Pensemos em todos os avanços da humanidade dos últimos anos, todos os exames de imagem, remédios, vacinas, técnicas cirúrgicas, técnicas de cultivo agropecuário, inovações tecnológicas, energéticas, financeiras, logísticas, toda informação gratuita na palma de nossas mãos, em nossos smartphones e o que mais houver.
Tais evoluções são inegáveis, estão em nossa frente dia após dia, e ainda assim, segundo os estudos do médico e estatístico sueco Hans Rosling (2019), a percepção geral das pessoas ao redor do planeta inteiro é que “o mundo está piorando”. Em seus estudos, Rosling expõe que a perspectiva da maioria das pessoas em relação às dificuldades humanas globais está estagnada há décadas em um pessimismo injustificado e em uma cisão global entre países e pessoas ricas e pobres. As pesquisas na área, porém, indicam o contrário, denotando, de fato, um mundo em transformação, com cada vez menos pobreza e miséria, menos doenças, menos guerras e maior abundância, não apenas a uma gama de favorecidos, mas a todos senão àqueles presos em sistemas de governo ditatoriais, socialistas ou em constante conflito armado.
Durante centenas de milhares de anos a humanidade viveu abaixo da linha da miséria, e apenas a partir do século XVII este quadro começou a mudar. No ano de 1800, segundo Deirdre McCloskey (2022, p.21) “a média miserável de produção e consumo por pessoa era de cerca de 3 dólares (atuais) por dia. Mesmo nos recém-prósperos Estados Unidos, na Holanda e Grã-Bretanha, era de meros 6 dólares”.
Recentemente tal poder de consumo atingiu a média mundial de 33 dólares por dia, sendo a média norte-americana 130 dólares. A quantidade de pessoas vivendo abaixo da linha da miséria tendo decaído de 85% da humanidade nos anos 1800 para 50% em 1966 e para 9% em 2017, segundo Rosling (2019, p.93).
Gale Pooley e Marian Tupy (2022) fazem análises do poder de consumo de fatias da população em uma estrutura de referência ainda mais precisa e interessante que o simples valor em dólares. Tomando a concepção de que o dinheiro representa o tempo das pessoas dedicado ao trabalho, desenvolveram o sistema ao qual dão o nome de “preços-tempo” (tradução livre, no original: “time-prices”), isto é, o tempo de trabalho necessário para que uma pessoa possa comprar um determinado bem ou serviço. Tal metodologia permite-nos perceber a abundância crescente no mundo com maior clareza, e de forma mais palpável do que apenas comparando números precedidos de cifrões.
Um notável exemplo, dentre os 18 recortes feitos pelos autores, é o da cesta de 26 commodities de Daniel S. Jack, um economista que rastreou os preços de 26 produtos de 1850 até 2018, para trabalhadores não-qualificados dos Estados Unidos (Figura 5.16).
A cesta teve, em média, seu preço-tempo reduzida em 96,4% em 168 anos. Isso significa que, com uma hora de trabalho, um trabalhador não-qualificado em 2018 poderia comprar a mesma quantidade de bens que demandaria quase 28 horas de trabalho para um trabalhador de 1850. A abundância destes bens para trabalhadores não-qualificados dobrou a cada 35 anos, a uma taxa média de 2% ao ano. Por sua vez, se tomarmos um trabalhador qualificado (Figura 5.14), o preço-tempo das 26 commodities de Jack tiveram uma queda de 98,3% em média, o que significa que um trabalhador de 2018 consegue comprar com uma hora de seu trabalho, o que demandariam 58 horas de um trabalhador qualificado em 1850. A abundância destes bens para um trabalhador qualificado dobrou a cada 28,6 anos, a uma taxa anual de crescimento de 2,45%, na média. O preço-tempo do açúcar para esta população caiu 99,6%, o que significa que, com o mesmo tempo de trabalho que um trabalhador qualificado compraria 1 Kg de açúcar em 1850, ele poderia comprar 227 Kg em 2018.
