Em tempos tão caóticos, não apenas no Brasil, mas no mundo, onde a falta de um sentido e uma sensação de não pertencimento assola quase todos nós, o que pode manter a nossa sanidade e retidão se não os ensinamentos de uma escola filosófica fundada a mais de 2 mil anos, com um modo de vida voltado aquilo que podemos controlar, buscando na racionalidade a base para alcançarmos virtudes que nos livrarão das amarras dos vícios e da imprevisibilidade da vida.
Comecemos do princípio, a escola filosófica estoica foi fundada por Zenão de Cítio (Cítio, 333 a.C. Atenas 263 a.C.), segundo a lenda, relatada por Diógenes Laércio, Zenão era um comerciante que após sobreviver a um naufrágio, onde perdeu tudo que possuí a, encontrou na filosofia cínica, tendo sido discípulo de Crates de Tebas , O Cínico , mais famoso cínico vivo naquele tempo , uma nova forma de enxergar a vida, fundando sua própria escola de filosofia que ficou conhecida tempos depois como Estoicismo, nome derivado de Stoa Polikile (Pórtico Pintado), uma colunata decorada com cenas de batalhas místicas e históricas, ao norte da Ágora de Atenas, onde Zenão reunia se com seus seguidores para discutir as ideias. Este sendo a primeira era do Estoici smo a ntigo estoicismo )), possuindo ainda alguns outros pensadores notáveis, como Cleanto de Assos, Crísipo de Solos e Antípatro de Tarso.
Na segunda era (estoicismo médio), o estoic ism o chega a Roma . Foi representado por Panécio de Rodes (180 110 a.C.) e Possidónio (135 51 a.C.).
A terceira era (novo estoicismo), possui os representantes mais conhecidos Sêneca (nascido no início da era cristã e falecido em 65 d.C., Epicteto (50 – 125 d.C.) e Marco Aurélio (121 – 180 d.C.), que foi imperador romano em 161.
Fundamentada na física (estudo da realidade), logica (estudo do pensamento e do modo como aprendemos a realidade) e ética (reflexão sobre o comportamento humano), que formariam um ser vivo sendo a logica os ossos, a física a carne e a ética a alma. Tem como foco a vida pratica ensinando a desenvolver autocontrole e firmeza para superar emoções destrutivas, defendendo que atingir a clareza e imparcialidade permite compreender a razão universal (logos), nas palavras de Epicteto, “DOENTE E AINDA FELIZ, EM PERIGO E AINDA ASSIM FELIZ, MORRENDO E AINDA ASSIM FELIZ, NO EXÍLIO E FELIZ, NA DESGRAÇA E FELIZ”.
Logica estoica, além de abranger a nossa definição de logica, também abrange o logos, a palavra e a razão, é subdividida em três áreas, retorica, dialética e a epistemologia, sendo está a área que irá nos ensinar a pensar de forma correta. Do ponto de vista do estoicismo a forma como raciocinamos determina a forma como agimos, por isso devemos pensar de forma correta.
“SOFREMOS MAIS EM NOSSA IMAGINAÇÃO DO QUE NA REALIDADE” Sêneca.
Já na Física entendemos que o cosmos é formado de uma única substancia, Deus (razão, providencia, mente), possuindo duas classes, uma passiva, sendo a matéria, e um ativa sendo a logos. Sendo assim a busca pelo natural é a busca pelo perfeito, pois ali reside a logos, que deve ser analisada através da lógica. Possuindo assim uma visão determinística do universo, onde ele seguirá seu curso independente de nós. O que nos leva a uma das grandes reflexões PREOCUPEMO-NOS COM O QUE PODEMOS CONTROLAR.
“QUERIAS SER LIVRE. PARA ESSA LIBERDADE, SÓ HÁ UM CAMINHO: O DESPREZO DAS COISAS QUE NÃO DEPENDEM DE NÓS” Epicteto.
Cada coisa possui seu logos, de pedras a vegetais, animais e humanos, sendo o que nos difere de todos os demais a razão, por isso o estoicismo insiste para que exercitemos ela, pois sem o exercício da razão comportamo-nos apenas como animais. Desta forma precisamos conhecer a natureza do cosmos, devemos agir de acordo com as leis da natureza, o que é agir racionalmente.
A ética estoica, é o que normalmente atrai muitos, esta pautada na virtude, por meio dela que o estoico sai em busca da sabedoria que guiara sua conduta moral, sendo a conduta moral natural, cujo princípios regem a harmonia do Cosmo, a correta. Desta maneira o homem consegue agir naturalmente quando seus valores estão em consonância com seu próprio ser, apenas dessa maneira é possível tornar-se virtuoso e alcançar a verdadeira felicidade. Este caminho é difícil de ser trilhado, mas, mesmo assim deve ser buscado incessantemente.
