Dois dos mais notórios pontos de convergência entre o pensamento liberal clássico, a filosofia aristotélica, a militância anticomunista e o ideário conservador são a educação e a linguagem.
Com argumentos que se complementam entre si, diversos intelectuais destas quatro diferentes linhas de raciocínio hermenêutico expuseram suas valiosas constatações que, quando estudadas dentro de um todo coeso, oferecem a erudição necessária para entendermos o fenômeno do declínio educacional não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, de forma clara, concisa e irrefutável.
A problemática da escolarização obrigatória
O economista Murray Rothbard, em seu elucidativo ensaio “Educação: Livre e Obrigatória” (São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2013) trás todos os dados necessários para que possamos iniciar nossa avaliação sobre a escolarização compulsória: “Ao longo de seu plano corre o ódio pela diversidade humana, particularmente pelos padrões de vida dos ricos em comparação com os pobres”, denuncia, referindo-se à “educação igualitária” imposta pelo estado, que, como também pontua o economista, busca sempre o “nivelamento por baixo” de todos, calcado em paradigmas coletivistas, dentro da estrutura de um poder político centralizador e totalitário.
Como notou o filósofo britânico Roger Scruton, tal pedagogia “exige que todas as oportunidades sejam niveladas. Assim nasceu o movimento pelo ensino inclusivo, junto com a hostilidade em relação à transmissão de conhecimento e a desvalorização dos exames, com a finalidade de impedir que o sistema de ensino estatal produza e reproduza ‘desigualdades’, […] um sistema que oferecia aos filhos das famílias pobres uma oportunidade de progredir sozinhos pelo talento e pelo esforço foi destruído pela simples razão de dividir os bem-sucedidos e os mal-sucedidos”. Pode-se verificar a razoabilidade dos apontamentos realizados por Rothbard e Scruton por meio da análise de livros proto-marxistas altamente enviesados à esquerda, como “Preconceito Linguístico”, do professor e escritor mineiro Marcos Bagno, que insiste que a “classe oprimida não deve ser exposta a uma educação ultraconservadora, colonialista e elitista ao extremo”, devendo antes, como prossegue o próprio Bagno, “não estudar gramática na escola”, argumentando que – no melhor estilo Paulo Freire – esta “não faz parte dos saberes necessários à prática educativa transformadora”, devendo ser substituída por algo que leve em consideração “o contexto social imediato do aluno”. Ou seja, trata-se de questionar a escolarização tradicional como “opressora”, e impor a inépcia como nova norma; não ensinar linguagem culta a alguém, argumentando tratar-se de uma “imposição burguesa” é o mesmo que se negar a oferecer botes salva-vidas a passageiros a bordo de um navio com altas probabilidades de naufrágio, argumentando tratar-se de um “preconceito” supor que sejam incapazes de nadar por conta própria. Nota-se aí, explicitamente, uma tentativa de fundação de bases ideológicas para uma revolução do lumpemproletariado. “Não se adequar às normas sociais vigentes por meio da educação tradicional, porém modifica-las, por meio da educação revolucionária, demolindo-as”. Afinal, como nos disse Nietzche, “algo só é verdadeiramente derrotado, quando é substituído”.
