Em ano de eleições municipais não é incomum observar o uso indevido de publicidades no trato da administração com claro interesse político. Demos um exemplo de ambulâncias novas sendo expostas em praça pública com faixas dizendo: “MAIS UMA CONQUISTA DA GESTÃO ‘FULANO DE TAL’.” Outro ato comum de se verificar são inaugurações apressadas, em que se reúne toda a equipe eleitoreira para discursos e homenagens para aquele “grande feito”.
Ocorre que atos dessa estirpe ferem diretamente dois princípios administrativos, o da publicidade e o da impessoalidade.
Pois bem. O princípio da publicidade nada mais é que a divulgação, tendo como finalidade o conhecimento público – notem bem, o conhecimento público, e não promoções pessoais. Esse princípio tem como base o fato de que o administrador exerce função pública, atividade em nome e interesse do povo, por isso nada mais justo que o titular desse interesse tenha ciência do que está sendo feito com os seus direitos.
A publicidade, como princípio da Administração Pública, abrange toda a atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos, como também de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes e como garantia de informação.
Para fundamentar a obrigatoriedade desse princípio, podem ser identificados alguns dispositivos constitucionais: i) o art. 37, caput, que define publicidade como um dos princípios da Administração Pública; ii) o art. 5º, inciso XXXIII, que garante o direito à informação; iii) o art. 5º, inciso XXXIV, alínea b, que define o direito de certidão; iv) o art. 5º, inciso LXXII, que institui o remédio constitucional denominado habeas data, que garante o direito à obtenção e à retificação de informações pessoais.
Especial atenção deve ser dada ao que dispõe o art. 37, §1º da CF, segundo o qual: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.
Esse dispositivo deve ser observado em duas partes. Em primeiro lugar está o dever de publicidade dos administradores públicos, o que deve respeitar objetivos previstos na Constituição, para informar, orientar e educar a sociedade. Caso tal dever seja descumprido, o agente deve ser responsabilizado, caracterizando, inclusive, improbidade administrativa, prevista no art. 11, da Lei no 8.429/92.
Na segunda parte, o dispositivo veda a promoção pessoal, observando diversos princípios constitucionais, tais como impessoalidade, moralidade, eficiência e outros. Nesse caso, não se pode confundir publicidade com propaganda pessoal, atentando para o fato de que o texto constitucional proíbe a publicidade que represente propaganda do administrador.
Essa disposição faz sentido quando se tem como regra o fato de o administrador exercer função pública – portanto, munus público – daí por que todas as suas obras, serviços prestados e atividades desenvolvidas não representam nada mais do que a sua obrigação, o seu dever de ser um bom administrador. Vale dizer, Governo não tem dono, e o administrador não tem autorização para associar seu mandato a alguma sorte de preferência partidária; menos ainda para alardear seus (aos próprios olhos) bons feitos, vinculando-os nominalmente.
Já o princípio da impessoalidade estabelece que a atuação do agente público deve basear-se na ausência de subjetividade, ficando esse impedido de considerar quaisquer inclinações e interesses pessoais, próprios ou de terceiros.
A impessoalidade objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve aplicar aos administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica, representando, nesse aspecto, uma faceta do princípio da isonomia. [1]
Para Celso Antônio Bandeira de Mello[2], o princípio da impessoalidade “traduz a ideia de que a Administração tem de tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo, nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa.” E completa: “o princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia”.
Nada obstante isso, o princípio da impessoalidade também pode ser analisado sob dois aspectos diferentes: primeiro, quanto ao dever de atendimento ao interesse público, tendo o administrador a obrigação de agir de forma impessoal, abstrata, genérica, protegendo sempre a coletividade; segundo, que a atividade administrativa exercida por um agente público seja imputada ao órgão ou entidade e não ao próprio agente.
Assim sendo, acaso o estimado perceba atos da gestão municipal que violem os princípios acima mencionados, noticie a Promotoria local. Certamente, medidas serão tomadas.
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 21a ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 20.
[2] Curso de Direito Administrativo, 26a ed., op. cit., p. 114.