A manifestação de domingo (25/02/2024) foi um sucesso, e a mensagem dos–pacíficos e ordeiros – manifestantes patrióticos foi apenas uma: Exigimos liberdade.
Mas, liberdade aí têm diversos sentidos conotativos, implícitos, incompreendidos e muitas vezes até, aparentemente, desconexos entre si. Busquemos, então, compreendê-los de forma abrangente; afinal, é trabalho do intelectual “despertar instintos heroicos nos demais, conduzindo-os em direção à compreensão, e à realização da ordem, hierarquia, harmonia, beleza e justiça”, como nos orientou Thomas Carlyle.
Kant e O Imperativo Categórico
Todo projeto político revolucionário visa o domínio sobre todos os aspectos da existência humana, desde o controle sobre as leis, da mídia e da educação, até a própria cultura e conjunto de valores que compõem o inconsciente coletivo da sociedade civil, e o background filosófico deste fenômeno pode ser encontrado em Immanuel Kant, que, como diz Olavo de Carvalho, “aos trinta e oito anos descobria o que viria a ser a meta constante do resto da sua vida: ‘estabelecer os direitos da humanidade’, demolindo a autoridade da tradição e do hábito, criar a sociedade racional governada por um Estado educador de seres humanos ‘racionais’, prontos a agir sob o ditame de regras”, abdicando portanto de todas as formas de questionamento com relação às determinações consideradas “racionais” pelo Estado.
Diante de tal insight, já não nos espanta a agressividade da Esquerda ao imbuir-se do papel de guia do povo, reprovando veementemente qualquer espécie de ato orgânico – como foi a manifestação de 25/02 – conhecimentos, atitudes e até percepções que não sejam oriundas deles. Sim, caros(as) leitores(as), o pensamento Kantiano busca nos convencer de que somos todos intelectualmente lesados, e que nosso mais prosaico bom-senso depende da generosidade do “papai Estado”, que deve pegar em nossas mãos, conduzir-nos rumo à felicidade, mesmo que isto se assemelhe ao sistema de castas Hindu, ou a um regime policialesco e totalitário à lá Stalinismo. Parece-nos que, para Kant, se o “pai” em questão é um megalomaníaco esquizofrênico, conduzindo os filhos rumo ao abismo, pouco importa, restando a autoridade estatal, sui generis, como paradigma único e inconteste de confiabilidade.
As acusações de coup d’etat se repetem
Golpe de estado é um termo já extrapolado, porém recorrente nas narrativas de líderes impopulares, mas que se negam a abdicar do poder, mesmo sob forte rejeição civil. E no Brasil, não é diferente. Temos um sistema judiciário e midiático politicamente parciais, um estamento universitário e educacional doutrinário e disfuncional, e esquemas de corrupção às claras, face a uma população cansada de financiar uma casta política corrupta, incompetente e dispendiosa, que utiliza a máquina pública não para o bem comum, mas para perpetue-se, ad aeternum, no poder.
O livro “Operação Valquíria“, de Tobias Kniebe, é um dos mais impressionantes relatos historiográficos de heróis–então chamados de conspiracionistas–em busca de redenção e liberdade do genocídio perpetrado por Adolf Hitler contra a “santificada Alemanha”. Os termos “conspiracionista”, “teórico da conspiração” e “golpe de Estado” já eram utilizados como artifícios retóricos para manter a população presa aos cabrestos ideológicos dos revolucionários que, após subir ao poder, adotavam o conceito de “democracia relativa’, não tolerando quaisquer questionamentos, desde muito antes do nascimento do próprio e infame “Führer” nacional-socialista.
“Eichmann em Jerusalém”, de Hannah Arendt
Outro livro que alude –de maneira assustadoramente atual –à realidade política que vivemos hoje no Brasil, é o supramencionado título da escritora judia Hannah Arendt.
