). Ademais, caso o problema não seja resolvido e tenhamos que depender de intermediários por muito tempo, essas grandes companhias seriam fortemente beneficiadas. Segundo o autor, “fazer com que bens de propriedade privada devessem sempre depender da aprovação de terceiros de confiança é, na grande maioria dos casos, inaceitável”, corroborando com a ideia de que não precisamos aceitar os problemas e limitações atuais como dados imutáveis, mas sim buscar soluções adequadas e reduzir ainda mais esses desajustes.
A solução apresentada por Satoshi Nakamoto: O Bitcoin
De acordo com a definição de seu criador, Satoshi Nakamoto (2008), “o Bitcoin é um sistema de pagamentos eletrônico, descentralizado e ponto-a-ponto”, no qual os pagamentos podem ser realizados diretamente entre as partes envolvidas sem a necessidade de uma instituição financeira como intermediário. Diferentemente das transações realizadas com dinheiro fiduciário, na rede Bitcoin não é necessário um agente central de confiança, de modo que os usuários da rede, denominados “mineradores”, são os responsáveis pela validação das transações e detecção de possíveis fraudes. As unidades monetárias são chamadas de bitcoins (com “b” minúsculo”) e suas frações são denominadas satoshis (sats). Cada unidade de bitcoin possui 100.000.000 sats (cem milhões de satoshis).
O Bitcoin foi o primeiro ativo digital com escassez absoluta, e isso só foi possível após Nakamoto combinar as tecnologias de hashing, assinaturas digitais e prova de trabalho (proof-of-work) (AMMOUS, 2017. p.176 e 200). O primeiro bloco minerado na rede continha a mensagem do jornal americano “The New York Times”, de 3 de janeiro de 2009, cuja capa informava que o governo americano iria oferecer um novo socorro (bailout) aos principais bancos responsáveis por causar a expansão creditícia que resultou na bolha imobiliária de 2008.
A oferta total de bitcoins foi programada para não ultrapassar 21 milhões de unidades, sendo que a taxa de inflação é reduzida pela metade sempre que novos 210.000 blocos são minerados, o que ocorre em média a cada 4 anos (ARANHA, 2021). Essa mudança na taxa de inflação foi denominada halving, e é justamente essa escassez absoluta que possibilita ao Bitcoin ter o potencial de ser utilizado como moeda, a depender da aceitação do mercado.
Para que seja possível entender de fato o Bitcoin e suas vantagens, é fundamental compreender os conceitos técnicos das tecnologias que lhe são indissociáveis, bem como das recentes atualizações que serão abordadas em artigos posteriores.
Blockchain
Segundo a definição da IBM (2017), “Blockchain é um livro-razão compartilhado e distribuído que facilita o processo de registro de transações e rastreamento de ativos em uma rede comercial”. Usualmente, os livros razão são centralizados e não necessariamente são divulgados para todos os envolvidos no sistema, bem como apenas um grupo de pessoas é responsável por inserir as informações que nele serão registradas. Esse sistema de registro centralizado é utilizado por bancos, setores de contabilidade empresarial, hotéis, cartórios, universidades, registros médicos etc.
Já em um livro-razão descentralizado, como a blockchain, são os usuários que inserem e validam as informações da rede. Transmitir todas as informações para os usuários da rede, de modo que possam validar as transações, acarreta custos significativos em termos de energia computacional, lentidão e ineficiência relativa, se comparada com sistemas centralizados. Sendo assim, a única aplicação vantajosa para a blockchain seria para criar um sistema de pagamentos descentralizado, como é o caso do Bitcoin (AMMOUS, 2016).
Prova de trabalho (Proof of work)
Segundo Ammous (2016), o que alicerça a blockchain é a “prova de trabalho” – Proof-of-Work – isto é, um mecanismo no qual os usuários (mineradores) possam competir entre si para validar as transações, através de gasto de processamento computacional (CPU). A equipe Blockstream (2024) define o conceito da seguinte forma:
Proof-of-work (PoW) é o nome dado ao algoritmo que alicerça a blockchain do Bitcoin, processamento de transações, facilita o mecanismo de consenso e mineração de novos bitcoins. No PoW, mineradores da rede Bitcoin competem entre si para resolver complexos problemas matemáticos a partir de gasto computacional, que é mensurado em “hashrate”. O primeiro minerador que resolver o enigma do bloco é recompensado em bitcoin (e com taxas adicionais) e recebe o direito de atualizar a blockchain.
