Um dos maiores problemas enfrentados por todos os povos é ter uma governabilidade eficiente. Várias formas de governo existem, assim como várias formas de tentar resolver os problemas relativos a cada nação, entretanto temos que boa parte das nações vivem problemas similares e cometem os mesmos erros na tentativa de solucionar tais problemas. Via de regra, adota-se uma maior intervenção estatal como forma de tentar resolver problemas que supostamente as pessoas não querem resolver, ou devessem resolver. Desta forma, o governo adota uma posição incisiva e centralizadora agindo como se pudesse resolver todos os problemas existentes, contudo poucas são as soluções que realmente são eficazes e têm duração ao longo do tempo, boa parte das medidas adotas são custosas, ineficientes e interventoras e, assim, acabam por reduzir o escopo de ação do indivíduo e sua liberdade, o deixando apenas com resquícios destas faculdades tornando-o um mero objeto da vontade do estado.
CONHECIMENTO DISPERSO
O conhecimento disperso é um conceito que delimita de forma muito precisa a incapacidade e a imperfeição humana quanto a possibilidade de obtenção de todo o conhecimento mundano. Trata-se, pois, da imperfeição humana, a qual acarreta imperfeições em suas criações.
De tal forma, pode-se afirmar que, ainda que o conhecimento exterior seja objetivo, aquilo que o indivíduo faz com o conhecimento é subjetivo, desta forma Ubiratan Jorge Iorio explica:
Logicamente, o conjunto de informações possuídas por cada agente representa apenas um subconjunto do total de informações existentes no nível social. Esse subconjunto é individual, difere do indivíduo para indivíduo e, além disso, cada agente interpreta de maneira única as informações de que dispõe. Portanto, o total de informações existentes na sociedade não é um dado que possa ser disponibilizado para todos (IORIO, 2011, p. 42).
Deixando tudo ainda mais claro, o conhecimento além de disperso é entrelaçado com uma expectativa de padrões de conduta que, muitas vezes, não seguem devidamente as expectativas delineadas. Soma-se a isso o fato de que aquilo que cada indivíduo faz com seu conhecimento é algo único e subjetivo, ainda que haja similaridade entre os agentes, nada garante que sua atuação sempre similar a dos demais.
Aprofundando ainda mais, podemos dizer que o indivíduo não precisa ter conhecimento de tudo para poder utilizá-lo. Não é necessário que o indivíduo saiba como produzir um encanamento para ser um encanador, da mesma forma que um mecânico não sabe construir um motor, muitas vezes nem sabe qual a composição dos metais que ali estão, porém entende de seu funcionamento e o que é necessário fazer para mantê-lo funcionando. Desta forma, o conhecimento disperso que outros agentes possuem sempre estará disponível, entretanto, nem sempre, ou melhor, quase nunca é possível rastreá-lo com perfeição. Nestes termos F. A. Hayek afirma:
A maioria das vantagens da vida social, em especial nas suas formas mais avançadas a que chamamos “civilização”, reside no fato de o indivíduo se beneficiar de mais conhecimento do que tem consciência. (HAYEK, 2022, p. 39).
Tudo isso para chegar no ponto crucial, que tem por base a impossibilidade de obtenção deste conhecimento total por qualquer indivíduo ou órgão central. Não há a possibilidade de algo ou alguém conter todo o conhecimento disponível no mundo, e, ainda que tivesse, não conseguiria utilizá-lo de forma a resolver os problemas em tempo real. O conhecimento é algo que constantemente está evoluindo, em compartilhamento, ocorrendo trocas entre as pessoas. A liberdade para obter conhecimento é uma das maiores chaves da humanidade para resolver os problemas existentes. Sem essa liberdade os problemas continuarão a existir. Neste mesmo sentido Ubiratan Jorge Iorio explica:
Cada agente possui um conjunto de informações individual de natureza prática e não passível de articulação, que está sempre dispersa e se apresenta no oculto. Sendo assim, não é logicamente aceitável a suposição de que esse conjunto, bem como os dos milhões de outros indivíduos, possa ser transmitido para o órgão central. Isso ocorre tanto porque o volume de informações é muito grande, como, principalmente, porque está disperso na mente dos habitantes da sociedade, sendo, portanto, impossível expressá-lo formalmente e transmiti-lo explicitamente ao órgão de controle. (IORIO, 2011, p. 46).
Sendo assim, pode-se afirmar que o conhecimento é disperso e que sua utilização com eficácia máxima se dá apenas pelo agente que o detém, qualquer outro ser que possua as mesmas informações pode tomar decisões diversas, logo demonstrando a invalidade da possibilidade de obter todo esse conhecimento disperso.
ORDEM ESPONTÂNEA
Ordem espontânea é um conceito criado por F. A. Hayek, o qual define a atuação das pessoas como racionais, porém em um contexto de incerteza genuína, onde cada indivíduo age livre e espontaneamente dentro de suas capacidades. Desta forma, o autor, em seu livro “Direito, Legislação e Liberdade”, afirma “a ordem será uma adaptação a um grande número de fatos particulares que não serão conhecidos em sua totalidade por ninguém” (HAYEK, 2019, p. 61).
Importante pontuar que a ordem espontânea não possui um criador ou controlador, ela é espontânea e livre, sem qualquer tipo de controle ou interferência na sua existência, de tal feita que recebe este nome. Assim, Hayek deixa bem delineado:
O mais importante, porém, é a relação de uma ordem espontânea com o conceito de propósito. Como essa ordem não foi criada por um agente externo, a ordem como tal tampouco pode ter propósito, embora a sua existência possa ser muito útil aos indivíduos que se movem dentro dessa ordem (HAYEK, 2019, p. 60).
