A expressão sonho americano remonta a Declaração de Independência dos Estados Unidos, que estabelece que “todos os homens são criados iguais” com direito a “vida, liberdade, propriedade e a busca pela felicidade”. A história americana, de fato, se materializou sobre este ideal, contemplando a construção de uma vida melhor, mais afortunada e feliz para todos, baseada em oportunidades e habilidades individuais que viabilizassem conquistas, de forma independente à classe social de cada pessoa. O sonho americano não é apenas sobre riqueza e prosperidade, mas, principalmente, sobre caráter e moral coletivos, capaz de prover a sociedade com uma visão de bem comum e mobilidade social, fatores que atuaram como avalistas à sua aderência contínua ao tecido social.
Deste sonho evolui outro conceito importante: o chamado estilo de vida americano, que contempla o gosto por esportes competitivos, o reconhecimento individual daqueles que contribuíram com feitos relevantes, desde o âmbito escolar até as esferas civil e militar, o respeito e incentivo à religiosidade, à exaltação dos símbolos nacionais e o respeito a diversidade étnica, que inclui a resolução de questões raciais complexas dentro da própria sociedade. O sonho e o estilo de vida americano se sustentam pela integridade de seus sistemas econômico e político, ou seja, o capitalismo e a democracia.
A Cultura Woke não tem sua origem dentro da sociedade norte-americana. Trata-se de um fenômeno ocidental, mas europeu. Nasce, portanto, no seio de uma sociedade diversa que, apenas recente e parcialmente, incorporou o conceito de democracia plena, considerando ter sempre se defrontado com regimes com algum viés de totalitarismo e com uma elite convencida de que o bem comum deve ser um objetivo a ser atingido, desde que este seja definido e conduzido por representantes desta mesma elite.
Contextualizando, é fato que a Cultura Woke se desenvolveu nos países mais democráticos da Europa, mas durante a Guerra Fria, um período em que o receio de um terceiro confronto se mantinha vivo. Essas sociedades, inicialmente financiadas por abundantes recursos derivados dos planos de reconstrução, que corretamente visavam não incorrer nos mesmos erros do final da 1ª Grande Guerra, acabaram por desenvolver um assistencialismo que culminou na prevalência do regime social-democrata, cuja tendência é de pouca alternância de poder, dado a característica benevolente de sua proposta de Estado, o que, no entanto, acaba fragilizando seu lado econômico, considerando sua dificuldade em promover competitividade, fator necessário ao fortalecimento do sistema capitalista. Assim, ao longo dos anos, este modelo concentrou riqueza e poder em grandes conglomerados, refletindo uma capacitação tecnológica pré-existente, aumentou os custos de produção e reduziu a eficiência regional, dificultando ao velho continente manter sua competitividade em relação aos Estados Unidos e aos emergentes asiáticos.
Sociedades fortemente assistencialistas e com baixa propensão a competitividade se tornaram um berço acolhedor para a consolidação de um movimento derivado do obscuro pós-modernismo e obcecado por questões relacionadas a diversidade, equidade, inclusão e mudanças climáticas, que atribui às pessoas brancas, principalmente do sexo masculino, cisgêneras, heterossexuais e saudáveis a responsabilidade por todos os problemas da humanidade. A Cultura Woke, além de proporcionar uma narrativa de justificativas para a baixa produtividade econômica, inerente à social-democracia, congrega, ainda, suas causas identitárias divisionais e lança incertezas, que contribuem para a disseminação do medo na base populacional, facilitando não apenas o controle social como também a manutenção dos grupos de poder.
A narrativa de justificativas para a baixa performance econômica presente na Cultura Woke não favorece apenas políticos. CEOs de grandes corporações perceberam que poderiam se utilizar destes pretextos superficiais e implementar políticas abstratas para defesa do bem comum e causas identitárias, como um subterfugio não apenas para justificar desempenhos abaixo do requerido pelos acionistas, como também para desviar o foco de questões mais sérias e complexas envolvendo conflitos de agência, interesses, fraudes e outras derivações de ordem ética. Esta acabou sendo a porta de entrada da Agenda Woke na sociedade norte-americana, aliando o dinheiro das corporações, os interesses de políticos populistas e a doutrinação universitária, iniciando um processo de sabotagem de sua cultura, princípios e valores.
