Com o advento da grande rede, a Internet, as relações sociais, em grande medida, assumiram uma nova dinâmica de apresentação, isto é, parte considerável das interações interpessoais, antes presencialmente desenvolvidas, agora migrou para o ambiente virtual das redes sociais digitais, em face do irrefreável avanço tecnológico característico da sociedade da informação.
Sem dúvidas, uma dimensão desse novo formato de diálogo entre os membros da sociedade é representada pela conexão virtual entre consumidores e fornecedores de produtos e serviços. Assim, não raramente – e, em algumas situações, até com uma frequência indesejada –, recebe-se determinados e-mails com nítida finalidade mercadológica, seja em razão de prévio cadastramento efetuado pelo consumidor em sítios eletrônicos de comércio de produtos ou serviços, seja nos casos em que não há prévia solicitação realizada pelo consumidor, o que, neste último caso, tem-se caracterizado o chamado spam.
Conforme ensina Tartuce (2020, p. 749), “o spam nada mais é do que o envio ao consumidor-usuário de publicidade de serviços ou produtos, sem que essa tenha sido solicitada. A origem da expressão está no conhecido enlatado americano de presunto, comumente distribuído em tempos de crise, tido como algo indigesto, como é a mensagem eletrônica não solicitada”.
A publicidade de produtos e serviços, frise-se, é prática comum, necessária e, por conseguinte, previsível no contexto do mercado competitivo em que se verifica a livre ação de empreendedores das mais diversas áreas a oferecer os mais variados tipos de produtos e serviços. Assim, atendidos os parâmetros legais, em especial os do Código de Defesa do Consumidor (CDC), tem-se, aqui, via de regra, o exercício regular de direito no ato de tornar públicos os atributos de determinado bem ou serviço exposto à comercialização legal.
Por outro lado, na área do Direito Civil, a regular as relações sociais de natureza privada, existe, também, a previsão do chamado abuso de direito, previsto no art. 187, do Código Civil, de 2002. De acordo com esse dispositivo legal, “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (BRASIL, 2002).
Neste contexto, “deve-se entender que o spam contraria o fim social e econômico da grande rede, o que de imediato serve para enquadrar a prática como abuso de direito ou ato emulativo. Também é forçoso concluir que a conduta dos spammers é atentatória à boa-fé objetiva. Uma pessoa que nunca solicitou a mensagem mesmo assim a recebe, o que está distante da probidade e lealdade que se espera das relações interpessoais, ainda que sejam virtuais. O destinatário recebe de um fornecedor para o qual ele nunca deu seu endereço virtual um e-mail que se mostra totalmente irrelevante e dispensável” (TARTUCE, 2020, p. 749-750).
Ao se tratar da relação entre o Direito Digital ou Eletrônico, o spam e a responsabilidade civil por exercício abusivo de direito, reconhece-se que “O ato de envio constitui abuso de direito – assemelhado ao ato ilícito pelas eventuais consequências –, eis que o usuário da Internet não a solicita, não fornece seu endereço virtual, e, mesmo assim, recebe em sua caixa de correio eletrônico convites a aderir aos mais variados planos, produtos, grupos, jogos, serviços, entre outros. Após receber tais mensagens, o usuário perderá um bom tempo selecionando, lendo e excluindo aquelas inúmeras mensagens indesejadas” (TARTUCE, 2020, p. 749).
Por essa razão, “deve-se entender que o spam contraria o fim social e econômico da grande rede, o que de imediato serve para enquadrar a prática como abuso de direito ou ato emulativo” (TARTUCE, 2020, p. 749).
Logo, verifica-se que a perturbação por vezes gerada pelo envio contínuo de spams também guarda os seus respectivos efeitos jurídicos na esfera cível, a ensejar a responsabilização civil em virtude do patente abuso de direito, tal como acima explicado. Tem-se, aqui, novamente, a demonstração de que os ambientes de interação social virtual não estão isentos de fiscalização e aplicação da lei, mesmo diante de persistentes reformulações em seus formatos de apresentação e captação de usuários-consumidores.
Referências:
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 14 jul. 2023.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020.