A partir deste ponto nota-se a correlação entre ordem espontânea e o conhecimento disperso. Ambos possuem o mesmo cerne, que é o indivíduo livre e consciente para fazer suas escolhas da maneira que melhor lhe aprouver, com o conhecimento que tem a sua disposição.
Tanto a ordem espontânea quanto o conhecimento disperso interagem de forma complementar, criando um sistema no qual o indivíduo tem a capacidade de ação da melhor maneira possível utilizando-se das informações que dispõe. Esta atuação será feita em menor custo de tempo e com os riscos e custos voltados diretamente ao agente, não havendo, portanto, repasse dos custos de sua atuação para terceiros. Um agente que age mal irá arcar com os danos causados por sua atuação, o que é o inverso do que acontece com a atuação estatal, na qual os custos são disseminados por toda a sociedade e quanto maior a concentração de poder, maior será o número de pessoas que terão de arcar pelos erros estatais.
GOVERNABILIDADE
A governabilidade é algo essencial para qualquer estado. Existem algumas formas de governabilidade: a) aquela feita por conchavos, onde há propina e corrupção por todos os lados, que é o modelo mais comum; b) a imposta pelas ditaduras, onde o poder do governante subjuga a todos do povo, exceto alguns que se encontram em posições favoráveis em relação ao ditador, não é um modelo comum, mas existem diversos estados que o adotam e; 3) a governabilidade criada pelos sistemas representativos ou monárquicos descentralizados, são um tanto quanto raros, mas eficiente.
De todos os 3 modelos acima elencados, pode-se criar diversas variações de cada um deles, voltados para maior ou menor controle de poder e menor liberdade. O fato a ser levado em consideração é que, de todos os sistemas, apenas aqueles que forem realmente descentralizados terão êxito na governabilidade. Caso a descentralização não seja observada, o que se tem é um estado atrasado, custoso e avesso a liberdade. Luiz Philippe de Orleans e Bragança (2022) em seu livro, “Por que o Brasil é um país atrasado?” traz o seguinte apontamento:
Por que o estado é culpado desse atraso? Ele tem sido a força motriz da nossa política econômica por muito tempo sem transparência, sem competição e, portanto, corroído por corrupção e ineficiência. (Orleans e Bragança, 2022, p. 238).
Enquanto o estado não respeitar a ordem espontânea e não reconhecer o conhecimento disperso, não haverá a menor possibilidade de um crescimento econômico viável e muito menos o florescimento da liberdade de forma completa. Quanto maior a centralização deste poder, menor será a capacidade de atuação do indivíduo. Nestes termos é que se faz necessária a observação do sistema federalista, o qual tem por base o princípio da subsidiariedade que, por si só, possui os parâmetros de excelência para um governo descentralizado que dão observância máxima tanto a ordem espontânea quanto ao conhecimento disperso.
Ao aplicar o princípio da subsidiariedade, que é a base do sistema federalista, haverá o respeito à ordem espontânea e o reconhecimento do conhecimento disperso. Ou seja, reconhece-se a falibilidade humana e dá espaço para uma maior atuação individual para resolver os problemas que surgem na sociedade de forma mais rápida e eficaz, diminuindo os custos repassados do fracasso dos governantes, sendo apenas a sociedade interessada aquela que irá arcar com os custos de suas decisões. Políticas nacionais deverão ser abolidas, ou reduzidas ao máximo para apenas aquelas que, de alguma forma, puderem ser implementadas sem grandes percalços a toda a população. Em outras palavras, ao aplicar a lógica do mercado, com base na visão da Escola Austríaca, ter-se-á uma forma de governo sólida, livre e com uma maior capacidade de gerenciamento de riscos e custos para com a atuação governamental.
CONCLUSÃO
A centralização de poder é um dos maiores problemas que temos para uma governabilidade estável e duradoura, além do mais, esta mesma centralização causa diversos outros problemas, sejam eles econômicos ou sociais. A fim de evitar que isso aconteça, podemos utilizar a lógica de mercado que a Escola Austríaca desenvolveu, ou seja, aplicando a ordem espontânea e o conhecimento disperso. Ao aplicar estas duas variáveis na equação da governabilidade, é como se ela se soluciona-se per si não sendo necessário outras grandes intervenções. O princípio da subsidiariedade é a resposta da junção destes dois requisitos.
Com efeito, é possível que haja uma melhor governabilidade em qualquer estado apenas aplicando estes dois preceitos básicos tão valiosos para a Escola Austríaca.
REFERÊNCIAS
HAYEK, F. A. A constituição da liberdade. 1. ed. São Paulo: Avis Rara, 2022.
HAYEK, F. A. Direito Legislação e liberdade. 1. ed. São Paulo: Avis Rara, 2023.
HAMILTON, A.; MADISON. J.; JAY, J. O Federalista. 1. ed. Belo Horizonte: Editora Líder, 2003.
IORIO, U. J. Ação, tempo e conhecimento: a escola Austríaca de Economia. 2. ed. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2011.
ORLEANS E BRAGANÇA, L. P. Por que o Brasil é um país atrasado?. 4. ed. São Paulo: Maquinaria, 2022.
TOCQUEVILLE, Alexis. A Democracia na América. 1. ed. São Paulo, Edipro, 2019.
ROTHBARD, M. N. Anatomia do Estado. 1. ed. São Paulo, 2019.