Corpo e tempo
De fato, as únicas coisas que nos são oferecidas gratuita e naturalmente ao adentrarmos neste mundo são nosso corpo e o tempo e, do uso que fizermos desses dois fatores, dependerá nosso sucesso ou insucesso no decorrer dos anos. Pode-se argumentar que a natureza também pode nos entregar, da mesma forma, os recursos naturais como terra, minérios, água, frutas, vegetais comestíveis e animais para nos suprir de proteínas, que podemos encontrá-los à disposição em nosso caminho ou lugar que habitamos. Entretanto, é um erro imaginar que a simples presença desses recursos nos proporcionará os meios de subsistência para a manutenção da vida; precisaremos agir (coletá-los, caçá-los, retirá-los do solo e transformá-los) de modo a torná-los úteis para a nossa sobrevivência e, para isso, só dispomos de corpo e tempo.
Assim, tempo e corpo são as “ferramentas” iniciais, dadas pela natureza, que nos ajudarão a conduzir nossas vidas. Ainda que vivamos nos dias de hoje em ambientes muito mais complexos que os dos primeiros humanos, os quais viviam da coleta e caça, tais recursos ainda são os fundamentos dos quais derivam a efetiva produtividade que poderemos alcançar; o melhor uso do corpo e do tempo, conforme as variadas circunstâncias, determinará nosso status existencial.
O Programa 5S
Criado após a Segunda Guerra Mundial para ajudar na reconstrução do Japão, seu nome deriva dos vocábulos japoneses Seiri, Seiton, Seiso, Seiketsu e Shitsuke. O Programa 5S é uma das primeiras ferramentas a serem utilizadas em um programa de qualidade com o intuito de criar um ambiente organizado, padronizado e limpo de modo a trazer melhores resultados para uma empresa ou qualquer outro tipo de organização. A correta aplicação do programa produzirá mais agilidade, bem-estar, visibilidade, padrão de qualidade, produtividade e redução de custos. O cerne de seus resultados está nas mudanças comportamentais que provoca.
Os benefícios acontecem devido ao modo que o 5S é implementado pois desenvolve os seguintes aspectos da organização:
– Seiri: senso de utilização. Nesta primeira fase é necessário analisar todos os processos, etapas, funções, equipamentos, objetos, documentos, pessoal, etc; deve-se definir o que permanecerá, será descartado ou rearranjado. Ao final, o ambiente de trabalho se tornará mais útil, sem desperdícios ou excessos; restará o que realmente importa. Isso tudo aumenta a concentração da equipe e torna o ambiente mais limpo, otimizado e menos poluído.
– Seiton: senso de organização. Depois de selecionar o que ficará e descartar o desnecessário é o momento de organizar o que permaneceu. Nesta fase, cada coisa deve estar em seu lugar e cada lugar conter somente as suas coisas. São elaborados então sistemas para que os funcionários tenham acesso mais fácil ao necessário por meio de identificações, etiquetas e estantes. Também pode-se estabelecer procedimentos padrões (rotinas) por escrito ou em fluxogramas para cada função desempenhada. Torna-se possível agilizar os processos, ganha-se tempo e aumento da produtividade porque é facilitada a localização de cada item.
– Seiso: senso de limpeza. Cumpridas as duas primeiras etapas, esta fase visa manter o ambiente organizado e limpo e vai refletir diretamente na qualidade da entrega do produto ou serviço ao desenvolver a responsabilidade individual entre os funcionários em suas áreas pessoais de trabalho e comuns. Limpeza, conserto de ferramentas e equipamentos, investigação do que gera desconforto e sujeira e a necessária ação para manter tudo em ordem desenvolverá um ambiente agradável e o bem-estar geral da organização será positivamente impactado.
– Seiketsu: senso de padronização. Agora são definidos os responsáveis por continuar as atividades feitas nas etapas anteriores com o objetivo de assegurar que o uso, a organização e a limpeza sejam mantidas em busca da melhoria contínua. Também, a definição de rotinas escritas e fluxogramas estabelecendo quem deve fazer, o quê, quando e onde fazer ajudam muito. Estes sensos tornam constantes os valores e padrões definidos resultando em colaboradores que apoiam e seguem as mudanças estabelecidas.
– Shitsuke: senso de autodisciplina. Para estabelecer e manter os princípios anteriores, é fundamental capacitar as pessoas envolvidas no processo, incentivar os valores da metodologia e transformá-los em parte ativa da visão e cultura da organização. Os próprios colaboradores devem saber o que deve ser feito e colocar em prática proativamente os passos anteriores. Esse é o estado ideal quando a empresa pode considerar que o programa está estabelecido com sucesso em suas rotinas e as coisas devem acontecer sem a necessidade de estímulos da diretoria.