(BLOCKSTREAM. Proof-of-Work (PoW). Acesso em 25 ago 2024)
Ao depender de gastos computacionais para competirem pelo direito de validar as transações, os incentivos dos mineradores se alinham com o propósito de manter a rede íntegra e sustentável. Do contrário, realizar grandes gastos sem o intuito de colaborar efetivamente com a rede seria puro desperdício de recursos e comprometimento do sistema como um todo.
Hashing
Após programar a blockchain e criar os mecanismos de incentivo corretos, via prova de trabalho, Nakamoto (2008) teve que adotar o processo de hashing para manter a integridade das transações na rede Bitcoin:
O processo de hashing significa transformar uma informação em uma sequência de caracteres, a partir de um processo de criptografia. Esse processo não pode ser revertido, garantindo a segurança e integridade dos usuários. (…) Em essência, o hashing permite que uma informação venha a público sem revelar qualquer dado adicional, sendo possível aplicar essa ferramenta para assinaturas digitais, reconhecimento de endereços da rede Bitcoin (BIP) e proof-of-work.
(AMMOUS, S. The Bitcoin Standard – The Decentralized Alternative to Central Banking. New Jersey: Wiley, 2018. p. 190)
Em 2002, Adam Back criou um mecanismo que seria utilizado para evitar abusos de spam na internet: o hashcash cost-function (BACK, 2002). De maneira simplificada, essa função tem por finalidade exigir que determinadas ações, como enviar e-mails ou criar ativos digitais (tokens), exija uma determinada quantidade de trabalho computacional (CPU). Esse tipo de trabalho é direcionado especificamente para a resolução de problemas computacionais (challenges). criados pelo servidor. Esse trabalho naturalmente exige energia, que é um recurso precificado no mundo real.
Apesar de o processo desenvolvido por Adam Back possuir elevada demanda de energia para participação, é possível auditar esse processo publicamente e com custos quase nulos. Isso torna ainda mais difícil realizar operações fraudulentas, como o “gasto duplo”, um problema comum ao realizar transações utilizando ativos digitais que normalmente poderiam ser copiados infinitamente. Caso sejam detectadas tentativas de realizar gastos diversos com o mesmo token, a própria rede poderia excluir as transações.
Possibilidades para utilização do Bitcoin
a) Reserva de valor
O Bitcoin foi programado para possuir no máximo 21 milhões de tokens BTC em toda a sua existência, o que segundo estimativas deverá se concretizar por volta do ano 2140. Oferecer essa escassez absoluta só foi possível através da combinação das tecnologias mencionadas anteriormente, permitindo que o Bitcoin seja capaz de reter valor no tempo. Até mesmo os imóveis, utilizados como poupança por muitos americanos nas últimas décadas, sofreram quedas acentuadas no preço devido ao aumento excessivo de sua oferta estimulado pelos bancos comerciais e governo do EUA. (AMMOUS, 2018)
Ainda que a demanda por bitcoins aumente exponencialmente, isso não irá alterar sua oferta ou a sua inflação, pois já estão devidamente ajustadas na rede. Resta evidente que o Bitcoin possui uma alta relação estoque-fluxo e, conforme mencionado no início do artigo, essa é uma característica fundamental para que determinada moeda possa um dia se tornar uma reserva de valor.
b) Soberania individual
As moedas de curso legal são estabelecidas pelos governos para adoção em seu território, de modo que um credor não possa recusá-la no momento de liquidação de dívidas e realização de pagamentos (HAYEK, 2011. p 43). Quando os indivíduos são obrigados por lei a utilizá-las, eles estão sujeitos às consequências dos frequentes erros de política monetária dos bancos centrais, que muitas vezes resultam na depreciação dessas moedas.
Ao longo da história, algumas tentativas de circulação de moedas privadas por parte de banqueiros foram proibidas ou cooptadas pelos governos, que não possuem interesse algum em perder sua soberania (HAYEK, 2011. p 41). Logo, seria necessária uma moeda cuja existência não dependesse de aprovação governamental e nem da intermediação centralizada para seu funcionamento.
