O compliance surgiu na década de 1970 nos Estados Unidos derivado do termo em inglês: to comply, em tradução literal: cumprir. Basicamente significa em termos práticos que a empresa se dispõe a cumprir as regras e a ser coerente.
O compliance age em uma companhia desde a elaboração de um código de ética e conduta até a avaliação e previsão de determinados riscos com potencial para ditar o futuro da empresa, riscos estes que podem ser aqui segregados em três grandes tipos, sendo eles: o risco de operação, risco de conformidade e risco reputacional.
Se abstrairmos por um momento neste ponto, podemos dizer que os três no fim do dia dizem respeito a ser coerente. Observemos que o risco de conformidade diz respeito a empresa estar seguindo determinado procedimento interno ou norma externa a ela, por exemplo: A empresa se dispõe a criar um código de ética e conduta, mas a diretoria e a liderança não se preocupam em segui-lo adequadamente? Temos aqui uma não conformidade interna, não somente em relação as normas externas, mas também a normas internas.
Agora imaginemos o seguinte cenário: ocorreu uma atualização de determinada norma relativo a alguma etapa contida no meu processo, seja ele qual for, o setor responsável rapidamente atualizou o procedimento interno a fim de adequar aquela etapa processual com a legislação vigente afim de garantir a lisura do processo, com isso o procedimento interno e externo está em sincronia.
Agora de volta ao processo em si, o que me garante que este está operando para a conformidade? Ou seja, para o objetivo em comum? Tomemos de exemplo um setor como qualidade: apesar da empresa ter procedimentos de qualidade em consonância com a legislação vigente, se não for observado a prática processual, o modo de operação, e tomado ações práticas, não será possível apenas com a criação de procedimentos garantir que o objetivo final do processo sairá em conformidade com o objetivo buscado, criando então o risco operacional. Novamente o problema da coerência.
O risco reputacional se dá no momento em que não consigo prever os riscos ou conter os impactos da falta de conformidade, legando a empresa uma imagem de práticas não conformes ou pior ainda, uma imagem de empresa corrupta.
Vale a pena aqui situar que no Brasil, o compliance ficou em alta após a operação lava jato, na qual, expôs várias empresas que tinham envolvimentos em esquemas milionários de corrupção envolvendo o setor público através das licitações.
Obviamente que a falha na previsão do risco de conformidade, ocasiona o risco reputacional, possibilitando um processo criminal, como no caso das empresas envolvidas na lava a jato.
Esses casos fizeram acender nas empresas por todo o Brasil a luz sobre a necessidade de estruturar o seu sistema de compliance por perceber que corriam um risco financeiro muito grande se não levassem a governança interna a sério.
Mas o que a filosofia tem a ver com tudo isso então?
Desde o seu princípio, com os gregos antigos, a filosofia busca compreender, entre outras coisas, os costumes, que é compreendido como o conjunto de normas de convivência e também o caráter dos indivíduos que nada mais é do que o modo de ser de alguém. Estes termos são debatidos na filosofia, respectivamente como a moral (do latim: moralis: costume) e a ética (do grego: ethos: na concepção de Aristóteles: aquilo que habita dentro de alguém).
Para a filosofia, especificamente aqui para Aristóteles o caráter do ser humano é moldado de acordo com suas vivências e com a prática das virtudes. O que Aristóteles defende em seus textos é que a ética enquanto disciplina trata-se de um “estudo” prático e não teórico, em outras palavras não somente basta para a construção de um bom caráter conhecer as práticas morais, mas essencialmente pratica-las.
Como o filósofo diz em seu livro: ética a Nicômaco: “Quanto à excelência moral, ela é o produto do hábito, razão pela qual seu nome é derivado, com uma ligeira variação, da palavra “hábito”. […] pois nada que existe por natureza pode ser alterado pelo hábito. […] quanto às várias formas da excelência moral, todavia, adquirimo-las por havê-las efetivamente praticado, tal como fazemos com as artes. As coisas que temos de aprender antes de fazer, aprendemo-las fazendo-as, por exemplo: os homens se tornam construtores, construindo.”
Em suma, Aristóteles considera a moral um conhecimento prático, um conhecimento que se adquire por força do hábito. O caráter do sujeito, para Aristóteles é moldado no hábito e não na natureza.
Contudo essa característica cria uma situação problema para a moralidade, que é a qualidade deste hábito, ou seja, se é virtuoso ou viciado, recorremos novamente ao texto do filósofo: “Ademais, toda excelência moral é produzida e destruída pelas mesmas causas e pelos mesmos meios, tal como acontece com toda parte, pois é tocando a cítara que se formam tanto os bons quando os maus citaristas. […] Logo, acontece o mesmo com as várias formas da excelência moral; na prática de atos em que temos de engajar-nos dentro de nossas relações com outras pessoas, tornamo-nos justos ou injustos; na prática de atos em situações perigosas, e adquirindo o hábito de sentir receio ou confiança, tornamo-nos corajosos ou covardes.”
Logo a função do compliance em uma empresa é justamente a missão aristotélica de buscar a coerência entre a moral, aqui representada pela norma tanto externa quando interna e a ética (caráter), aqui representada pelo hábito dos funcionários, a cultura da empresa, através dessa ciência, deste conhecimento construído com a prática das virtudes, neste contexto significando, em primeiro lugar a virtude como o bom planejamento e a prática como o hábito de cobrar a execução deste planejamento, não deixando apenas nos quadros de boas práticas, expostos pelos corredores da empresa.
O compliance então representa em uma empresa a sua busca pela excelência, não meramente operacional, mas a excelência ontológica, a busca pela característica perene e virtuosa da função empresarial, muitas vezes deturpada pela corrupção e menosprezada pela ideologia antiempresarial.
É o retorno do empresariado a sua posição de força, descentralização, lisura e confiança e impondo-se como a instituição fundamental para a sociedade moderna e contemporânea que sempre foi, mesmo que o Estado e seus puxa-sacos tentem dizer que não!