Como pontuou Thomas Sowell, “não existe matemática para negros ou engenharia para hispânicos”; é obvio que a “educação” aí ofertada – que proclama proteger as minorias do conhecimento – visa menos pelo desenvolvimento cognitivo dos educandos do que pelo oligopólio burocrático da classe política responsável por ofertá-la: afinal, como demonstra Pascal Bernardin no livro “Maquiavel Pedagogo”, expondo a monstruosidade do teórico educacional revolucionário John Dewey, “um dos paradoxos da sociedade moderna é o de que ela não tem necessidade de um grande número de pessoas instruídas. A seleção se opera por meio do que se chama “elite social”, que realiza o trabalho intelectual necessário. Aos demais compete ou a execução das decisões ou o exercício de cargos subalternos”, disse o Dr. Sergei A. Povalyaev no “Simpósio internacional e mesa redonda, Qualities required of education today.” (Op. Cit., Unesco, p. 38.). Nota-se aí a epítome do que expõe Ludwig Von Mises no livro “Governo Onipotente”, a educação a serviço do “aparato de compulsão e coerção e seus guias, o governo”, a exata antítese da economia de mercado, onde “todos os cidadãos servem todos os seus concidadãos, e são servidos por eles […] um sistema de troca mútua de bens e de serviços, de um dar e receber mútuo”, calcada em uma educação que deve “prover os estudantes com o conhecimento, habilidades, e cultura que os prepare para a vida enquanto desenvolve o capital intelectual do qual todos dependemos”, na cirúrgica definição de Roger Scruton, como uma sociedade livre e próspera, fundada nos valores defendidos igualmente pela Escola Austríaca e pelos Conservadores: Liberdade e meritocracia, com o mínimo de interferência governamental possível para que possa haver real desenvolvimento humano, e não mais do velho modelo comunista soviético onde “poucas oportunidades de carreira são oferecidas para os jovens pobres, [e] a única opção é o emprego público, [ocupados por jovens] educados em escolas que, quer sejam públicas ou particulares, não foram desenvolvidas para fortalecimento da inteligência e do caráter”, na excelente definição de Ignazio Silone no livro [Communism] The God That Failed. As palavras de Milton Friedman corroboram minha argumentação: “Nosso sistema atual de educação, longe de igualar as oportunidades, está fazendo muito provavelmente o contrário. Torna cada vez mais difícil aos poucos excepcionais – e eles constituem a esperança do futuro – erguer-se acima de sua pobreza inicial”. Tal é o efeito da escolarização estatal obrigatória: Formar eleitores, não pensadores, “empregados, não empresários”, nas exatas palavras John D. Rockefeller – um dos principais financiadores e apoiadores do movimento pró-escolarização obrigatória nos EUA – por meio do “controle do comportamento humano”, nas exatas declarações de Max Mason, presidente da Rockefeller Institution, no dia 11 de Abril de 1933. Hannah Arendt foi genial ao perceber que “o aparelho conspirativo dos partidos revolucionários em particular, sempre foram caracterizados pela supressão de opiniões dissidentes e pela absoluta centralização do comando”, que protege seus “campeões nacionais”, enquanto subjuga o povo. Economistas da Escola Austríaca, conservadores, historiadores e jornalistas sérios convergem sobre estes pontos, e penso que qualquer indivíduo dotado de bom-senso, também. como nos explica o economista Ludwig Von Mises no livro “Marxismo Desmascarado“, os comunistas “negavam a existência da busca desinteressada pelo conhecimento“, considerando-a como “um insulto [por] estudar coisas inúteis.” Inúteis por elevarem a envergadura intelectual dos indivíduos? Por tornarem as pessoas atentas às mazelas do totalitarismo, e escaparem do controle da elite política? Marx e Freire tinham muito mais em comum do que apenas a característica barba de “profeta”, conditio sine qua non para enganarem gerações de desavisados.
A problemática da Linguagem
“Incapazes de definir a ortodoxia, os fiéis [do marxismo] impõem a si mesmos disciplina rígida na maneira de falar.” – Raymond Aron
Paulo Freire, de forma maledicente e oportunista, tinha razão ao declarar que “a educação é um ato político”; Como nota o estudioso Aristotélico John Burnet, no livro “A Educação Segundo Aristóteles”, “como é a política que faz uso de todas as outras ciências práticas, e mais ainda, uma vez que legisla sobre quais ocupações devemos seguir e quais devemos abandonar, o fim da política deve incluir também os fins de todas as outras ciências, de modo que constituam o bem do homem”. A educação imposta pelo estatismo – como o designa Mises – tem como ethos argumentandi o idealismo subjetivo coletivo, uma pedagogia que ignora os problemas reais de suas vítimas, substituindo-os pelos seus próprios problemas, cuja “resolução” visa apenas a seus próprios interesses políticos. Analisemos este fenômeno sob a ótica da mais importante das ciências humanas: A Linguagem.
“O povo (a nação) são todos os homens que falam o mesmo idioma. Nacionalidade significa comunidade linguística. A extensão do território de uma nação não é determinada pela natureza. As fronteiras nacionais são as fronteiras linguísticas. Fronteira nenhuma pode tornar uma nação maior, mais rica, mais poderosa”, como notou Mises.