Se estreitarmos nossas lentes para o período de 1960 a 2018, em um outro recorte, de 37 commodities do Banco mundial, podemos ver que tal aumento aconteceu, e vem acontecendo, no mundo inteiro, de forma ainda mais intensa nos períodos recentes. Este recorte leva em consideração 28 países, dentro dos quais está alocada 75% da população mundial. A Figura 5.5 mostra este recorte com base na média mundial, analisando por commoditie, e a Figura 5.7 mostra a média dentre as 37 commodities, analisando por país.
Tal estudo (Pooley e Tupy, 2022, p.201) mostrou uma média global de redução do preço-tempo das commodities de 79,6% em 58 anos. Isso significa um aumento na abundância de 489% desde 1960 até 2018 no que tange a estes bens, isto é, a abundância dos mesmos dobrou a cada 22,7 anos, com uma taxa média de crescimento anual de 3,10%. Os países da América do Sul (e seus correspondentes aumentos percentuais de abundância) que compõem a lista, são: Brasil (630%), Chile (380%), Peru (277%) e Colômbia (244%). Colocando em termos mais práticos, o tempo que um brasileiro de 1960 precisaria dedicar ao trabalho para comprar 1Kg de carne, o brasileiro de 2018 poderia comprar, com o mesmo tempo, aproximadamente 7Kg de carne.
Quanto ao acesso à luz, os dados mostram números até mais impressionantes: “O economista ganhador do prêmio nobel William Nordhaus estimou que comprar uma hora de luz em 1800 requeria aproximadamente 5,37 horas de trabalho, com a tecnologia avançada de LED, uma hora de luz atualmente custa menos que 0,16 segundos de trabalho. Isso representa um aumento da abundância pessoal de luz de 12.082.400% (tradução livre). POOLEY e TUPY (2022, p. 362).”
A atribuição de tais avanços humanos ao mercado, à moeda, à instituição da propriedade privada ou ao “capitalismo” é, uma meia verdade pois, segundo McCloskey (2022, p.140) tais elementos são necessários, porém, não suficientes para o Grande Enriquecimento que se deu a partir de 1800.
“As condições necessárias são infinitas e, na maioria das vezes, não são pertinentes como explicações sensatas da causa. Ter água líquida nas temperaturas normais, ou um governo razoavelmente estável também é necessário para o Grande Enriquecimento. Mas ninguém quer falar de “água-ismo” ou “estável-ismo” (…). Assim também o erro desde Marx do “capital-ismo”. As condições pertinentes eram compartilhadas por muitas sociedades. No entanto, tais sociedades não experimentaram nada que se aproximasse do Grande Enriquecimento. MCLOSKEY (2022. P. 140)”
O termo “capitalismo” traz a ideia errada de que o fator importante para o início do Grande Enriquecimento foi a acumulação de capital, o que é uma ilação falsa, pois desde os primórdios o ser humano acumula-o, “abstendo-se do consumo para obtê-lo”, porém, a “acumulação pura, sem novas ideias, esbarra em retornos nitidamente decrescentes”. “O que nos tornou ricos foram boas novas ideias para investir capital, direcionar mão-de-obra, dispondo da terra, não os investimentos propriamente ditos, por mais necessários que fossem”. McCloskey (2022, p.138) atribui ao “inovismo” – a explosão da capacidade humana de inovar e solucionar problemas – como sendo o elemento responsável pelo Grande Enriquecimento.
Mas se a engenhosidade e criatividade são características inerentes ao ser humano, o que possibilitou o inovismo de ocorrer justamente a partir de 1800 e não em períodos anteriores? McCloskey (2022) argumenta que a fonte da onda de inovismo veio graças “à nova permissão para tentar, inspirada pela chocante nova ética, retórica e ideologia do liberalismo”.
“Dê às pessoas comuns o direito à vida, liberdade e busca da felicidade – contra a antiga tirania (e regulamentação moderna, planejamento industrial e licenciamento ocupacional) -, e elas começam a pensar em todo tipo de novas ideias. Elas inventam uma sorveteria aqui, uma fazenda de fronteira ali, enfim um iPhone. Então, em uma economia liberal, têm permissão para colocá-las em ação, os bilhões de novidades, minúsculas e titânicas, que o inovismo liberal rendeu, de 1800 até o presente MCCLOSKEY (2022, p.134)”
Segundo Pooley e Tupy (2022, p.327) “o que distingue o mundo moderno do passado não é o império da lei, mas sim a igualdade perante a lei” (tradução livre) para todos os seres humanos. Justamente um dos cernes do liberalismo clássico.
