É sabido por todos nós que a chamada evolução tecnológica, quando inteligentemente orientada, além de tantas utilidades na experiência das relações sociais, também proporcionou muita flexibilidade no que diz respeito à prática educacional e no cotidiano estudantil, principalmente diante da possibilidade de acesso real a uma quantidade exorbitante de informações que são massivamente produzidas e reproduzidas na atualidade, razão por que se diz que estamos na Era da Informação, ou Era Digital.
A despeito de ilegalidades e/ou imoralidades habitual ou eventualmente praticadas em ambientes de interação virtual, sem sombra de dúvidas, o avanço da tecnologia também tem muito a contribuir com o desenvolvimento das civilizações. Desse exame, por enquanto, a nosso modesto ver, ainda é possível dizer que as boas expectativas superam a desesperança em relação à utilização das ferramentas que o aprimoramento tecnológico é capaz de propiciar à sociedade e ao Estado.
Um exemplo de boa prática tecnológica foi a divulgada no sítio oficial da Universidade de Waterloo, no Canadá. No caso, pesquisadores desta instituição, em parceria com a Universidade de Toronto e o St. Michael’s Hospital, criaram um modelo computacional (machine learning) para diagnosticar com mais rapidez casos de crescimento de tumores cerebrais mortais provocados por Glioblastoma multiforme (GBM).
Dito isso, um assunto que tomou conta do noticiário recente foi a implementação do denominado ChatGPT, que, de acordo com Landim (2023), trata-se de “um algoritmo baseado em inteligência artificial”, que “se alimenta de informações que coleta na internet. Portanto, o que está disponível na internet atualmente é a base de dados do algoritmo. Baseado em padrões e no cruzamento das informações, o Chat GPT transforma as querys, os questionamentos dos usuários, em respostas”.
Em verdade, tal desdobramento de IA nos chama a atenção porque, segundo Landim (2023), “O grande diferencial aqui é que essas respostas podem ser criativas. Por exemplo, ao perguntar sobre um determinado assunto, diferente do que ocorre em um mecanismo de busca, que apenas retorna os resultados, o Chat GPT é capaz de contextualizá-los e elaborar textos, letras de música, poesias, contos, códigos de programação, receitas e assim por diante” (sem grifo no original).
Diante disso, é impossível não elaborar determinados questionamentos, tais como: “A Inteligência Artificial substituirá escritores?”; “Será este o momento inaugural de derrocada dos compositores?”; “Será o fim dos poetas?”; “E os contistas e romancistas, como ficarão?”, etc. Além disso, quando se trata do processo de ensino e aprendizagem (educação), a reflexão se torna ainda mais séria e preocupantemente oportuna.
Não se trata, aqui, de renegar os contributos da tecnologia nos ambientes escolares e na prática estudantil. Pelo contrário, reconhece-se que, hoje, a tecnologia e os seus aparatos correspondentes são, por vezes, imprescindíveis para o exercício de determinadas profissões. Inclusive, no labor da docência e no âmbito das instituições de ensino, a tecnologia se apresenta como um formidável instrumento de pesquisa, produção e divulgação científica, razão pela qual não há como compactuar com qualquer tipo de retrocesso nesse sentido.
Neste contexto, o que importa é a advertência referente ao impacto da má utilização das ferramentas tecnológicas que estão à disposição de estudantes e professores, principalmente os aparatos que já apresentam a capacidade para reproduzir, artificialmente, atividades antes exclusivas da imaginação e da inventividade humanas.
A esse respeito, não há como esquecer as lições atemporais e neurocientificamente fundamentadas do professor Pierluigi Piazzi. Segundo o saudoso professor, é preciso ter cautela diante do binômio “cérebro e computador”. Em palestras, veja o que disse o mestre ítalo-brasileiro:
“Na face da Terra, existem duas coisas capazes de processamento lógico: o computador e o teu cérebro. O computador é muito rápido e é um idiota. […] É um idiota! E o cérebro humano é muito lento, mas é um gênio. O que me preocupa muito é que, hoje em dia, o uso excessivo do idiota está fazendo com que as pessoas deixem de usar o gênio. Ou seja, os seres humanos estão se aproximando do computador, e não o computador do cérebro humano. Estamos ficando idiotas!” (WIZARD CAPIVARI, 2012, grifo nosso).
Esse defensor ferrenho do desenvolvimento da inteligência humana não é contra o uso de tecnologias, uma vez que, desde criança, uma de suas fontes de prazer intelectual era programar videogames. Isto é, um usuário e conhecedor de tecnologias que não nega o avanço tecnológico, mas apenas nos adverte sobre o mau uso da tecnologia que nós conhecemos e o seus respectivos efeitos nocivos na inteligência natural.
Diante disso, é importante perguntar se ainda haverá o incentivo para que seja desenvolvida a inteligência natural das pessoas, especialmente a dos estudantes e professores, que estão diretamente envolvidos no processo educativo formal, que é o objeto deste artigo. Em outras palavras, mesmo com o avanço tecnológico, veremos ainda o “nascimento” de poetas, compositores, escritores, contistas, programadores, professores, ou as pessoas delegarão tais atividades intelectuais ao Chat GPT e aos seus desdobramentos virtual e futuramente acessíveis?
É preciso relembrar que a inteligência somente é gradativamente desenvolvida mediante o exercício ativo e contínuo do cérebro. Por isso, o professor Pier (2008, p. 101-102) já dizia que uma das formas de aumentar a inteligência é “enfrentar desafios”, no sentido de que “toda vez que você puder optar entre uma maneira fácil e uma maneira difícil, o que desenvolve a inteligência é escolher a difícil”.
Nesse sentido, o que você, leitor, considera ser mais difícil e desafiador para a sua inteligência natural, escrever um poema inteiro ou simplesmente encomendar versinhos prontos para o Chat GPT? O que desenvolverá mais sua capacidade linguística, compor uma canção ou delegar essa tarefa a um aplicativo de Inteligência Artificial (IA)?
É preciso ter cuidado para que, ante o incremento de novas ferramentas tecnológicas, não incorramos no erro de usar excessivamente a inteligência artificial em prejuízo da nossa própria inteligência natural. Leia livros, componha canções, escreva poemas, contos, romances, artigos etc. Desafie-se a todo instante, para que um simples aparato não substitua a sua capacidade de pensar e de agir, retirando-lhe a centelha de humanidade que caracteriza o uso da inteligência.
Para finalizar, principalmente se você for um estudante ou professor, de qualquer idade, reflita sobre este excerto:
“Qualquer professor que possa ser substituído por um computador deve ser substituído” – Arthur C. Clarke.
Referências:
LANDIM, Wikerson. Chat GPT: o que é, como funciona e como usar. 2023. Disponível em: https://mundoconectado.com.br/artigos/v/31327/chat-gpt-o-que-e-como-funciona-como-usar. Acesso em: 24 fev. 2023.
PIAZZI, Pierluigi. Aprendendo inteligência: manual de instruções do cérebro para alunos em geral. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2008.
University of Waterloo. Waterloo News. Using machine learning to predict brain tumour progression: Waterloo researchers use MRI data to further personalize câncer medicine. Disponível em: https://uwaterloo.ca/news/media/using-machine-learning-predict-brain-tumour-progression. Acesso em: 24 fev. 2023.
WIZARD CAPIVARI. Palestra Prof. Pier – Wizard 2012 – Parte 1. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cVVg_T_vSbc&t=600s. Acesso em: 24 fev. 2023.