Por ser um ativo puramente digital, o Bitcoin pode ser armazenado em carteiras (wallets) privadas cujo controle esteja ao alcance dos indivíduos, possibilitando a “auto custodia”. Dessa forma, pessoas em locais remotos e sem acesso a serviços bancários (como em regiões afastadas na África e Oriente Médio) poderiam acessar a rede sem a necessidade de serviços bancários.
c) Sistema de pagamentos online
Por muito tempo o ouro foi utilizado como ativo que lastreava o papel-moeda, até que em 1933 passou a ser centralizado pelo governo e, em 1971, deixou de servir como lastro para o dinheiro, que agora passou a ser puramente fiduciário. Esses eventos impediram que o ouro pudesse ser utilizado como meio de troca entre indivíduos em localidades geográficas distintas.
De acordo com Saifedean Ammous (2018. p. 205), “a invenção do Bitcoin criou um novo mecanismo alternativo e independente para pagamentos internacionais, não necessitando da confiança de nenhum intermediário e podendo operar separadamente do sistema financeiro tradicional”. Sendo assim, qualquer indivíduo pode transferir quantias de bitcoins para outras pessoas sem a necessidade de divulgação de suas identidades, restando evidente que, independentemente de lobbys, censuras e repressão estatal, eles podem continuar transacionando entre si. Ainda segundo Ammous (2018. p 206), “a vantagem comparativa do Bitcoin frente às outras moedas existentes seria a de permitir que grandes quantidades possam ser transportadas por longas distâncias”. Essa propriedade permite que indivíduos possam transportar seus bitcoins na quantidade que desejarem e sem correr o risco de serem presos por evasão de divisas, como é possível ocorrer em aeroportos.
d) Unidade de conta global
Essa é uma potencialidade que provavelmente poderá demorar para se estabelecer de fato. Praticamente todos os indivíduos utilizam moedas fiduciárias em suas transações cotidianas, ou para importar e exportar produtos. A utilização de uma moeda global reduziria a necessidade de conversão de diferentes moedas, facilitando o cálculo econômico em escala global (Ammous, 2018. p. 211).
Por ser um ativo relativamente recente, com quase 16 anos, e por possuir uma oferta inelástica em relação à sua demanda (isto é, mesmo que sua demande aumente, sua oferta não sofrerá alteração), o bitcoin ainda apresenta variações consideráveis em seu preço. Essa talvez seja a maior dificuldade para aplicá-lo como unidade de conta global. Entretanto, ao ser adotado por uma considerável parcela da população mundial, ainda que indiretamente, o bitcoin poderia ter seu valor estabilizado de forma que transações diárias sejam apenas marginais se comparadas com a quantidade total (Ammous, 2018, p. 211).
Todavia, para que o Bitcoin atenda de fato às últimas duas possibilidades, de modo a talvez substituir o sistema financeiro global, é imprescindível que sua blockchain seja escalável, de modo a atender as diversas necessidades dos consumidores em seu cotidiano.
Solução de 2ª camada – Lightning Network
A desvantagem de uma rede descentralizada e distribuída é que o processo de armazenamento e registro de todas as transações é mais oneroso do que sistemas centralizados, que conseguem armazenar esses dados em uma única rede de servidores e com alguns poucos backups (Ammous, 2018). Isso representa um grande desafio para a escalabilidade da blockchain do Bitcoin, principalmente para a realização de micropagamentos, isto é, pagamentos cotidianos de pequeno valor.
Em 2016, Joseph Poon e Thaddeus Dryja propuseram uma possível solução para o problema de escalabilidade do Bitcoin: a Lightning Network (rede relâmpago). Em seu whitepaper eles afirmaram que, enquanto em 2013 a Visa era capaz de realizar 47.000 transações por segundo (tps), a rede Bitcoin realizava apenas 7 transações por segundo e com limite de 1 megabyte por bloco (POON; DRYJA, 2016).
Uma vez que na blockchain todas as transações são divulgadas para todos os usuários, é difícil imaginar como torná-la escalável sem recorrer a intermediários de confiança, como a Visa. No entanto, a solução de segunda camada proposta por Poon e Dryja (2016), a Lightning Network, teve como objetivo possibilitar a existência de canais de micropagamentos fora da camada principal, de modo que nem todas as transações fossem transmitidas para a rede.
