Neste momento da história nacional, dentre a variedade de direitos inscritos no texto da Constituição Federal de 1988, o direito de reunião pode ser trazido à tona novamente, a fim de que norteie a reflexão jurídica referente à legitimidade da forma com que determinadas manifestações populares foram e estão sendo conduzidas.
Consigne-se que, dada a origem constitucional dos argumentos aqui delineados, o presente artigo terá utilidade conceitual e prática até mesmo para se analisar a correção de manifestações populares futuramente perpetradas, haja vista que a animosidade social não pode nem deve ser anulada, sob pena de se romper com os valores de liberdade e de democracia.
De todo modo, uma vez mais, há de se recordar o famoso art. 5º da Constituição da República1, que, em seu inciso XVI, acentua estes termos, in verbis:
XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
Veja-se que se reunir, pacificamente, é um direito fundamental assegurado pela Constituição em vigor. Porém, para garantir a pacificidade do encontro público em questão, também são exigidos outros requisitos, como a ausência de armas e o prévio aviso à autoridade competente, com o objetivo de não se frustrar eventual reunião convocada em momento anterior para o mesmo dia, horário e local.
Frise-se, ainda, que o que há de ser previamente realizado pelas pessoas que se reunirão é o aviso à autoridade competente, e não requerimento. Com isso, infere-se que avisos não podem ser indeferidos, o que, do contrário, pode ocorrer quando se está diante de uma postulação, uma vez que essa é passível de ser denegada.
Nesse sentido, o professor Sylvio Motta (2018, p. 259) ensina que “A autoridade não tem mais o poder de indicar o local da reunião, devendo apenas ser avisada previamente – mero aviso – de sua realização, e uma vez que não se trata de um requerimento não caberá indeferimento, a não ser que outra reunião esteja comprovadamente marcada para o mesmo local, dia e horário”.
A razoabilidade que se espera daqueles que exercitam o direito de reunião diz respeito à coexistência entre o direito em tela e o direito à liberdade de locomoção, ou seja, o direito de ir, vir e ficar ou permanecer. Por exemplo, “[…] uma reunião marcada para se realizar na Ponte Rio-Niterói, no horário do rush, impedirá o direito de locomoção, descanso, privacidade, opção etc. de outros cidadãos” (MOTTA, 2018, p. 259).
O professor bem destaca que “Em nossa opinião, a composição entre o direito de reunião de uns e o de locomoção de outros se dá interpretando o dispositivo no sentido de que a reunião é livre, desde que em locais próprios para elas, como praças, estádios etc. O dispositivo não protege reuniões realizadas em locais que transtornem a locomoção ou liberdade daqueles que não queiram dela participar. É o direito reflexo: o direito de não reunião, de não se reunir” (MOTTA, 2018, p. 259).
Dessa maneira, poder-se-ia dizer que, além dos requisitos acima expostos, o exercício do direito de reunião também deve observar o direito alheio de não reunião. Isso significa que a liberdade de reunião é fundamental e há de ser legitimamente praticada e protegida, contanto que o direito de liberdade das outras pessoas seja respeitado e não obstaculizado sob justificativas inconstitucionais.
Portanto, a realização de manifestações, passeatas, protestos e reuniões de toda sorte é plenamente respaldada pela Constituição Federal, desde que estejam em consonância com os requisitos constitucionais acima reproduzidos, a fim de que a legitimidade desses atos cívicos não seja diretamente afetada em face da flagrante violação de direitos fundamentais alheios, como, por exemplo, o direito à liberdade de ir e vir.
Referências:
1BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB): promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 30 nov. 2022.
MOTTA, Sylvio. Direito constitucional: teoria, jurisprudência e questões. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO.