O sistema federativo é um sistema de constituição do estado fundado na menor intervenção estatal na vida do indivíduo, com a repartição máxima do poder político e estatal, o qual propicia e maximiza o desenvolvimento da liberdade. Podemos utilizar como base os Estados Unidos, nação na qual a liberdade teve um desenvolvimento muito superior à de qualquer outra região do planeta. Isso se dá pelo respeito que este sistema proporciona a cada indivíduo dentro de sua comunidade, com primazia no princípio da subsidiariedade descrito por Alexis Tocqueville. Seguindo estes preceitos, o que se tem é um sistema político e estatal reduzido, contido e bem delimitado, evitando, assim, que o estado adentre além do “necessário” na vida do indivíduo, deixando-lhe com a maior liberdade de atuação e de escolha possíveis.
SOBRE FEDERAÇÃO E FEDERALISMO
A federação, trata-se de um sistema de constituição de estados, no qual vários estados acabam por unirem-se visando objetivos comuns. Cada um dos entes federados, que pretendem integrar a União, dará uma parcela de sua soberania e autonomia para que haja uma coesão entre todos aqueles que buscam a integração.
Este sistema tem como objetivo primordial a descentralização de poder. A União terá apenas os poderes necessários para a manutenção da federação, os estados federados, continuarão a manter sua regionalidade e especificidades legislativas, em tudo aquilo que diz respeito as peculiaridades que lhes são pertinentes.
Sua origem remonta no ano de 1787, nos Estados Unidos, a qual previa que a federação seria uma forma de constituição do estado em que o objetivo deveria prever a descentralização do poder político e estatal.
Tornou-se necessária tal descentralização, pois as primeiras formas organizacionais do estado possuíam todo o poder na mão dos reis, déspotas ou de determinada classe, o que sempre gerava conflitos internos e por consequência a destruição do estado de dentro para fora. Somado a isso, havia sempre o incômodo dos indivíduos não terem seus costumes e valores preservados. O que se tinha era a imposição dos costumes e valores daqueles que estavam no poder. Entretanto, não apenas a separação das fronteiras é capaz de garantir a liberdade que uma federação pode oferecer, é também necessário que as regras, o federalismo, seja bem aplicado.
Federalismo é o conjunto de regras, normas e princípios que permitem a gerência da Federação. Essas regras, normas e princípios dizem respeito a forma da descentralização a ser realizada ou já realizada.
Todo este arcabouço de requisitos tem de ser respeitado, principalmente em estados continentais, como no caso dos EUA e do Brasil, onde é possível ter culturas, costumes e princípios, completamente diferentes nas mais variadas regiões, Montesquieu (2004) há muito já havia notado:
Várias coisas governam os seres humanos: o clima, a religião, as leis, as máximas do governo, os exemplos das coisas pretéritas, os costumes, as maneiras, sendo que o resultado de tudo isso é o espírito geral formado. (MONTESQUIEU, 2004, p. 325).
Em não havendo o respeito quanto a estas regras o que se tem é um estado despótico e controlador, Alexis Tocqueville (1973), em seu livro, Democracia na América, aponta que em grandes nações o legislador será obrigado a uniformizar a lei:
Nas grandes nações, o legislador é obrigado a dar às leis caráter uniforme, que não comporta a diversidade de lugares e dos costumes; não estando a par dos casos particulares, não pode proceder se não através de regras gerais; os homens são então obrigados a inclinar-se diante das exigências da legislação, pois esta não pode acomodar-se as necessidades e costumes dos homens, o que se torna causa importante de distúrbios e misérias. (TOCQUEVILLE, 1973, p. 215-216).
O federalismo, portanto, vem como uma forma de concretizar a federação, tendo em vista que apenas a divisão das fronteiras dentro da União não torna um estado em uma federação, apenas tornar-se-á federação caso haja observância das particularidades regionais respeitando-as, aplicando as regras pertinentes ao federalismo, as quais tem por base o princípio da subsidiariedade.
A descentralização de poder com base no Princípio da Subsidiariedade
Tem-se por princípio da subsidiariedade a liberdade e a responsabilidade que é dada ao indivíduo para poder executar seus planos e perseguir suas vontades sem a interferência direta do estado. O estado, com base neste princípio, seria apenas um mero espectador/facilitador/garantidor, mas nunca um interventor. Ou seja, o indivíduo é o primeiro responsável por seu desenvolvimento, posteriormente seguindo para a família, comunidade, cidade, região, estado e por último país. Há toda uma cadeia de agentes antes de haver uma intervenção estatal direta.
