O título deste ensaio (que será composto por uma série de artigos sobre educação, e que posteriormente se transformará em uma apostila) alude –propositalmente –ao excelente tratado filosófico organizado pelo escritor Olavo de Carvalho (1947 –2022), “Inteligência e Verdade” (Vide, 2021) pois trata-se, aqui, de assuntos congêneres aos propostos pelo Professor na obra supramencionada.
Afinal, o que é a linguagem? Qual é a amplitude, a profundidade e a importância epistemológica do fenômeno linguístico humano, stricto sensu?
Para Paulo Freire (1921 -1997) a potência verbal, semântica e lexical humanas reduzem-se à mera condição de ferramentas de domínio político, cultural e social. Como notamos no seguinte excerto d’A “Pedagogia do Oprimido“, segundo Freire, “para que haja comunicação eficiente entre eles (seres humanos), é preciso que educador e político sejam capazes de conhecer as condições estruturais em que o pensar e a linguagem do povo, […] o seu pensamento-linguagem referido à realidade, os níveis de sua percepção desta realidade, a sua visão do mundo, em que se encontram envolvidos seus ‘temas geradores’, produza uma reflexão crítica sobre as relações homens-mundo e homens-homens.”
Na teoria, pode parecer algo que propõe ao proletariado a superação de seu status educacional, cultural e social imediatos. Porém, as deduções iniciais de emancipação econômica, elevação intelectual e participação ativa e verdadeiramente consciente na política, que a obra de Freire desperta nos olhares coniventes, esvaem-se rapidamente, ao argumentar que “a plena realização da tarefa humana é a permanente transformação da realidade para a libertação dos homens”.
Nota-se explicitamente o viés revolucionário de Paulo Freire, ao propor como epicentro norteador de sua tese, menos o aprimoramento do indivíduo do que a modificação da realidade, esquecendo-se, pari passu, de explicar qual é esta utópica realidade proposta por ele, deixando –como expõe a genial Blanca Facundo em sua brilhante tese “Freire Inspired Programs in the United States and Puerto Rico: A Critical Evaluation” (não publicada no Brasil) –tais conclusões “para a interpretação do leitor”.
Não sabemos qual será o ordenamento econômico, social, jurídico e cultural desta sociedade utópica proposta por Freire, encontrando-nos aí reféns de vestígios que nos informam tratar-se de algo cuja funcionalidade e eficácia em prover igualdade social no mundo real (Lebesnwelt, como o denominou Edmund Husserl) são inquestionavelmente falhos, vistas as mais recentes polêmicas envolvendo censurada liberdade de expressão, desrespeito à Constituição, e aos mais prosaicos direitos humanos naturais dos cidadãos que, democrática e ordeiramente, opõem-se ao cada vez mais agressivo e crescente proselitismo político em nosso país.
Como já pontuei em artigos anteriores, o proselitismo político da esquerda abrange territórios infinitamente mais amplos do que a simples “vitória eleitoral”, estando aí a educação em posição de destaque. Sim, proselitismo político e proselitismo ideológico são duas faces da mesma moeda de cobre soviética dos ideólogos radicais, representando aí o inestimável lucro da elite, e a miserável subserviência do povo, fadado, por intermédio da educação ofertada por Paulo Freire, a lutar, ad aetetnum, pela suposta modificação da realidade mantida pela própria elite que lhe propõe tais mudanças. De fato, é uma luta de classes entre a população e a própria elite política esquerdista, e sabemos quem tem mais chances de vencer, visto que o povo inerme sequer sabe que é a própria esquerda a sua pior inimiga.
“É crítico que as pessoas nunca cessem em cultivar curiosidade e ceticismo, para questionar o que é aceito, e pensar por si mesmos como indivíduos.” –M. Grayson
Resta certo o fato de que, para Paulo Freire, a individualidade humana tem pouca ou nenhuma importância face à massificação coletivista, que impõe a todos um modus pensanti unívoco, linear e “oficialmente” condecorado pela elite política, midiática e universitária como patamar de inquestionável, quer os membros de tal “benéfica” transmutação concordem, ou sequer compreendam, de que raios afinal a coisa toda se trata.
Voltando-nos ao tema inicialmente proposto, algumas questões são auto evidentes: A aquisição de competência linguística ocorre individual ou coletivamente?
