Peço vênia aos leitores dos nossos artigos jurídicos para fazer uma pausa na produção técnica e realizar uma justíssima homenagem a todos os professores. Para tanto, transcrevo logo abaixo um texto de minha autoria intitulado “Professores, os anjos de jaleco”. E, como o texto fala por si só, desejo-lhe uma ótima leitura.
“Professores, os anjos de jaleco
Numa tarde um tanto desolada, animada tão somente pelo barulho da chuva e o soar tímido do vento, pus-me a fitar minha lousa branca, rente à janela do quarto, nua em razão do intervalo entre o trabalho e os estudos, e, numa epifania criativa, veio-me à mente uma reprodução sucinta do que seria outro momento primeiro do universo em que o Criador novamente fizesse surgir a matéria e seu contorno divinamente complexo.
Com cristalina noção de prioridade, ao estalar os dedos celestiais e sonorizar algo semelhante a “Faça-se a luz!”, Deus traria à existência, de imediato, este ser carregado da centelha divina, vestido de jaleco branco e segurando, de forma majestosa, um pedaço de giz em frente a uma lousa. Isso mesmo! Acredito e sustento, com a força da minha alma, ser a figura do professor a representação da criação divina por excelência, sem adendos, subtrações ou qualquer outro reparo de que a falibilidade humana comumente necessita.
O que dizer de um ser humano que, neste país de dissabores sociais, entrega-se, de corpo por vezes exausto e alma incorrupta pela empatia, à missão de edificar os alicerces do futuro, próximo ou distante? Eis o labor paciente do oleiro. Sem a inquietação da pressa e com o senso prático da eficiência, milhares de anjos de jaleco diariamente dão forma a diminutas porções de argila bruta castigadas pelo sol e deformadas pela chuva; matéria-prima que, nas mãos desses seres primorosos, é transformada, moldada, renascida. Não há outra palavra digna o suficiente para servir de fundamento a essa atividade graciosa que não o amor, puro amor, o sumo amor.
No professor, encontra-se o amor de ensinar e de aprender, o amor de pai, de mãe, de irmão, de amigo, o amor pela palavra, pelo outro, pela arte e pela vida; uma miscelânea genuína e magnânima que se torna homogênea numa única pessoa: o professor. Ora, se Bertrand Russel garantiu serem os professores os guardiões da civilização, pode-se, ao arrepio da modéstia, estender o pensamento do célebre filósofo, acrescentando a tais agentes a qualidade de construtores, pois se há algo que se destaca nesses maestros do magistério é a maestria ao construir ao ensinar.
Esses anjos não constroem somente textos, discursos, enredos; eles constroem a ordem, o respeito, a abnegação ao individualismo; constroem personalidades, vocações, identidades, ou, para o melhor entendimento de quem realmente se propõe a entender alguma coisa, eles constroem seres humanos.
Faça esta experiência: vá a uma escola, em qualquer Estado ou Município nesta terra do pau-brasil, e, com autorização, entre numa sala de aula em que um regente esteja em plena atividade. Em particular, fiz isso diversas vezes e cheguei a duas constatações. A primeira, de que esse regente, o maestro, não se cansa, não cede, não desanima, não se desmotiva, e, com um esforço comumente não percebido no gênio humano, simplesmente dá o melhor de si, entrega-se em matéria e em espírito. E a segunda observação, ao contrário do que se imagina, realça ainda mais a beleza do exercício da docência.
Embora o anjo de jaleco, o maestro, esteja ali, firme e convicto, seus “músicos”, não raramente, desobedecem às diretrizes do ensino melodioso e ritmado. Isso, entretanto, é mais uma confirmação que engrandece a atividade, de vez que, se de um lado se planta o amor e, doutro, colhe-se a indiferença, ao menos por momentos, percebe-se mais uma vez a solidez dos fundamentos, o amor pelo ofício. Como o amor pelo ensinar permanece incólume se, da outra banda, não se colhe o justo reconhecimento? É simples: a fonte não se esgota; ao contrário, refaz-se, reanima-se, num ciclo permanente de zelo e respeito pelo outro, pelo aluno, pelo futuro e pela vida.
E, por derradeiro, o que igualmente fascina é o destemor dos nossos mestres de giz e jaleco. Independentemente de quão insistente e grotesca seja a ausência de reconhecimento, por parte da sociedade e dos burocratas, sentida no cotidiano pela não atribuição do badalado “status” social – tão aclamado entre os bajuladores da mesquinhez seletiva -, a baixa remuneração, a total inversão de valores e a invisibilidade perante os olhos do Estado, esses heróis brasileiros, mesmo no anonimato, continuarão firmes na missão de ensinar, com vocação e carinho, apesar de todas as demais dificuldades do quotidiano.
Eis, portanto, a verdadeira profissão da entrega pessoal, missão assídua e afetuosa, porque, para completar a grande obra (o ensino, a aprendizagem, o aluno, a consciência comunitária etc.), o construtor retira as peças e os materiais de si próprio e os oferece, com ternura e de bom grado, àquele que busca, na sala de aula, o que ainda lhe falta para se tornar um ser humano mais desperto, crítico e preparado para os desafios impiedosos da vida. Todas as homenagens aos anjos de jaleco. Feliz dia do Professor!”.
Por José Bruno Martins Leão.
Créditos da foto: FREEPICK
Obrigado! “Ao mestre com carinho”.