O que você mais valorizaria ao escolher uma possível profissão aqui no Brasil? Seria o desempenho de sua vocação inata? Talvez a realização pessoal em desempenhar uma atividade que gere impactos positivos para sua comunidade? O retorno financeiro proporcional aos seus resultados? Ou seria a estabilidade?
Sejamos honestos: em um país onde as instituições são nitidamente frágeis e corruptas, além de a inflação monetária já ser banalizada, é natural que a segurança (ou estabilidade) seja mais valorizada que o retorno pelo resultado. Afinal de contas, além dos riscos inerentes ao mercado em si, o brasileiro ainda precisa despender recursos com seguros e vigilância (devido à alta criminalidade), além de diversas burocracias jurídico tributárias que só servem para tornar os processos mais ineficientes.
Ao perguntar para os jovens sobre suas aspirações profissionais, é muito comum encontrar a aprovação em concurso público como objetivo principal. Jovens que, supostamente, deveriam estar cheios de sonhos e com vontade de realizar aquilo que suas famílias não puderam realizar. Mas quando questionados sobre as razões dessa escolha, uma das respostas costuma ser “porque funcionário público não é mandado embora (ainda que trabalhe mal)”.
Antes de continuar, quero deixar claro que não tenho nada contra os funcionários públicos, em si, até porque é possível encontrar pessoas vocacionadas para sua função e que realmente tentam agregar valor ao público. No entanto, a expansão desenfreada do desejo de ingressar no funcionalismo público, apenas com o intuito de sugar benefícios ao custo de um trabalho mínimo e que não teria valor algum no mercado, é sim um grande problema. Além disso, sob a ótica da oferta e demanda, se a demanda por empregos públicos estiver muito alta, em virtude dos inúmeros privilégios, aumentar sua oferta pode vir a ser uma agenda política interessante para angariar popularidade e votos entre os eleitores, a custo da sociedade como um todo, que agora estará menos produtiva.
Façamos um exercício de abstração: como seria, em uma tribo centralizada do neolítico, se aqueles que não estivessem diretamente produzindo alimentos (curandeiros, soldados e construtores) simplesmente não realizassem suas funções de modo a gerar valor para a tribo? Muito provavelmente seriam removidos ou substituídos por outros melhores. De fato, é difícil imaginar uma tribo com recursos extremamente escassos se dando o luxo de alimentar pessoas “improdutivas”. E o que aconteceria se, nos dias de hoje, um funcionário público não estivesse trabalhando de maneira eficiente? Pois é, teríamos que sustentá-lo por mais tempo. Mas se ele vai ganhar a mesma coisa trabalhando bem ou mal, por que ele optaria por trabalhar bem?
Mas partindo do princípio de que o indivíduo irá trabalhar da melhor maneira possível, por que ele estaria tão preocupado com sua “segurança garantida?”. Ora, não seriam suficientes a sua remuneração e poupança ao longo do tempo? Além disso, quem paga por essa segurança assimétrica? Se você respondeu que são todos aqueles que não têm segurança garantida de forma alguma, você acertou. É impossível e ilógico, além de imoral, fornecer segurança absoluta para uma determinada classe de pessoas sem transferir os custos para os não beneficiados.
Dentre esses grupos de indivíduos que financiam a segurança alheia, podemos destacar: trabalhadores privados (ainda que CLT), trabalhadores informais, autônomos, empreendedores, artistas que não recebem subsídios do governo, inventores etc. A cada aumento de salário e benefícios de funcionários públicos estabilizados, a extorsão aos não privilegiados aumenta. Sendo assim, temos um incentivo para seguir qual linha de ação? Buscar a estabilidade ou assumir riscos com chances de prosperar (mas sendo extremamente tributado)? Ainda que escolhamos a segunda opção, não seriam as taxações diretas e indiretas um desestímulo ao empreendedorismo?
Em seu livro “O Caminho da Servidão“ (1944), F.A. Hayek afirma que
“(…)quanto mais nos esforçamos para proporcionar completa segurança interferindo no sistema de mercado, maior se torna a insegurança; e, o que é pior, maior o contraste entre a segurança que recebem os privilegiados e a crescente insegurança dos menos favorecidos. E quanto mais a segurança se converte num privilégio, e quanto maior o perigo para os que dela são excluídos, mais será ela valorizada”.