O Programa 5S e a vida pessoal
Muito embora o programa tenha sido pensado com o fim de melhorar a produtividade e bem-estar em empresas e demais organizações, não é difícil fazer um exercício mental para aplicação na vida pessoal e doméstica. Os chamados “tempos líquidos”, quando tudo parece efêmero e que o tempo nos escorre pelas mãos, combinado com as escolhas cada vez mais complexas devido à abundância esmagadora de escolhas disponíveis em nossa sociedade altamente conectada podem ser muito prejudiciais à produtividade e bem-estar pessoais. As opções abundantes, os constantes questionamentos sobre as decisões, as expectativas altas podem trazer à tona frustrações e culpas por eventuais fracassos oriundos das escolhas. Daí pode surgir a chamada “paralisia decisória”: a incapacidade de tomar decisões simples ou complexas em função do medo, ansiedade e estresse devido às possíveis implicações de nossas escolhas. Pois bem, a metodologia do Programa 5S pode ser empregada como eficaz lenitivo para esse drama.
Se em meio ao emaranhado de informações, insights, demandas profissionais e familiares e possibilidades de escolhas não soubermos o que fazer, podemos começar pela organização e o 5S pode ajudar muito. Reservar um tempo para o Seiri (senso de utilização) pessoal e começar definindo o que é importante e descartar objetos, objetivos e atividades não tão necessárias pode canalizar nossos esforços para o que realmente valorizamos. Atacar aquele cômodo da casa com objetos guardados que nunca utilizaremos, desfazer-se de utensílios domésticos funcionais, mas que pouco empregamos e roupas antigas guardadas que apenas ocupam espaço e necessitam trabalho para limpeza e manutenção, desperdiçando nosso tempo, pode ser um ótimo começo. Também, excluir do celular os aplicativos inúteis, desabilitar as notificações dos que permanecerem instalados, mas não são tão importantes, sair dos grupos que tomam nossa atenção, mas não agregam nada segundo nossos interesses mais relevantes. Útil ainda, se possível, evitar o excesso em redes sociais e a compulsão por inteirar-se de notícias sobre as quais possuímos pouco em nenhum meio de ação para a solução dos problemas por ali noticiados.
Aquilo que restar é preciso organizar (Seiton). Colocar cada coisa em seu lugar naquele cômodo agora menos entulhado o que resultará em um ambiente mais funcional e agradável. Talvez reservar um tempo para no domingo à tardinha criar uma lista de atividades, inclusive de recreação e físicas, para a próxima semana e esforçar-se para cumpri-la. Disciplinar-se para acessar redes sociais apenas o adequado, evitando a compulsão. O resultado deste esmero certamente será a sensação de produtividade pessoal, menos sobrecarga e de menos incertezas para definir o que fazer no dia a dia.
Manter a limpeza, realizar consertos e manutenções (Seiso, senso de limpeza), aqui incluídos os cuidados com a saúde física e mental, devem estar relacionados naquela listinha anteriormente citada das atividades semanais. Pouca coisa é mais desconfortável do que habitar em um meio sujo, mesmo que organizado, e de precisar de um utensílio doméstico avariado, não funcional, ou de não estar em condições para realizar uma atividade física que gostamos.
Se vivemos em um lar com familiares, podemos combinar e dividir as tarefas (Seiketsu, senso de padronização) comuns e qual o padrão a ser mantido: quem cozinha, quem lava a louça e guarda, quem cuida da garagem e lavanderia, do jardim, daquele cômodo que serve de depósito, quem leva o pet para passear, quem paga a água ou a energia elétrica, como fica a divisão das despesas de mercado, etc. Se vivermos sozinhos, bom, aí a divisão fica muito mais fácil, não é!?
Por fim, a autodisciplina (Shitsuke) é a cereja do bolo do processo e será tanto melhor quanto melhor for o empenho na implantação do programa 5S pessoal. É preciso confiar que os resultados aparecerão (e aparecerão) na forma de melhor produtividade, economia, mais tempo para laser, melhoria dos relacionamentos, em uma palavra, em aumento do bem-estar pessoal e familiar. Obviamente, carecerá de uma certa dose de empenho e diálogo entre os conviventes para que o método seja mantido e se possa usufruir o máximo de seus efeitos positivos.
Conclusão
Vivemos em um mundo complexo, com inúmeras interações humanas oferecidas pelas facilidades atuais como as de locomoção e de comunicação, mas ainda assim os recursos essenciais ofertados gratuitamente pela natureza humana continuam sendo nosso corpo e o tempo. Assim, o uso destes recursos (corpo e tempo) de forma saudável e eficiente pode ser amplamente prejudicado pelo acúmulo de informações e possibilidades de escolha que surgem à nossa volta ininterruptamente dada a vida moderna, gerando improdutividade, mal-estar no ambiente de trabalho e familiar e, inclusive, males físicos como a paralisia decisória, a depressão e a ansiedade.
O Programa 5S, surgido no Japão que vivia uma crise logo após a Segunda Guerra Mundial e precisava de ações para aumentar a produtividade, pode, se bem aplicado, ajudar a combater esses males, tanto em ambientes organizacionais ou familiares como na vida pessoal. Seus efeitos positivos podem ser: identificação de erros em processos, melhoria da qualidade de vida, diminuição de desperdícios e excessos, otimização do tempo, organização e limpeza, aumento da produtividade, diminuição do estresse e da ansiedade.
Fontes:
https://www.revistaferramental.com.br/artigo/programa-5s-o-que-e-e-comoimplementar-na-sua-empresa/
https://medium.com/renatho/o-paradoxo-da-escolha-17d8032884f0