Observa-se na Europa os ventos de uma força política que ressurge e visa estabelecer valores republicanos consagrados como a Soberania, o Autogoverno, o Estado-Nação e, até mesmo, uma volta ao conceito original de democracia, incluindo nela, o povo. O diagnóstico é simples: ao contrário do que afirmam os donos do sistema político e financeiro atual e da grande mídia (ou melhor, Fake Mídia), tais movimentos não possuem caráter antidemocrático ou autoritário, mas denunciam o caráter insuficiente das democracias representativas modernas.
O que temos visto em grande escala é, em diferentes países, o povo se manifestando contra a progressiva erosão das democracias tradicionais e a substituição pela democracia liberal tecnocrata de origem iluminista.
Trata-se de se opor a um movimento político liberal que tem esvaziado da própria política a sua capacidade de fazer política, à instrumentalização do Estado-Nação por grupos que o utilizam para seus próprios fins, reduzindo os partidos políticos e parlamentos a um único programa, programa esse monitorado pelo poder dos grandes oligopólios supranacionais que criam uma falsa competição política a partir de problemas ilusórios ou de valor residual, para desviar-se dos problemas reais que impactam a vida das pessoas e que são essenciais para determinar o futuro dos países. Existe um fim nessa estratégia política: eliminar o antagonismo político, ou mesmo o agonismo político, algo absolutamente essencial para caracterizar a existência de uma democracia verdadeira. A grande tarefa da política não é eliminar o antagonismo político, ou a polarização, mas torná-los compatíveis com a democracia. Contudo, o que vemos é a busca por sua eliminação através de conceitos perigosos como “consenso e reconciliação”, conceitos tais que, de maneira alguma podem ser o objetivo central da política verdadeiramente democrática, afinal, a democracia exige um espaço vibrante de discussão marcado pela perspectiva agonística da política, nas palavras de Chantal Mouffe (e olha que ela é pós-marxista).
Todo consenso gera exclusão e é anti político – e essa é, majoritariamente, a visão da democracia no Brasil – pois não reconhece a natureza da impossibilidade de erradicação do conflito e dos antagonismos sociais, buscando sufocar os canais pelos quais as paixões podem ser mobilizadas e que permitem a criação de modos de reconhecimento e identificação de pensamento, como expresso na pantagruélica vontade de se “regular as redes sociais”, o que na verdade representa o domínio do discurso permitido.
Recentemente o primeiro-ministro português afirmou que “as redes sociais são inimigas da democracia”, talvez por mostrar aquilo que ele não quer que seja visto ou sabido.
Uma sociedade democrática exige que possamos discutir e apresentar alternativas possíveis e que haja um choque entre posições políticas legítimas. Por isso vemos movimentos populares demonstrando grande insatisfação com a falência, ou insuficiência, das instituições ditas democráticas. Precisamos democratizar a democracia.
O fato é que o ano de 2024 trouxe um movimento dito de “direita” na Europa, etiquetado como populismo, fascismo e qualquer outro termo que busque deslegitimá-lo. Desde o Chega em Portugal até o FPO na Áustria, a direita tem tido uma série de sucessos e crescimento relevantes.
Geert Wilders, nos países baixos com o seu PVV, Partido Pela Liberdade, ganhou um renascimento político impressionante com a pauta Soberania Nacional, controle migratório e fim da integração excessiva europeia, se preocupando em responder a uma grande pergunta: “Como reconstruir a classe de média e seu poder de compra”?
O Parlamento Europeu é outro exemplo: povoado por uma direita que se opõe ao esvaziamento da soberania dos países e do empobrecimento programado criado pelo terrorismo climático, teve como seu maior exemplo a vitória de Marie Le Pen na França, que só não obteve uma arrasadora vitória local pela ação antipolítica de Macron, ao impor o que os verdadeiros antidemocráticos têm chamado de “cordão sanitário” para conter a direita.
Na Alemanha a AFD ganhou estados orientais como Saxônia, Brandenburg e a Turíngia, com voto dos jovens e dos agricultores, resultando em uma expressiva e significativa vitória, extremamente simbólica por se dar na Turíngia onde surgiu a Constituição de Weimar.
Mesmo na Eslováquia vemos a vitória de Robert Fico, que se alinha à esquerda social-democrata, mas apoia pautas que tem interseção com a direita, como soberania e a defesa do Estado-Nação. Assim como na República Tcheca, onde o partido de direita “com preocupação social”, ANO, ganhou enorme projeção.
Todas essas mudanças econômicas e culturais estão redesenhando o mapa político da Europa e este é o problema para o velho sistema: no surgimento de uma alternativa política real, e mais, uma alternativa crível que ameaça todas as políticas do atual sistema.
Por isso vemos o crescimento de um cenário assustador: a litigância jurídica internacional, o uso do estado de exceção como paradigma de governo para manter o atual status de insuficiência democrática e ausente da vontade e expressão popular.
A Alemanha é um exemplo disso. Recentemente o Partido Verde e o Partido Social Democrata fizeram uma moção à Suprema Corte da Alemanha demandando o BANIMENTO da AfD da política. Cancelamento? Totalitarismo? Tapetão? Dê o nome que se queira dar, o fato é que representa uma posição totalitária e verdadeiramente antidemocrática.
Escondido atrás do argumento que a AfD é um “risco à democracia alemã” e ao “Estado Democrático de Direito”, o que se vê são dois partidos que apresentaram uma votação inferior a dois dígitos e que estão perdendo poder político, buscando a eliminação de seu oponente utilizando a Suprema Corte e, portanto, a Constituição.
Isso sim é um golpe de Estado Institucional. Mais assustador é a ausência da vontade popular. 46% dos alemães disseram que o banimento é inapropriado e 42% não o apoiariam em quase nenhuma hipótese. Até mesmo nos apoiadores dos partidos Verde e Social-Democrata, o banimento encontra cerca resistência (58% a favor e 32% contra no SPD e 69% a favor e 25% contra nos verdes). Some-se a isso o fato de que, segundo as pesquisas, se a eleição para o Bundestag fosse hoje, ambos partidos não conseguiriam formar uma coalizão governamental para fazer a maioria no Congresso.
É isso que chamam de democracia? O uso da litigância judicial para a manutenção do poder político – uma prática que se vê em todos os países do mundo, desde os Estados Unidos onde Donald Trump tem sofrido a tática de múltiplos processos criminais para bani-lo da corrida presidencial, até mesmo no Brasil, onde a Corte Suprema aderiu ao ativismo político provocada por partidos de esquerda inconformados com a configuração democrática do parlamento mais à direita – tem consequências desastrosas para qualquer República e sistema político.
O risco é que essa prática evolua, como tem evoluído, não mais para atingir uma imobilização política e antidemocrática, mas para implantar uma guerra civil judiciária com o objetivo de neutralizar e criminalizar aquilo que não se encaixe no pensamento unitário, atingindo não apenas partidos e políticos, mas todos os cidadãos.
Esse é o cenário político atual e nele está a fonte de toda a instabilidade democrática, onde as instituições rejeitam a ideia de ser reflexo do seu povo e ainda se colocam na posição de “civilizadoras” dos movimentos políticos e de adestradoras da vontade popular.