Obviamente, o ambiente escolar é, no sentido literal do termo, um espaço coletivo, porém a aquisição de aprendizagem é um processo único e idiossincrático para cada aluno, como ente cognoscente dotado de particularidades inerentes à sua condição humana, a priori. Ou seja, é individual. Adentraremos as minúcias destes tópicosem artigos vindouros, onde analisaremos a obra do neurocientista francês Stanislas Dehaene, notório combatente do método de aprendizagem socioconstrutivista.
A real importância da Linguagem
Segundo o filósofo inglês Roger Scruton, a individualidade humana consciente de si mesma – o conceito de percepção em Leibniz – como “dotada de qualidades únicas e intrínsecas unicamente a si mesma, do meio social imediato, do passado, do futuro, das emoções, anseios e objetivos pessoais –a capacidade de fazer planos para o futuro, e de contextualizar os próprios presente e passado em esquemas linguísticos altamente complexos –é única e exclusiva aos seres humanos”. Ou, posto de outro modo, são precisamente os “atos de linguagem formal, dos corais aos tratados de paz, [que] constituem a verdadeira distinção entre os homens e os animais”, como escreveu o filósofo alemão Eugen Rosenstock-Huessy.
Teóricos marxistas como Paulo Freire e Marcos Bagno (autor do livro “Preconceito Linguístico”) bem como outros intelectuais defensores do socio construtivismo, defendem a “integralização do domínio idiomático do aluno à partir de sua realidade social”, limitando maquiavélica e brutalmente o vocabulário a ser apreendido pelo aluno ao das pessoas de sua convivência, mesmo que esta seja composta apenas por pessoas sub-educadas, ou mesmo completamente analfabetas. O problema do analfabetismo é aí, ex post facto, resolvido?
É a “intertextualidade do método de aprendizagem linguística revolucionária”, onde a língua aí não busca suprir as demandas reais de seres humanos reais, em um contexto social real, dentro do qual, inescapavelmente, existem objetivos e necessidades igualmente reais; pelo contrário! Busca convidar os alunos a cometerem –como nota Blanca Facundo – “suicídio de classe”, forçados aí a abdicar de seus próprios interesses individuais, em nome de uma suposta “coletividade” (igualmente dirigida por uma elite que não busca negociar sua posição avantajada) que clama saber o que é melhor para todos os seres humanos na face da terra, estando aí imbuída da missão de dirigi-la. Só falham em dizer para onde.
“Se certa qualidade de vida é impossível sem a linguagem, então a linguagem deveria surgir para restaurar ou gerar essa mesma qualidade”, contra-argumenta Rosenstock-Huessy, notando que o “Grande Diálogo”, como o chamou Susan Wise Bauer, “o ideal de integridade pessoal que requer compreensão da continuidade entre passado, presente e futuro”. Como escreveu o Professor Olavo de Carvalho em “Inteligência e Verdade”, a técnica de estudar os grandes filósofos do passado menos com o “olhar crítico” do “meio social imediato”, quase sempre tão intelectualmente mesquinho e limitado, que conduz o leitor a encontrar o que ele pensa sobre o autor que lê, e mais com a velha humildade de se permitir descobrir o que autor pensaria dele, leitor, é o que constitui a base mesma de uma educação minimamente decente. Seria o caso de dizer que, enquanto a educação esquerdista busca limitar o escopo intelectual de suas vítimas, prometendo-lhes um paraíso socialista em troca de sua cooperação, a educação tradicionalista não promete nada, mas oferece, para quem dela usufruir, um ferramental intelectual para sobreviver, como poeticamente escreveu Russell Kirk, “neste mundo imperfeito, sem ficar descontentes“.
Pois, como demonstrou a grande filósofa britânica Elizabeth Anscombe, “é precisamente a possibilidade de ‘argumento contrário’ que é a marca distintiva, não apenas das intenções futuras, mas também da ação intencional individual”.
Afinal de contas, não existe “inteligência coletiva”, como propõe Freire, muito menos “interesses de classe”, como afirmou Karl Marx. O que existe são inteligências individuais, massificadas por revolucionários e ideólogos insanos, oportunistas e imorais.
Referências:
FREIRE, Paulo. A Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. (Pg. 56)
GRAYSON, M. THE CULT MENTALITY:WHY WE JOIN, HOW IT CONSUMES US, AND OUR NEED FOR SKEPTICISM.
SCRUTON, Roger. Sexual Desire. London: Weidenfeld & Nicolson,1986. (Pg.96,147)
ROSENSTOCK-HUESSY, Eugen. As Origens da Linguagem. Rio de Janeiro: Record, 2002. (Pg. 40)