Língua, no entanto, é um conceito que abrange muito mais do que apenas o idioma oficial de um determinado país. A linguagem é a base da inteligência humana, a forma como seres humanos interagem entre si, organizam-se social, cultural e politicamente. É a linguagem o estrato humano mesmo, o fator de homeostase social, de civilidade, ética, ou, “nos territórios linguisticamente mistos, [onde] se transformou numa arma mortífera nas mãos de governos determinados a alterar a lealdade linguística de seus súditos”, como prossegue Mises, fator de polarização política, degeneração do estamento burocrático, decadência do modus vivendi da sociedade civil, e controle social operado pela elite revolucionária no poder. O estudioso aristotélico Eugen Rosenstock-Huessy converge com os pontos de vista da Escola Austríaca: “A linguagem formal surgiu como ritual sagrado. Toda palavra foi remetida, para além do físico ou “objetivo”, ao significado político e religioso. A linguagem não nomeava apenas as coisas materiais da natureza; nomeava as funções históricas dos homens e das coisas tal qual apareciam para a “coisa”[eng. Thing] ou thingus da tribo. Guerra, crise, revolução e degeneração são doenças assimétricas do mesmo corpo: a linguagem. A linguagem que não se fala em todo e qualquer lugar resulta em guerra. A linguagem que não se fala em todos os caminhos obrigatórios da vida resulta em crise. A linguagem que não se falou ontem termina em revolução. A linguagem que não se pode falar no dia de amanhã traz a decadência”. É precisamente o que vivenciamos hoje no Brasil e no mundo, com a ascensão do fenômeno denominado “politicamente correto”, cujos ativistas e militantes buscam, evidentemente não por acaso, modificar os padrões linguísticos de sociedades inteiras, seja pela inserção de neologismos para nomear pontos ideológicos estratégicos, seja pela criminalização de termos antes aceitos pelo contexto geral dos falantes de determinado idioma, Huessy é claro e objetivo ao explicar que revoluções (no sentido de tomada do poder, seja por vias democráticas, seja pela luta armada) inicia-se, antes, no imaginário popular, hipnotizado pela nova linguagem, obsequiosa hermenêutica, até então inaudita às massas.
“Nem a ordem pública, nem a força do Estado, constituem o objetivo único da política. O homem é também um ser moral, e a coletividade só é humana se oferecer a participação de todos”, na assertiva de Raymond Aron, que traz consigo o obvio: A participação de todos – consciente ou inconscientemente – só pode ocorrer pela modificação do mais importante e determinado composto do tecido social, a linguagem (revolucionária). É por meio das palavras que a elite política petista convence os inocentes de que – sem nenhum fundamento empírico – poderão “comer picanha”, ser considerados alfabetizados se conseguirem assinar os próprios nomes e – com muita dificuldade – ler textos simples, e que devem acreditar nas palavras de supostos “experts” – economistas marxistas e jornalistas gramscianos – de que os crescentes aumentos tributários serão benéficos para as classes menos abastadas, bem como ignorar o fato de que nosso país ocupa os últimos lugares em todos os testes educacionais internacionais, e que, na clássica frase de Friedman, “não existe almoço grátis”. Como disse Aron, “Admirável virtude das palavras!”
Referências:
ROTHBARD, Murray. Educação: Livre e Obrigatória. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2013. (Pgs. 16, 55)
MISES, Ludwig Von. Governo Onipotente. São Paulo: LVM Editora, 2021. (Pgs. 75, 111)
FRIEDMAN, Milton. Capitalism and Freedom. Chicago:The University of Chicago Press,2022. (Pg. 100)
GATTO, John Taylor. Underground History of American Education. New York: Odysseus Group, 2021. (Pgs. 11, 85)
SOWELL, Thomas. Education: Assumptions Versus History.Standford: Hoover Institution Press, 1986. (Pg. 218)
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Pg. 7)
CROSSMAN, Richard (Editor). The God That Failed. New York: Harper & Row, Publishers. (Pg. 95)
ARON, Raymond. O Ópio dos Intelectuais. Campinas: Vide Editorial, 2024. (Pgs. 104, 109, 121)
ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. (Pg. 428 – 429)
SCRUTON, Roger. The End of the University. London: First Things, 2015.