Em tese, viver em um Estado Democrático de Direito significa conduzir a própria vida em uma sociedade que, continuamente, em condições de normalidade institucional, está sob o império de leis elaboradas por representantes democraticamente eleitos, que compõem o Poder Legislativo enquanto expressão do poder soberano do Estado.
Em um Estado de Direito, em que vigora o regime político de natureza democrática, pode-se dizer que há duas diretrizes essenciais que hão de ser observadas para possibilitar a manutenção do Estado propriamente dito e também da democracia, quais sejam, a preservação das instituições (sociais, jurídicas e políticas) e a segurança proveniente da ordem jurídica consistente na certeza, jurídica e social, de que comportamentos desviantes não serão tolerados e, por consequência, serão devida e regularmente punidos, sancionados.
Dessa forma, no que respeita ao segundo aspecto necessário à manutenção da ordem e da normalidade institucional, precisa-se recorrer à Constituição Federal brasileira, no caso a de 1988, para se verificar como se deu a organização dos poderes ou funções, e, também, a distribuição de competências entre as instituições estatais a fim de que toda sanção seja adequadamente aplicada pelo órgão de Estado com competência jurídica para impor determinadas penalidades, quer previstas em lei ou na própria Constituição Federal.
De regra, sabe-se que a função de aplicar a lei compete, tipicamente, ao Poder Judiciário, cujos órgãos componentes estão elencados nos incisos do art. 92, da Constituição Federal de 1988. Desse modo, são órgãos do Poder Judiciário: o Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça, o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior do Trabalho, os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais, os Tribunais e Juízes do Trabalho, os Tribunais e Juízes Eleitorais, os Tribunais e Juízes Militares, e os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios (Brasil, 1988).
Assim, adotando-se um sistema de freios e contrapesos, no Estado Democrático de Direito brasileiro, os integrantes dos Poderes da república igualmente estão sujeitos a responsabilizações, com o resguardo do devido processo legal, que compreende o respeito a todos os direitos e garantias fundamentais. Por isso, como exemplo de prática institucional responsável pela manutenção da ordem institucional e da independência entre os Poderes constituídos, cabe a seguinte questão: qual é o órgão detentor de competência constitucional para julgar, individualmente, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)? Ou, ainda, dito de outra forma: Quem julga os guardiões?
Nesse caso, a palavra “guardiões” não é utilizada sem justificativa adequada e objetivamente demonstrável. Conforme dispõe o art. 102, caput, compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição (Brasil, 1988). Com isso, se o STF é responsável pela preservação das regras, princípios e valores inscritos no texto constitucional, pode-se concluir que os ministros, individualmente considerados, também exercem o papel de salvaguarda das matérias inseridas na Constituição Federal de 1988, com vistas a manter a ordem constitucional, a estabilidade social e a integridade do Estado brasileiro.
Porém, suponha-se que determinado ministro do STF exceda os limites constitucionais referentes à sua atuação originalmente legítima e, em razão disso, pratique atos destoantes do espírito da Constituição brasileira. Nesse caso, qual será o órgão público em cujo rol de competências constitucionais esteja a possibilidade de julgar os ministros da Suprema Corte? Para responder a tal questionamento, é preciso diferenciar a natureza da conduta supostamente praticada pelo então ministro, se se trata de crime comum ou crime de responsabilidade.
No caso de crime comum, supostamente praticado pelo ministro do STF, será do próprio STF a competência para processar e julgar o ministro da Suprema Corte, por força do disposto no art. 102, I, “b”, da Constituição brasileira, a seguir transcrito para compreensão integral:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente: […]
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;
Por outro lado, em se tratando de crime de responsabilidade, compete, privativamente, ao Senado Federal, órgão do Poder Legislativo da União, processar e julgar os ministros do Supremo Tribunal Federal, de acordo com o art. 52, II, da Constituição brasileira, igualmente transcrito a seguir:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: […]
II processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade;
Desse modo, os ministros que integram o órgão responsável pela guarda da Constituição Federal brasileira também podem ser processados e julgados, seja por crime comum ou crime de responsabilidade. No primeiro caso, a competência será do próprio STF; na segunda hipótese, a competência será do Senado Federal. Isso, como já dito, representa uma dimensão do sistema de freios e contrapesos adotado, sistematicamente, pelo texto constitucional de 1988.
Portanto, desde que com fundamento nas competências inseridas, expressamente, na Constituição de 1988, buscar a responsabilização de qualquer cidadão brasileiro que transgrida a ordem jurídica vigente, ainda que seja um ministro da Suprema Corte, expressa, tão somente, uma medida com respaldo constitucional e dotada de plena legitimidade conferida pelo legislador constituinte.
Referência
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 14 abr. 2024.