Ao contrário da Cultura Woke, que se concentra na problematização para impor suas teses identitárias e contestar as estruturas que sustentam a sociedade ocidental, que entende concentrar os privilégios dos grupos dominantes, o capitalismo norte-americano se baseia em uma mentalidade criativa, voltada à resolução de problemas e à constante busca pela inovação e progresso. As diferenças de opinião não são consideradas como diferenças de princípios, mas a base para o progresso e o desenvolvimento científico.
O desenvolvimento e o financiamento de pesquisas, que inclui parcerias entre as corporações e universidades, é uma questão central para a economia norte-americana. O pragmatismo acadêmico visa a garantia do progresso econômico, da prosperidade e da segurança nacional. A utilização das inovações pelas empresas faz com que estas se tornem mais produtivas e sejam capazes de oferecer aos consumidores produtos que atendam suas necessidades, criando um ambiente de alto valor agregado.
A meritocracia, um conceito fundamental inerente ao capitalismo americano, é fortemente contestado pelos teóricos Woke, uma vez que entendem ser este um valor que representa a supremacia branca e é utilizado para justificar hierarquias raciais, não guardando, portanto, correlação com seu real propósito, ou seja, a recompensa do esforço e das habilidades individuais. Corporações que desprezem a meritocracia e a trocam por qualquer outra forma de reconhecimento funcional, no entanto, assumem o risco de reduzir sua eficiência. Empresas eficientes são uma vantagem competitiva importantíssima para o sistema capitalista, logo, a disseminação desta cultura pode, a médio prazo, comprometer toda a economia, agravando, inclusive, os problemas sociais que a Cultura Woke se propõe endereçar.
Sob a perspectiva política, a Cultura Woke divide, segrega, visando o controle e a doutrinação social. Seu entendimento, baseado apenas na visão de mundo subjetiva de seus formuladores, de que um grupo dominante oprime os diversos grupos identitários, praticamente inviabiliza a existência de um regime democrático pleno.
A sociedade norte-americana foi constituída com base na bravura, na honra e integridade dos “Pais Fundadores”. Os valores democráticos estão presentes em seus próprios fundamentos, que preveem que todos os homens são criados iguais e possuem direitos inalienáveis como a vida e a liberdade. Os governos, instituídos pela sociedade, devem agir através dos poderes consentidos por esta sociedade de forma a assegurar que estes direitos sejam plenamente exercidos.
O respeito às leis e as tradições e a preocupação com a formação das próximas gerações se estabelece como mais um importante alicerce sob o qual a América se mantem edificada. O sentimento de gratidão aos antecessores, pelos valores e pela liberdade desfrutada no momento atual, é marcante e o não reconhecimento desta realidade é avaliado, pelos norte-americanos, não apenas como ignorância, mas como uma falha a ser lamentada. Existe, no seio da sociedade, a percepção de que as pessoas buscam ser úteis, o que se traduz em um sentimento de pertencimento que se sobrepõe à própria individualidade, outro importante valor dos norte-americanos. Os “Pais Fundadores” deixaram, ainda, como um de seus mais importantes legados, a percepção de que, tudo que eles construíram, não era perfeito e precisava ser revisto e aprimorado constantemente, mas com a manutenção dos princípios e valores fundamentais.
A Cultura Woke, cuja aderência aos valores e ao estilo de vida norte-americano é praticamente inexistente, está sendo ardilosamente imputada a esta sociedade com base em seus princípios identitários, sob os quais não se admitem questionamentos. A abordagem Woke para a resolução destas questões, no entanto, é superficial e não atende às necessidades mínimas para seu encaminhamento. Os valores sobre os quais a sociedade ocidental se estrutura, em particular a sociedade norte-americana, no entanto, tem sido capaz de apresentar soluções factíveis e resolver os problemas com os quais tem se defrontado ao longo da história. A estratégia Woke, de dividir para conquistar, tem por objetivo destruir os ideais que fizeram a sociedade norte-americana chegar ao progresso e a qualidade de vida que desfruta hoje e precisa ser repudiada com coragem e veemência.
Referências:
Churchwell, S. (2021). A Brief History of the American Dream. The Catalyst; George W. Bush Institute.
Greenpan, A; Wooldridge, A. (2020). Capitalismo na América: Uma história. Record.
McCullough, D. (2017). The American Spirit: Who we are and what we stand for. Simon & Schuster
Ramaswamy, V. (2021). Woke, S.A. A farsa da justiça social empresarial. LVM Editora.