Quando se discute a (eficácia da) segurança pública, o que vem à tona, de imediato, é o exercício de atividades de policiamento, quer de forma ostensiva, quer de maneira repressiva, quando o delito já fora praticado, momento a partir do qual a polícia judiciária inicia a sua atuação metodicamente investigativa.
No Estado Democrático de Direito, formatado pela Constituição Federal de 1988, a segurança da sociedade é considerada serviço público indispensável para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, público e privado. Inclusive, essa é a ideia central do caput do art. 144 da Lei Fundamental1, abaixo transcrito:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio […]
Para tanto, o legislador constituinte elencou nesse mesmo dispositivo constitucional um rol de incisos em que foram enumerados os órgãos de segurança pública, que são estes:
I – polícia federal;
II – polícia rodoviária federal;
III – polícia ferroviária federal;
V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.
VI – polícias penais federal, estaduais e distrital.
Porém, da leitura do mencionado artigo da Constituição, percebe-se que a guarda municipal não consta nesse rol expresso de órgãos de segurança pública tipicamente reconhecidos pelo legislador constituinte. Por essa razão, discutiu-se a natureza e as finalidades institucionais das referidas guardas.
Embora não esteja expressamente contida em qualquer dos incisos do art. 144, da CF/1988, à guarda municipal fora reservada redação especial, que se encontra logo adiante, mais especificamente no § 8º do mesmo dispositivo constitucional, segundo o qual “Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”.
Essa lei a que se refere o § 8º do art. 144 é a Lei n. 13.022/2014, conhecida como Estatuto Geral das Guardas Municipais2. Em síntese, o art. 2º do Estatuto, basicamente, enfatiza o disposto no texto constitucional imediatamente acima reproduzido, no sentido de reafirmar que a finalidade das guardas municipais consiste na proteção municipal preventiva, na medida em que se ocupa da salvaguarda dos bens, serviços e instalações dos municípios que as instituírem.
A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) novamente se manifestou. Dessa vez, em sede do REsp n. 1.977.119/SP3, o Tribunal da Cidadania esclareceu que “A Constituição Federal de 1988 não atribui à guarda municipal atividades ostensivas típicas de polícia militar ou investigativas de polícia civil, como se fossem verdadeiras polícias municipais, mas tão somente de proteção do patrimônio municipal, nele incluídos os seus bens, serviços e instalações”.
Ao considerar os integrantes daquela como “[…] agentes públicos com atribuição sui generis de segurança […]”, o STJ ainda reconheceu a legalidade de busca pessoal eventualmente realizada pelas guardas municipais, desde que se dê “em situações absolutamente excepcionais e por isso interpretadas restritivamente nas quais se demonstre concretamente haver clara, direta e imediata relação de pertinência com a finalidade da corporação, isto é, quando se tratar de instrumento imprescindível para a tutela dos bens, serviços e instalações municipais”.
Em outros termos, é perfeitamente possível a efetuação de busca pessoal pelos integrantes das guardas municipais “[…] se houver, além de justa causa para a medida (fundada suspeita de posse de corpo de delito), relação clara, direta e imediata com a necessidade de proteger a integridade dos bens e instalações ou assegurar a adequada execução dos serviços municipais”.
Vê-se que a constitucionalidade e a legalidade da atividade de segurança pública desenvolvida pelas guardas municipais são estreitamente vinculadas à realização da função de proteção municipal preventiva, desde o patrulhamento até eventual busca pessoal.
Além disso, no AgRg no HC 748.019/SP4, o STJ também admitiu que “não há falar em ilegalidade na prisão em flagrante realizada por guardas civis municipais. Consoante disposto no art. 301 do CPP, ‘qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito’”.
Nessa última questão, o raciocínio é bastante simples: se o art. 301 do Código de Processo Penal (CPP) permite que qualquer do povo possa prender quem quer que esteja em flagrante delito, maior razão é atribuída à atuação dos integrantes das guardas municipais que assim procederem, visto que são “[…] agentes públicos com atribuição sui generis de segurança […]”.
Todavia, frise-se que as buscas pessoais a serem efetuadas pelas guardas não estão devida e claramente positivadas no ordenamento jurídico brasileiro, o que, por consequência, exige a análise individual dos casos concretos em que houver a ingerência dos agentes municipais em ações de policiamento precipuamente ostensivo no exercício da função de proteção do patrimônio municipal, para que então se possa fazer o exame de constitucionalidade/legalidade da ação.
Referências:
1BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 11 de outubro de 2022.
2BRASIL. Lei nº 13.022, de 8 de agosto de 2014. Dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13022.htm#art1. Acesso em: 11 de outubro de 2022.
3BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso Especial nº 1.977.119/SP. Sexta Turma, Relator: Min. Rogerio Schietti Cruz, Julgamento: 16/08/2022, Publicação: 23/08/2022a. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202103914460&dt_publicacao=23/08/2022. Acesso em: 11 de outubro de 2022.
4BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Agravo regimental em habeas corpus nº 748.019/SP. Quinta Turma, Relator: Min. Ribeiro Dantas, Julgamento: 16/08/2022, Publicação: 22/08/2022b. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202201757200&dt_publicacao=22/08/2022. Acesso em: 11 de outubro de 2022.
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