Existem percalços no caminho do homem, que o levam a não seguir sua própria natureza, as paixões(emoções), as quais podemos dividir em três categorias, boas, más e indiferentes, sendo as boas e más, respectivamente virtudes e vícios, e as indiferentes caminhos para as boas ou mas, dependendo da forma como aplicamos.
Quando nos deparamos com as emoções indiferentes (pobreza, riqueza, beleza, feiura, força, dor, reputação, fraqueza) devemos exercitar nossa Apatheia, não como apatia, onde rejeitamos ou somos passivos diante das emoções, mas sim como um estado de vida calmo, livre de perturbações emocionais, onde conseguimos controla-las.
Por virtudes temos a sabedoria, justiça, coragem e autodisciplina, por vícios temos a ignorância, injustiça, covardia e indulgencia.
Tudo é um empréstimo do universo, inclusive a vida, devemos aprender a devolver o que nos foi cedido.
No final o estoicismo tem como objetivo a felicidade, mas não uma coisa momentânea e fugaz, como experimentamos diariamente, quando cedemos aos nossos vícios ou prazeres rápidos e sem sentido, mas a busca por algo mais solido e de certa forma, indestrutível.
Podemos e devemos, principalmente em um período pós pandemia, onde perdemos entes queridos, amigos e/ou conhecidos, exercitar este lado, entendendo que a vida nos é emprestada por Deus e em certo momento necessitamos devolve-la, ou:
“NUNCA DIGA ALGO COMO ‘EU O PERDI’, MAS ‘EU O RESTITUI’. O SEU FILHO MORREU? FOI RESTITUÍDO, SUA MULHER MORREU? FOI RESTITUÍDA. SEU PATRIMÔNIO LHE FOI TIRADO? ELE TAMBÉM FOI RESTITUÍDO. ‘MAS FOI UM HOMEM MAU QUE O TOMOU DE MIM’. MAS O QUE IMPORTA A VOCÊ QUE AQUELE CUJAS MÃOS O DEU, O EXIGIU DE VOLTA? ENQUANTO A VOCÊ FOI DADO, CUIDE COMO ALGO QUE NÃO É SEU, COMO FAZEM OS VIAJANTES EM UMA ESTALAGEM” Epiteto, Encheiridion, 9
Nesta mesma linha, será que a vida terá sentido ou significado se não houvesse um fim? Muitas vezes nós não damos o devido valor a nossa vida, imaginando-nos como imortais, podemos viver em momento futuro, e quando somo trazidos de volta a realidade com algum acontecimento que nos lembra de nossa mortalidade, prendemo-nos por pouco tempo a ele, já reclamava Sêneca sobre.
“É PRECISO DURANTE TODA A VIDA APRENDER A VIVER E, O QUE TALVEZ CAUSE MAIOR ADMIRAÇÃO, É PRECISO DURANTE TODA A VIDA APRENDER A MORRER.” Sêneca.
Existem coisas que estão fora de nosso controle e existem coisas que podemos controlar, devemos manter nossa atenção no que pode ser controlado. Não podemos controlar os sentimentos de outros com relação a nós, mas podemos controlar os nossos, não podemos controlar quando adoecemos, mas podemos controlar a forma como cuidamo-nos para evitar. Este no fim é o grande ensino que as pessoas procuram, aprender a viver de forma a controlar-se e ter o discernimento de não preocupar-se em controlar o que não nos é devido.
Aqui esta um breve resumo das bases do estoicismo:
- Virtude como único caminho para felicidade;
- Ações sempre baseadas na razão nunca na emoção;
- Alcançar a Ataraxia (tranquilidade de animo), viver serenamente e com paz de espirito;
- Autarquia, ou seja, comandar a si mesmo, auto comandar-se
- Apatheia, como um estado de vida calmo, livre de perturbações emocionais, não confundir com apatia.
- Constância moral, independente de acontecimentos externos;
- Universo governado por uma razão universal natural (logos);
- O prazer é indiferente ao homem sábio.
Após toda essa reflexão deixo vocês com apenas um questionamento.
Que vida vale a pena ser vivida?
CONSELHO DE LEITURA
Meditações – Marco Aurelio
Discursos e Manual de Epicteto (Enchiridion) de Epiteto
Cartas morais a Lucílio, Sêneca.
FONTES
Diário Estoico – Ryan Holiday, Stephen Hanselman
O Estoicismo – George Stock
Meditações – Marco Aurelio