A “banalidade do mal” é o tema “principal” da obra, que narra o julgamento de Adolf Eichmann – ex-colaboracionista dos nazistas na segunda guerra mundial – em 1961, e sua completa frieza ao admitir perante o júri israelense que “não se sentia culpado por ter facilitado a captura de judeus posteriormente enviados às câmaras de gás, e que pensava apenas em ‘fazer seu trabalho bem-feito’, seguindo as ordens do Estado Nazista.” Funcionário “do mês”, o Sr. Eichmann, virtuoso na beatifica e honrosa qualidade de “obediente à racionalidade do Estado”. Kant estaria orgulhoso.
Como escreveu Paul Violletem “Le Roi et ses ministres pendant les trois derniers siecles de la monarchie“: “o Estado moderno não é senão o rei dos últimos séculos que continua triunfalmente seu labor encarniçado“, carregando consigo seus adeptos para a desgraça abissal. Adolf Eichmann foi um dos defensores do Estado, vendo-o como autoridade humana máxima e inquestionável, estando, portanto, acima de Deus.
Servatius, advogado de Eichmann, utilizou, em vão, tal narrativa em sua pretensa, porém infrutífera defesa, visto que Eichmann foi condenado e enforcado.
O tema mais interessante abordado no livro, no entanto, é a desumanização sistêmica dos judeus, que precedeu durante vários anos às primeiras investidas militares da blitzkrieg nazi, incluindo o isolamento, e o impedimento de trabalhar em várias profissões, principalmente nas áreas da comunicação, rádio, teatro e jornais. Qualquer similaridade com o Brasil de hoje, certamente não é mera coincidência.
Isso explica, como pontua Arendt, a inércia dos judeus, que não se rebelaram a tempo contra o genocídio iminente. Não é possível rebelar-se contra o (literalmente) desconhecido. Os judeus não possuíam nenhum canal de comunicação para que pudessem se organizar, e o regime totalitário os venceu.
Vários trechos desta obra prima podem ser encarados como alusões ao nosso próprio momento atual no Brasil: Uma mídia “oficial”, que -sejamos sinceros -demoniza e prega a exclusão dos conservadores com a mesma veemência com a qual os judeus foram, um dia, demonizados e excluídos, e busca distorcer o fato de que, no Brasil, os conservadores são a esmagadora maioria. Sabemos bem o resultado da inocência… O livro de Hannah Arendt é atual, ou os métodos totalitários não mudaram muito de lá para cá? Provavelmente as duas coisas.
A Esquerda que se vire
Os brasileiros, diferentemente dos judeus mencionados por Hannah Arendt, despertaram, e estão dispostos a se organizarem pacífica e ordeiramente – enquanto ainda há tempo – para defenderem seus direitos humanos e civis, pois já atentaram, mesmo que de maneira empírica, às palavras de Hegel: “Uma interpretação do que poderíamos chamar de Conservadorismo Histórico. Uma coletividade humana organizada sob a forma de ‘Estado de Potência’” econômica, jurídica, e política, onde a democracia é verdadeiramente respeitada, e não mais “relativizada” por uma trupe minoritária, e que em nenhum aspecto representa os anseios do povo brasileiro.
Sim, a esquerda engoliu uma amarga redpill no último domingo, e a tendência é que a dose de pílulas vermelhas – que aqui no Brasil são verde-amarelas – que a esquerda será forçada a engolir torne-se cada vez mais cavalar.
Referências:
CARLYLE, Thomas. On Heroes, Hero-Worship, and the Heroic in History. New Haven: Yale University Press, 2013. (Pg. 9)
https://olavodecarvalho.org/tag/partido-comunista/
KNIEBE, Thomas. Operação Valquíria. Barcelona: Editora Planeta, 2009.
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1999.
JOUVENEL, Bertrand de. O Poder: História Natural de Seu Crescimento. São Paulo: Editora Peixoto Neto, 2010.(Pg. 31)
ARON, Raymond. Guerra e Paz Entre as Nações. São Paulo: Clássicos Ipri,2002. (Pg. 405)