Ponte pode ser entendida como algo que liga coisas que estão separadas e o próximo, os nossos irmãos de caminhada, pode ser a ligação entre nós e Deus.
Como espíritos simples e ignorantes, desconhecedores da verdade mas em busca dela, somos imperfeitos, repletos de egoísmo, orgulho e vaidade. Entretanto, Cristo nos deixou a regra de ouro “amar a Deus sobre todas as coisas e a teu próximo como a ti mesmo”, o que nos dá um farol seguro para nossas escolhas em nossa vida. Também falou em 1 João, 4:20: “Se alguém diz: eu amo a Deus e aborrece a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama o seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?”
Aquele que professa ser adorador de Deus e seguidor de suas leis mas que trata mal o seu irmão seria mentiroso, um trapaceiro de si mesmo. Porque se não cumprimos o nosso dever com nosso irmão, então o que diremos sobre os nossos deveres para com Deus? Disso podemos inferir que é preciso nos entendermos com nossos irmãos próximos para ao mesmo tempo nos entendermos com Deus. Uma coisa está ligada a outra.
O relacionamento com o próximo serve de ponte para Deus porque é por esse meio que podemos exercitar a moral de Jesus que pode ser resumida na caridade e humildade. A Lei de Sociedade, uma das Leis Morais, nos orienta que o homem foi criado para viver em grupo, em comunidade, e por isso nos imbuiu de relativas qualidades para a vida em relacionamentos. Devemos concorrer para o progresso conjunto, auxiliando-se mutuamente, pois o homem isolado não pode adiantar-se dado que não possui sozinho todas as faculdades. Vivemos, então, em comunidade, casamos, cuidamos dos filhos, trabalhamos, nos divertimos. Tudo se arranja para que possamos nos exercitar moralmente uns com os outros.
Contudo, é também por meio da vida em conjunto que descortinamos algumas imperfeições. Ciúme, inveja, ganância, preguiça, ira e tantos outros sentimentos e emoções que nos fazem sofrer e infelizes, nos afastam de Deus e promovem um real inferno pessoal. O egoísmo, o orgulho e a vaidade afloram especialmente quando convivemos entre outras pessoas.
Por outro lado, é juntamente com nossos irmãos de convívio que nós podemos exercitar a base e resumo de toda a lei de Deus, a lei de justiça, amor e caridade. Tal prescrição consiste em cada um respeitar os direitos dados por Deus. Fazer aos outros todo o bem que estiver ao nosso alcance e que desejarmos para nós, relevar as imperfeições alheias e perdoar aqueles que nos ofenderam. Isso inclui o “domar as más tendências”, conforme salienta Kardec: se sou avarento, tentar ser pródigo; se sou arrogante, tentar ser humilde; se sou impaciente, tentar ser paciente.
Não há dúvida que domar as más tendências é um passo importante para produzir um ambiente mais harmônico. No entanto, não basta. Pode dar a ideia de um cão raivoso segurando ou mordendo o próprio rabo, na tentativa de conter os seus impulsos animais. Ele pode conseguir impedir que ele mesmo morda alguém, mais seu ímpeto, seu instinto, continuará incitando-o a morder ou atacar.
E isso, por vezes, acontece conosco. Enquanto eu estiver apenas me domando, corrigindo meus comportamentos para ser bom, pode não ter havido uma transformação verdadeira. É preciso haver a mudança interior, pela qual eu não me exalto e também não preciso me controlar, como o cão raivoso mencionado. O esforço de mudança comportamental, embora fundamental, é um esforço de fora para dentro, pois uma pessoa domada pode não ser uma pessoa transformada no seu íntimo.
De fato, o ambiente externo produz os estímulos mas não é a causa das imperfeições, das dores, dos erros. A causa dos meus males morais sou eu mesmo, está dentro de mim e se origina da maneira que interpreto, percebo o mundo e do valor que dou mais ou menos às coisas. Por isso, a transformação moral em busca da felicidade verdadeira deve começar de dentro do ser e de lá irradiar para o universo.
Como exemplo, um ladrão pode deixar de roubar alguém, mas pode ainda ser invejoso do bem que a outra pessoa possui. Assim, não agride o próximo na propriedade dele, e isso é bom, mas dentro dele ainda pode habitar a imperfeição moral. Tal qual um “túmulo caiado”, se mostra bem apresentado por fora mas por dentro preserva vício e más tendências. Sendo assim, como disse Kardec: “leis restritivas apenas mascaram os vícios”, pois limitam as liberdades, mas não têm o condão de transformar as pessoas, servem apenas para enjaular o “cão raivoso”, o qual, se liberto, voltará a morder e a causar mal.
Por trás dos vícios e paixões existe um ego exacerbado, um personalismo doentio. Os interesses pessoais extrapolam os direitos naturais e atentam contra a justiça divina, contra a lei de Deus. É preciso então, auto descobrir-se, conhecer a si mesmo, fazer a mudança de dentro para fora, estudar e meditar sobre si tendo como padrão a verdade trazida por Cristo, e aos poucos dar lugar à parte de Deus que o egoísmo impede de se manifestar. Removido o ego doentio, Deus se apresentará como humildade, tolerância, bondade e demais virtudes.
O próximo é nossa ponte para Deus porque é por meio dos relacionamentos que temos indicação de nossas imperfeições, de vícios e paixões. E é no exercício diário com familiares, amigos, colegas de trabalho que podemos aparar nossas arestas morais que nos machucam e fazem machucar.
Primeiro domando nossos ímpetos mais primitivos e depois, e principalmente, pela reflexão do conhecer a si mesmo. Pois a busca pelo porquê da minha dor, do porquê da minha raiva, da inveja, do ciúme, da ganância, me fará encontrar, não um mundo perverso ao meu redor, mas o meu próprio eu doentio e egoístico, o qual impede a manifestação da parte divina que me cabe pela criação.
Ao sanar e erradicar os males que julgo ter origem no próximo, mas que na verdade encontram-se em meu interior, pavimento a ponte que me ligará a Deus, a qual também pode ser entendida como a ponte que me ligará à felicidade verdadeira da consciência tranquila e confiança no futuro.
Por fim, depois disso refletido, ao observarmos alguém que nos cruza o caminho façamos a pergunta à nossa consciência: o que devo transformar em mim para, por meio desse irmão, me aproximar de Deus?
Paz e bem.
Referências:
Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. FEB, 2013.
Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos. FEB, 2013