Basicamente, na segunda camada as transações ocorrem de modo quase instantâneo, sendo que apenas as informações de abertura e fechamento de canais de pagamento é que são transmitidas à rede principal. Dessa forma, a rede principal não é sobrecarregada com pequenas transações cotidianas e de baixo valor.
Taproot e Contratos Inteligentes
Em 2021, mais de 90% dos usuários na rede Bitcoin votaram para que uma nova atualização fosse implementada na Lightning Network: a Taproot. Essa atualização permitiu que contratos inteligentes fossem implementados na camada mais escalável do Bitcoin, assegurando a privacidade e melhorando a eficiência da rede (WIRDUM, 2019). Muito relevantes para a rede Bitcoin, os contratos inteligentes (smart contracts):
são contratos auto executados e armazenados em uma blockchain. Eles automaticamente executam os termos predefinidos quando foram programados, eliminando a necessidade de intermediários. Podemos imaginá-los como acordos digitais que impõem restrições a si mesmos os termos, garantindo que as transações sejam completadas conforme as condições estipuladas. Essa automação pode reduzir custos, acelerar os processos e reduzir as chances de erros humanos.
(KAUR, G. What are smart contracts, and how do they work? Cointelegraph, 22 ago. 2024)
Em relação à segurança e privacidade, a nova atualização também incluiu a “assinatura de Schnorr”, possibilitando a aplicação de multi-assinaturas envolvendo chaves públicas e privadas, tornando-as indistinguíveis. Ao permitir o funcionamento de contratos inteligentes na Lightning Network, foi possível o surgimento de um novo tipo de empresas: as empresas nativas em Bitcoin. Essas empresas possuem suas atividades diretamente relacionadas com a rede, bem como seu sucesso está diretamente relacionado ao sucesso do Bitcoin.
Conclusão
Apesar de infelizmente estarmos acostumados com a ideia de que o “dinheiro perde o valor no tempo”, como se isso fosse algo indissociado de sua natureza (o que certamente não é), hoje possuímos uma tecnologia que poderia finalmente nos dar a oportunidade de utilizar um hard-money e, com isso, não mais observar nosso patrimônio constantemente perder valor no tempo.
Outras oportunidades ainda poderão surgir, a partir da Lightning Network e Taproot, como empreendimentos que funcionem exclusivamente na rede do Bitcoin. Tais empresas poderão contribuir para que ainda mais desajustes do mercado sejam resolvidos, ao atrelar suas operações em uma rede em que não sejam necessários intermediários de confiança. Como mencionado no início do artigo, grande parte dos conceitos aqui abordados serão explicados com maior profundidade em artigos posteriores.
Lembre-se: Antes de adquirir seus primeiros satoshis (sats), é imprescindível realizar uma minuciosa pesquisa sobre qual corretora utilizar, qual tipo de carteira (wallet) será utilizada para armazenar seus fundos e como se prevenir em relação a golpes financeiros e cibernéticos.
REFERÊNCIAS
AMMOUS, S. Blockchain Technology: What is it good for? 2016.
AMMOUS, S. The Bitcoin Standard – The Decentralized Alternative to Central Banking. New Jersey: Wiley, 2018.
ARANHA, Christian. BITCOIN, BLOCKCHAIN E MUITO DINHEIRO: Uma nova chance para o mundo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Valentina, 2021
BACK, A. Hashcash – A Denial of Service Counter-Measure. 2002.
BLOCKSTREAM. Proof-of-Work (PoW), 2024.
GUPTA, M. What is blockchain?
HAYEK, F. A. A desestatização do dinheiro. 2a ed. São Paulo: (2011).
KAUR, G. What are smart contracts, and how do they work? Cointelegraph, 22 ago. 2024.
POON, J.; DRYJA, T. The Bitcoin Lightning Network: Scalable Off-Chain Instant Payments. 2016.
ROTHBARD, M. N. O que o governo fez com nosso dinheiro? 1a ed. Instituto Mises Brasil, 2013.
SZABO, N. Trusted Third Parties are Security Holes. Satoshi Nakamoto Institute, 2001.
WIRDUM, A. VAN. Taproot is coming: What it is, and how it will benefit Bitcoin. Bitcoin Magazine, 2019.