Agora façamos outro exercício: imagine os grandes gênios da história e o que provavelmente teriam decidido realizar em termos profissionais se tivessem nascido recentemente no Brasil, local onde cada vez mais as pessoas buscam o Estado como patrão:
1) Nikola Tesla → É literalmente impossível não encontrar em nossas casas pelo menos algum objeto que não utilize energia elétrica para funcionar. Isso graças a Tesla, quem descobriu a corrente alternada, desenvolveu motores elétricos e sistemas de transmissão de energia em larga escala. Levando em conta sua vocação na área de Engenharia Elétrica, provavelmente teria realizado um concurso público para trabalhar no Ministério de Minas e Energia. Ali seria um dos defensores da proibição de geração de energia particular e da manutenção do monopólio estatal neste setor.
2) Albert Einstein → Proeminente físico e matemático alemão, conhecido principalmente pela publicação da Teoria da Relatividade Geral e Restrita, revolucionando a maneira como compreendemos o tempo e o espaço. Devido à sua incrível habilidade com números, no Brasil ele provavelmente realizaria concurso para Auditor da Receita ou Tribunal de Contas da União (TCU), garantindo que os “não privilegiados” não sonegassem um centavo sequer;
3) Jeff Bezos → A criação da Amazon o transformou em um dos homens mais ricos do mundo, justamente por proporcionar um sistema logístico eficiente às massas. Caso fosse brasileiro, seu pendor para a logística poderia levá-lo aos Correios, onde lá trabalharia por 30 anos, até se aposentar;
4) Henry Ford → É graças a este homem que, atualmente, possuir um automóvel não é privilégio exclusivo dos ricos. O fato de entender os processos de produção como um todo lhe renderia um convite para ser o Ministro do Trabalho, responsável por regulamentar quaisquer layouts industriais e relações trabalhistas;
5) Gustave Eiffel → Um dos maiores engenheiros da história. Ao invés de construir obras que poderiam ser facilmente embargadas pelas prefeituras corruptas, seria impelido a “entrar no sistema”, se tornando dono de uma empreiteira cujo foco seriam obras públicas faraônicas
6) Leonardo da Vinci → Renomado artista, engenheiro, arquiteto e polímata → Ao invés de se arriscar no assimétrico mercado da Arte, provavelmente dedicaria tempo e energia para desenvolver contatos políticos e, com isso, se tornar um dos maiores beneficiados da Lei Rouanet.
7) Mozart → Compositor austríaco autor de diversas sinfonias. Como no Brasil trabalhar com música é algo muito arriscado, Mozart olharia com bons olhos para um concurso para Sargento Músico do Exército, onde teria uma renda “estável” e com aposentadoria integral e “garantida”.
Ironias à parte, seria realmente uma grande perda para a humanidade se esses gênios tivessem optado pela estabilidade pública ao invés de seguirem seus sonhos e vocações. Além disso, sua inteligência seria utilizada em prol da máquina estatal, que nada faz além de atrapalhar as relações de livre mercado.
Diante do exposto, proponho as seguintes questões para reflexão e debate:
- Seria possível mensurar o prejuízo cultural para a humanidade no caso de os gênios terem optado pela estabilidade?
- Será que os mecanismos de incentivo (segurança e estabilidade) no Brasil não seriam os responsáveis por nunca um brasileiro ter recebido um prêmio Nobel?
- Neste exato momento, quantos gênios não estão literalmente desperdiçando seus talentos para se dedicar à aprovação em um concurso público para trabalhar em função da burocracia estatal?
- Esse tipo de sistema é sustentável? (lembre-se das tribos do neolítico);
- De fato, existe segurança garantida pelo governo, ainda que ela inevitavelmente gere mais insegurança no mercado?
“É raro encontrar independência de espírito ou força de caráter entre aqueles que não confiam na sua capacidade de abrir caminho pelo próprio esforço. Todavia, a ideia de segurança econômica não é menos vaga e ambígua do que a maioria dos outros conceitos nesse campo e por isso, a aprovação geral à reivindicação de segurança pode tornar-se um perigo para a liberdade.” (F.A. Hayek)
REFERÊNCIAS
HAYEK, Friedrich. “O Caminho da Servidão”. 6ª ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.