Nossos ancestrais passaram centenas de milhares de anos como caçadores-coletores, em pequenas tribos de 100 a 150 pessoas, nosso cérebro desenvolveu-se em um mundo de soma-zero, onde o ganho de uma tribo, normalmente significava a perda (ou a ruína) de outra. Os recursos eram disputados através de guerras. A cooperação, em geral, era possível (e necessária) apenas dentre os membros da mesma tribo.
Segundo Pooley e Tupy (2022, p. 72) Nossa sociedade tornou-se mais complexa, porém, nosso cérebro não a acompanhou. O período de 1800 até a atualidade compõe apenas “cerca de 0,08% de nosso tempo na terra” e evolutivamente, durante o gigantesco período de escassez imperante nos demais 99,2%, a mente humana desenvolveu mecanismos os quais temos dificuldade de nos livrar, dentre eles, o viés de soma-zero, responsável pelo ceticismo com a possibilidade de criação de riqueza (se alguém está ganhando, alguém está perdendo), além do viés de negatividade, pois “tratar ameaças mais urgentemente que oportunidades” sempre representou uma “maior chance de sobrevivência e reprodução. Colocado de forma diferente, “humanos evoluíram para priorizar más notícias” POOLEY e TUPY (2022, p. 73).
Ambos estes vieses são os prováveis responsáveis pelo fortalecimento, concomitantemente ao Grande Enriquecimento, de agendas anti-mercado (como socialismo e comunismo), malthusianas (como o programa de filho único na China) e ambientalistas que, apesar de carregarem preocupações climáticas por vezes pertinentes (e que devem ser endereçadas), se aproveitam de nosso viés de negatividade para vender catástrofes sempre-iminentes, e de nosso viés de soma-zero para alegar que o Grande Enriquecimento da humanidade esgotará os recursos do planeta.
Como bem-dito pelo economista e escritor norte-americano Julian Simon: “Não entender o processo de uma economia de ordem espontânea anda de mãos dadas com o não entendimento da criação de recursos e riqueza, e quando uma pessoa não entende a criação de recursos e riqueza, a única alternativa intelectual é acreditar que a riqueza em crescimento deve-se às custas de alguma outra coisa. Esta crença de que nosso sucesso necessariamente advém da exploração de outrem pode ser a origem das falsas profecias de catástrofes que nossos nefastos modos precipitarão sobre nós (tradução livre) POOLEY E TUPY (2022, p. 141 apud Simon, 1996).”
Tais profecias mostram-se cada vez mais injustificadas. O avanço tecnológico trazido pelo inovismo enriquece e educa a população humana a taxas crescentes, aumentando nosso tempo livre e nossa expectativa de vida, reduzindo a mortalidade infantil e nossos impactos ambientais, acabando com doenças e assim por diante.
Estes melhoramentos da condição humana estão ficando cada vez mais difíceis de serem escondidos ou distorcidos pelos inimigos da liberdade e do progresso, em especial com o avanço da informação descentralizada e distribuída ao redor do mundo, proporcionada pela internet, que coloca em cheque os interesses de grupos midiáticos e políticos mensageiros do apocalipse, que se interessam apenas em se valer de nossos vieses de negatividade e de soma-zero (além de outros) para pintar um mundo muito pior do que o existente – abundante de forma inédita em centenas de milhares de anos de “ser humano”, e melhorando.
Referências
MCCLOSKEY, Deirdre N; CARDEN, Art. Deixe-me em paz e eu te deixo rico: Como o acordo burguês enriqueceu o mundo. São Paulo: LVM, 2022.
ROSLING, Hans; ROSLING, Ola; ROSLING Anna R. Factfulness: O hábito libertador de só ter opiniões baseadas em fatos. Rio de Janeiro: Record, 2019.
TUPY Marian L; POOLEY, Gale L. Superabundance: The Story of Population Growth, Innovation, and Human Flourishing on an Infinitely Bountiful Planet. Wahington, D.C.: Cato Institute, 2022.