A importância de tal princípio é tamanha que sem sua observância não será possível constituir uma federação. É com base neste princípio que o indivíduo terá sua liberdade garantida, que a comunidade poderá reger-se livremente, de acordo com aquilo que faz parte de sua cultura e costumes. Para tanto, Alexis Tocqueville (1973) fez uma análise muito interessante de como deverá ser a distribuição de competências, deveres e direitos entre União e estados:
Os deveres e direitos do governo federal eram simples e fáceis de definir, pois a União havia sido formada com o fim de responder a algumas grandes necessidades gerais. Os deveres e direitos dos Estados eram, ao contrário, múltiplos e complicados, já que esse governo penetrava em todos os detalhes da vida social.
Definiram-se, portanto, com cuidado as atribuições do governo federal, e declarou-se que tudo que não estava contido na definição caía nas atribuições do governo dos Estados. Assim o governo dos Estados tornou-se o direito comum; o governo federal tornou-se a exceção. (TOCQUEVILLE, 1973, p. 209).
Veja, é necessário ter em mente que cada ser sabe ou deve saber aquilo que é melhor para si, e que comandos, leis ou deveres que venham de muito longe, em nada terão a agregar na vida de um indivíduo. De tal maneira, importante ressaltar que Hamilton, Madison e Jay, apresentaram em seus artigos que receberam o nome de “O Federalista”, uma defesa a o princípio da subsidiariedade, sendo muito importante destacar o seguinte:
Já está visto que, tanto no governo antigo como no novo, os poderes gerais são limitados: e que em todos os casos não excetuados os Estados gozam de toda a plenitude de sua jurisdição e soberania. (HAMILTON; MADISON; JAY, 2003, p. 246).
Ao apontar a limitação dos poderes gerais há um reconhecimento da necessidade de autodeterminação do indivíduo e de sua liberdade. Quanto menos poder nas mãos na União e mais fragmentado estiver, mais livres serão os indivíduos.
Hayek (2022, p. 186), em seu livro, “A constituição da liberdade”, faz uma defesa impecável à liberdade, defendendo que haja uma restrição no poder do estado, “não há dúvida de que uma sociedade livre precisa de meios permanentes de restrição de poderes do governo, seja qual for o objetivo particular do momento”.
O fator preponderante que torna o princípio da subsidiariedade em uma garantia à liberdade é que com sua aplicação os poderes municipais, estaduais e federais serão concorrentes entre si. Essa concorrência entre os poderes gera uma espécie de salva guarda para a liberdade. O poder que os estados e municípios têm em criar suas próprias leis locais e regionais é o motivo que dá sentido a liberdade, que dá espaço para que o indivíduo possa viver de acordo com seus princípios, que por muitas vezes são divergentes e conflitantes com outras regiões do mesmo país. Neste sentido, muito válido é o posicionamento Frédéric Bastiat (2016), em seu livro, “A lei”, no qual faz uma grande apologia a liberdade:
[…] em qualquer parte do horizonte científico em que eu coloque o ponto de partida de minhas investigações, chego, invariavelmente, ao seguinte: a solução do problema social está na liberdade. (BASTIAT, 2016, p. 130).
O princípio da subsidiariedade é uma garantia a liberdade por limitar a lei, por dar o espaço necessário ao indivíduo para que não seja esmagado pelo poder estatal.
CONCLUSÃO
A liberdade é primordial para a existência do indivíduo, sem a liberdade ele não passará de um objeto do estado. Desta forma, o princípio da subsidiariedade tem um papel fundamental na garantia da liberdade individual, pois que dá suporte, respaldo, limitando a lei, fazendo com que o maior poder político, o da União, não suprima a existência do indivíduo. Essa garantia se dá pela legislação concorrente e, em certa qualidade, exclusiva, reservada aos estados e municípios que terão a primazia em legislar sobre as peculiaridades locais e regionais, excluindo-se qualquer intromissão da união naquilo que não seja, em última análise, essencial para a boa existência da federação como um todo.
Portanto, com base neste princípio há uma maior eficiência legislativa, assim como uma proteção ao indivíduo dos desmandos e abusos legislativos dos poderes superiores.
REFERÊNCIAS
BASTIAT, Frédéric. A lei. 1. ed. Barueri: Faro Editorial 2016.
HAMILTON, A.; MADISON. J.; JAY, J. O Federalista. 1. ed. Belo Horizonte: Editora Líder, 2003.
HAYEK, F. A. A constituição da liberdade. 1. ed. São Paulo: Avis Rara, 2022.
MONTESQUIEU, C. L. S. Do espírito das leis. 1. ed. São Paulo: Edipro, 2004.
TOCQUEVILLE, Alexis. A Democracia na América. Coleção “Os Pensadores”. São Paulo: Abril Cultural, 1973.